O ex-procurador-geral da República, Claudio Fonteles, membro da Comissão Nacional da Verdade, confirmou nesta terça-feira (25), no Rio de Janeiro, que a decisão da mudança do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, partiu da própria instituição.
“Por unanimidade, nós deliberamos que diante de um quadro
evidente de que ele foi assassinado nas dependências do Estado, pelo serviço
policial da repressão, oficial na época, e embasado por provas eloquentes, nós
deliberamos, para provocar o Poder Judiciário, por meio dos juízes de registros
públicos, para que fosse sanada aquela gravíssima omissão. E fizesse constar
que esse digno brasileiro morreu vítima da violência arbitrária”, disse.
A mudança atingirá todos os que foram mortos pela ditadura,
assegurou. ”Todos. Criamos o que se chama em direito do precedente prudencial.
E todos agora, podem seguir essa linha. Acho que foi um ponto altamente
positivo”.
A comissão não sabe, entretanto, quantos presos políticos
poderão ser beneficiados. Fonteles ressaltou que isso vai depender muito dos
parentes das vítimas. “Eles sabem. É muito fácil para todos nós. Procurem a
comissão, apresentem o quadro, como fez Clarice Herzog e seu filho”.
Fonteles participou da audiência pública Memória e Verdade,
organizada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro
(PRDC-RJ). Indagado se o médico-perito que assinou o atestado de Herzog à
época, Harry Shibata, poderia ser acusado de crime de falsa perícia, esclareceu
que, criminalmente, o fato prescreveu. “Tem mais de 70 anos, a prescrição conta
pela metade”.
Ele declarou que o Brasil, “lamentavelmente, no direito
penal, ainda é um país que estimula muito a impunidade”. Para Fonteles, crimes
graves não deveriam prescrever nunca. Acrescentou que o fator idade não deve
também ser elemento de diminuição de culpa, mesmo havendo prescrição. “Reitero
isso fortemente. Crimes graves não podem prescrever”.
Até o momento, a comissão ouviu cerca de oito depoimentos,
informou. O grande trabalho, porém, a seu ver, é a pesquisa documental. O próprio
Fonteles faz com a sua equipe uma pesquisa, toda semana, no Arquivo Nacional,
no Rio de Janeiro. Na próxima quinta-feira (27), ele vai pesquisar documentos
secretos de órgãos oficiais que a lei impôs o acesso ao público. “Então, eu
estou trabalhando fortemente lá”.
Admitiu que a comissão já está investigando também os
empresários que financiaram a ditadura. Mas não quis adiantar detalhes. “Posso
dizer só isso: já temos alguns documentos para montar o quadro. Mas deixa a
gente trabalhar um pouquinho mais. Nada será oculto”. Previu que haverá
novidades para relatar mais para o final do ano.
Em resolução publicada na edição do Diário Oficial da União
do dia 17 de setembro, a comissão decidiu apurar os crimes cometidos pelo
Estado durante a ditadura militar, restringindo as investigações aos crimes
cometidos por agentes públicos ou a serviço do Estado. A resolução indica,
portanto, que supostos crimes atribuídos a opositores do regime ditatorial, que
vigorou no Brasil de 1964 a 1985, não serão alvo de análise. De acordo com a
assessoria de imprensa da comissão, a decisão atende a regras já previstas em
lei e em acordos internacionais em que o Brasil é signatário.
A comissão concluiu que a queima de documentos e atas
referentes ao período da ditadura pelos militares foi ilegal, oficiou a decisão
ao Ministro da Defesa, Celso Amorim, para que os comandos militares se
manifestem, o que não ocorreu até agora. Embora exista um crime no ato
cometido, Fonteles ponderou que uma apuração de culpabilidade remeteria aos
comandantes anteriores, que atuavam à época da ditadura, e não aos atuais.
Segundo ele, o grande desafio da Comissão Nacional da
Verdade é criar uma linha de trabalho permanente. Ou seja, criar “um tecido
protetetor da democracia, para que nunca mais venhamos a experimentar soluções
do arbítrio, da ditadura, do assassínio por parte do Estado e seus agentes
públicos”, disse. “Temos que manter esse tecido vivo. Senão, vira notícia de
jornal”.
Fonteles insistiu que, para isso, há necessidade de se
formar uma grande rede protetor da democracia no país, integrada por comissões
estaduais e da sociedade civil organizada. Lamentou, nesse sentido, que o
governo fluminense ainda não tenha constituído a sua Comissão da Verdade, por
falta de quórum na Assembleia Legislativa (Alerj). “Eu lamento. E sou carioca e
vascaíno. Eu gostaria muito que isso fosse feito aqui no Rio de Janeiro. Nós
temos incentivado fortemente”. O Pará deverá anunciar a sua comissão nos
próximos 30 dias, revelou. Lembrou que os membros da comissão nacional estão
permanentemente dialogando nas várias unidades da Federação.
Avaliou que audiências como a realizada nesta terça-feira no
Rio de Janeiro vão servir para “mais do que pontuar” as violações de direitos
humanos ocorridas durante a ditadura. “Eu insisto que todos os brasileiros
internalizemos, você, eu, as gerações futuras, as gerações presentes, que a
democracia é o melhor dos regimes. Que é insuportável qualquer solução
arbitrária. Isto é o grande objetivo nosso”.
Afiançou que para os casos que não foram resolvidos, a
Comissão Nacional da Verdade vai fazer “um esforço enorme” de tentar
descobri-los, “para tentar satisfazer não só a sociedade, mas os próprios
parentes”.
Agência Brasil