"Aqui na minha cidade, quando escrevi a primeira vez para você pedindo a cadeira de rodas para minha esposa, muitos riram de mim, achavam que nunca esta carta chegaria às suas mãos. Mas chegou e todos aqueles que acreditaram e não acreditaram ficaram muito felizes, pois nunca nenhum presidente se comunicou com a classe mais pobre. Você fez a diferença."
A mensagem, enviada a Lula em 9 de novembro deste ano, chegou de Rio Tinto, na Paraíba. É uma das 631.977 correspondências recebidas pelo presidente Lula por meio de cartas ou e-mails em oito anos de governo. O tom das mensagens mapeia altos e baixos durante seu governo: a expectativa e a torcida do início, as decepções e conquistas pelo trajeto.
Muitos pedidos. Ao ler as primeiras cartas chegadas à Presidência, no início de 2003, já era possível ter uma pista da relação que a população teria com o presidente metalúrgico. "Oi, Lula", começam muitas delas, dispensando o cerimonioso "excelentíssimo senhor presidente da República do Brasil". Antes de desfiar suas histórias, muitos exibem uma intimidade e uma expectativa na solução dos problemas que é resumida assim: "O senhor que é do povo como eu vai me entender..."
Quase todos os textos seguem um padrão: quem escreve primeiro faz um elogio, uma crítica ou dá uma sugestão, depois conta um pedaço de sua história e faz um pedido no final. Tem quem procure dinheiro, remédio, emprego, uma casa, um empréstimo para comprar um carro e até a intervenção do presidente para ajudar marido e mulher a salvarem o casamento em crise.
Tem convite de aniversário, pedido de autógrafos, fotos, a oportunidade de viajar com Lula no avião presidencial. Não há nada mais que surpreenda Cláudio Rocha, chefe do Departamento de Documentação Histórica da Presidência (DDH), órgão responsável por receber, catalogar e responder cada uma das cartas que o presidente recebe. Para as opiniões, a resposta é um agradecimento. Para os pedidos, o DDH informa sobre programas do governo que eventualmente atendam àquela demanda
Uma por dia. Algumas histórias entraram para o folclore da Presidência. Um eleitor escreveu uma carta por dia ao presidente, desde o início do governo. Outro deu de presente a Lula um torno mecânico velho, como o que Lula operava quando jovem. Algumas mulheres são apaixonadas pelo presidente e pedem a oportunidade de trabalhar "cuidando dele".
As cartas que chegaram nas últimas semanas já começam a felicitar Lula e a primeira-dama Marisa Letícia pelas festas de fim de ano, fazem um saldo do governo e despedem-se do presidente. Mas, até na saída, dá tempo de pedir um último socorro. "Tenho a honra de parabenizar o excelente trabalho feito para a nossa nação. (...) Tenho a esperança que um dia volte a comandar esta nação tão carente de homens que olhem para os mais pobres", diz um homem de Livramento de Nossa Senhora, na Bahia. O pedido: "Para finalizar, gostaria de receber uma foto do casal para eu colocar em um pôster na sala da minha residência."
De Alvorada, no Rio Grande do Sul, um porteiro pede que Lula volte à Presidência daqui a quatro anos e conta que voltou a estudar e pretende tornar-se eletricista: "Minha esposa está em tratamento de câncer de mama, por isso que quero fazer um curso de eletricista em Porto Alegre, mas no momento não estou conseguindo pagar o curso, gostaria se fosse possível para o senhor conseguir um desconto no curso aqui no Senai para mim."
"Meu pai é pedreiro. Antes de 2003 o emprego era muito disputado porque tinham poucos, então ele tinha de esperar para pegar um emprego, e agora até escolhe qual ele quer pegar para trabalhar", relata um menino de 10 anos, de Conselheiro Lafaiete (MG), em carta de 29 de outubro. "Quero te pedir uma foto autografada para mostrar que além de bom presidente é um bom homem. Tchau, e até a próxima."
1,4 milhão de lembranças na mudança de Lula
Cada carta, presente e momento do governo Lula foi catalogado e guardado no subsolo do Palácio do Planalto, um acervo que compõe 3 mil caixas de arquivo e que agora seguem viagem para São Paulo, onde farão parte do Instituto Lula.
As polêmicas, as crises e a popularidade do governo refletem-se em números superlativos: foram 1.403.417 itens catalogados pelo DDH em oito anos. Entram aí 355.825 cartas, 287.152 mensagens eletrônicas, 9.697 fotos e vídeos, 9.027 livros, 8.511 presentes, 14.992 textos e bilhetes, e 718.213 material de campanhas feitas por movimentos civis.
Será preciso mobilizar 11 caminhões para transportar todo o material. Cláudio Rocha, chefe do DDH, é quem organiza o trabalho de fazer a mudança de tudo o que cuidadosamente catalogou, arquivou e preservou. "Só nesta semana chegaram mais 14 caixas de livros que estavam no Palácio da Alvorada e ainda precisam ser catalogados aqui", conta. E ainda há mais para chegar. Parte dos presentes fica na residência oficial do presidente.
O desafio do curador do Instituto Lula, que será um misto de memorial com plataforma política do presidente, será organizar um acervo tão plural para visitação pública. São presentes caros (colares de ouro e espadas incrustadas de pedras preciosas enviadas por líderes árabes) e únicos (um capacete usado por Ayrton Senna, camisetas de futebol assinadas por Kaká e Christiano Ronaldo, obras de Antônio Potero e Miró).
A história diplomática e governamental mistura-se ainda à contribuição dos populares. São inúmeras obras de artesanato, bordados, orações escritas, fotos de família, desenhos de criança – pedaços de histórias que formam um mosaico da trajetória brasileira nos últimos oito anos e dão ao acervo um valor inestimável.
TRECHOS
"Sua resposta a um certo jornalista nestes últimos dias foi de uma precisão muito especial. O senhor disse: não sei se estarei vivo até lá. A pergunta era se o senhor seria candidato em 2014. Para o senhor que dizem que és um analfabeto foi um xeque-mate! Quer aprender a aperfeiçoar a arte do carisma, passe aqui em casa uma hora dessas para aprender comigo"
" Tenho a honra de parabenizar o excelente trabalho feito para a nossa nação. Na minha avaliação, foi o melhor presidente do Brasil"
"Creio, oh, senhor presidente, que tudo em sua vida teve origem na luta e na miséria que outrora viveste. Meus sinceros parabéns porque tu foste um vencedor, para muitos um analfabeto, mas para mim um especial, um sábio. Não um sábio qualquer, mas um sábio especial do povo"
"O senhor fez várias coisas boas para o Brasil, mas quero te pedir uma foto autografada para mostrar que o senhor além de um bom presidente é um bom homem"
"É uma honra para mim escrever para o senhor. Parabéns por governar nosso país, é o melhor presidente da história do Brasil. Espero que daqui a quatro anos volte à Presidência. Moro em Alvorada, no Rio Grande do Sul, e trabalho em Porto Alegre de porteiro, mas quero melhorar um pouco e por isso estou terminando os estudos" Agência Estado
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