segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A IGREJA E A CAMISINHA.


Por Leonardo Sakamoto:

O reitor do Santuário Nacional de Aparecida pediu ao ministro da Saúde que não distribua camisinhas nas escolas públicas, afirma o Painel da Folha de S. Paulo de hoje.

Sabedoria divina que arrepia. Até porque, como todos sabemos, jovens só fazem sexo por causa do preservativo grátis. Sim, ela, a camisinha, é a responsável por tirar da inocência milhões todos os anos. Sem a dita, viveriam uma vida de castidade, dedicada às boas causas. Mas não! Enquanto o pecado em forma de látex lubrificado estiver à espreita de nossos adolescentes, feito o Tranca-Rua, o Tinhoso, o Cramulhão mangando Jesus no deserto, não haverá paz.

E o Estado, ao distribuir essas sementes da luxúria, é como a serpente que ofereceu o fruto da árvore proibida à Eva, levando ao conhecimento do bem e do mal. Pobre Adão! Pobres rapazes tirados da castidade por culpa de garotas que repetem o pecado original!

Sem esquecer dos padres acusados de molestar sexualmente de crianças, levados à tentação por conta de anúncios libidinosos de preservativos.

Malditas sejam todas as camisinhas! Antes delas, não havia sexo antes do casamento, muito menos cópula que não fosse com o sagrado intuito da procriação.       

Com base no doce raciocínio do clérigo, proponho algo revolucionário: fechar as fábricas de preservativos. Jontex, Olla, Preserv, Blowtex… Isso acabaria com todas as doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids, noves fora os filhos indesejáveis.

Enfim, vamos entregar a questão da saúde pública aos cuidados da Igreja Católica. Certamente, ela terá a coragem de pôr em prática ações que o Estado não toma. Os problemas sociais serão resolvidos com base no Código de Direito Canônico e, por que não, na reedição da bula Cum ad nihil magis, do Santo Ofício. Por exemplo, condenar médicos que fizerem abortos, mesmo que nos raros casos previstos em lei, a uma eternidade de privações no limbo – já que não se fazem mais fogueiras em praças públicas como antigamente – vai por um ponto final na questão.

Revolucionário, nesse sentido, foi o então arcebispo de Olinda e Recife José Cardoso Sobrinho, que excomungou os médicos envolvidos no aborto legal feito por uma menina de nove anos, 1,36 m e 33 quilos, grávida de gêmeos do padrastro que a estuprava desde os seis anos de idade.

“Os adultos, quem aprovou, quem realizou esse aborto, incorreu na excomunhão. A Igreja não costuma comunicar isso. Agora, a gente espera que essa pessoa, em momentos de reflexão, não espere a hora da morte para se arrepender”, disse em 2009. Amém.

O mesmo vale para o uso – e, quiçá – distribuição gratuita de preservativos. O arcebispo da Paraíba, Aldo Pagotto, suspendeu o deputado federal e padre Luiz Couto (PT-PB) de suas funções como sacerdote porque ele defendeu o uso da camisinha e os homossexuais.

Enfim, tudo isso seria engraçado, apenas fait divers em colunas de jornais se, em épocas de eleições, os candidatos não vendessem sua alma à igreja na busca por votos, prometendo em troca a manutenção do controle simbólico sobre o corpo dos cidadãos.  

Sobre o autor: Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP e ex-professor na USP, trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.blog

Um comentário:

  1. Incrível, mais uma vez a igreja se metendo em questões políticas e de saúde pública, um absurdo que a igreja acredite que padres e jovens são levados ao sexo graças a camisinha...lamentável. Imagine em algumas regiões da África, onde são constatados altos índices de pessoas infectadas com o vírus da Aids, como seria?
    Não querem que os jovens caiam na tentação do pecado original? Expliquem aos JOVENS CATÓLICOS via a CATEQUESE o porque não se deve fazer sexo antes do casamento, (Catequese que pouco coloca em discussão os ensinamentos bíblicos, considero o ensino da palavra superficial e ministrada por pessoas que nunca ouviram falar em teologia e que nunca fizeram um estudo aprofundado da Bíblia). E em relação ao padres que tem uma vida sexual ativa, que estes fossem desligados do sacerdócio, e que a lei fosse severa com os padres que se cometem crimes sexuais contra crianças, que fossem excomungados e encaminhados para a justiça dos homens para serem mergulhados na cadeia!
    Para mim a igreja deve se preocupar em apresentar de forma eficiente o evangelho aos jovens e se dedicar de forma intensa em ações voltadas para ajudar os pobres e não procurar influenciar a política para impôr seus valores ao mundo.
    Quer que o mundo se converta?, dê exemplos de caridade e humildade e ensine o evangelho!

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