terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Festival de extravagâncias: dondocas fúteis e milionárias afrontam milhões de brasileiros


De um lado, está uma minoria que possui os meios necessários para realizar todas as suas aspirações e desejos. De outro lado, invisíveis para os meios de comunicação e excluídos pelo sistema vigente, estão os indivíduos que levam uma existência deletéria, caracterizada por todo tipo de privação.

O Brasil apresenta uma das piores distribuições de renda do planeta. Segundo estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), nosso país tem o terceiro pior índice de desigualdade do mundo. Aproximadamente 10% da população concentra cerca de 44,5% da renda.

De acordo com o economista Celso Furtado (1920-2004), alguns hábitos da classe dominante podem explicar a vertiginosa disparidade social que impera no Brasil. A elite brasileira tem como padrões de consumo os países de renda bem mais elevada que o nosso. Assim, para sustentar esse alto padrão de consumo, é necessário que essa parcela da população concentre grande parte da riqueza gerada no país. Outra característica de nossa elite econômica é o seu caráter ostentatório. Não basta ser rico, é preciso demonstrar rotineiramente o seu status social através da exibição de bens materiais e imateriais (mansões, carros importados, roupas de grife, joias, possuir vários empregados e adotar certos hábitos e costumes).

Nos últimos anos essa elite econômica tem sido exaustivamente retratada nas principais telenovelas globais. Trama após trama, principalmente durante o horário nobre, milhões de telespectadores deparam com a exibição de um estilo de vida impossível de ser atingido pela esmagadora maioria da população. Como “pobre gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual” (lembrando a clássica frase de um carnavalesco); a TV Bandeirantes resolveu ir além da emissora da família Marinho e apresentou na segunda-feira (02/01) o programa Mulheres ricas, o reality show que acompanha o cotidiano de cinco milionárias – Val Marchiori, Narcisa Tamborindeguy, Brunete Fraccarolli, Lydia Sayeg e Débora Rodrigues.

“Eu sou amazing”

Val Marchiori – linda, loira, alta e magra, segundo definição da própria – é apresentadora, empresária e a mais nova emergente da alta sociedade paulistana. A rotina da oligofrênica milionária, sempre acompanhada do cabeleireiro e maquiador Dudinha, é dividida entre compras, eventos e apreciar bons champanhes (qualquer semelhança entre Dudinha e o personagem Clô, da novela Fina Estampa, não é mera coincidência).

Enquanto o brasileiro comum sonha com um transporte público de qualidade para que possa se deslocar de casa para o local de trabalho com o mínimo de conforto, a principal preocupação de Val é comprar um avião novo (preferencialmente que não faça escalas, pois ela odeia parar). Dinheiro não é problema para a apresentadora. Adquirir um avião de 30 milhões de reais é como comprar uma blusa nova.

Narcisa Cláudia Saldanha Tamborindeguy (“Saldanha da alta aristocracia portuguesa”, faz questão de ressaltar) é advogada, jornalista e autora de dois livros. “Eu sou amazing, fantástica, intensa. Devo ser tratada como uma pérola”, diz sem modéstia. A socialite é presença constante em revistas e programas de televisão sobre celebridades. Entre suas principais fontes de entretenimento estão viagens para a Europa e EUA, se divertir na piscina do Copacabana Palace e frequentar as festas mais badaladas da noite carioca.

Automóveis luxuosos

Brunete Fraccaroli é uma famosa arquiteta paulistana que não larga a cadela maltês, não fica sem água mineral Perrier e vive como uma verdadeira boneca (inclusive há uma boneca Barbie que leva o seu nome). “Nasci nos Jardins (região nobre da capital paulista) em uma família muito rica”, faz questão de frisar. Para a milionária, luxo é poder sair com a sua cadela Cissi no colo e poder ir trabalhar com ela. “Cissi é uma cachorrinha feliz, criada feito gente, com todo o amor do mundo, vive melhor que muita gente, infelizmente”, assevera. Realmente, o Brasil seria um país muito melhor se os seus pobres tivessem o mesmo padrão de vida da cadela Cissi.

Já Lydia Leão Sayeg é gemóloga e proprietária da famosa Joalheria Leão. “Eu nasci em um berço de ouro, literalmente”, salienta. Entre as extravagâncias da joalheira estão tomar banho com água mineral, alugar uma Ferrari para “dar uma voltinha”, colecionar vestidos Chanel e possuir dois seguranças pessoais; “coisas simples”, segundo ela. Lembrando o padrão de consumo da elite brasileira, segundo Lydia “o rico tem a obrigação de gastar, se o rico não gastar, o dinheiro não gira, se o dinheiro não girar, o pobre não ganha”.

Por sua vez, Débora Rodrigues é a única participante do programa a ter uma origem humilde. É filha de um caminhoneiro e de uma dona-de-casa. Já trabalhou como babá, frentista, motorista de ônibus de bóias-frias e de caminhão, recepcionista e secretária. “Eu não tinha dinheiro para comprar um fósforo”, relembra. Débora causou grande polêmica nos anos 90 ao deixar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e posar nua para uma famosa revista masculina. Posteriormente foi apresentadora no SBT. Atualmente é piloto de automobilismo e moradora de Alphaville, bairro nobre da Região Metropolitana de São Paulo. Como boa parte dos brasileiros que ascendem economicamente, a forma encontrada por Débora para legitimar a sua nova condição social é adquirir automóveis luxuosos.

Afronta a milhões de brasileiros

Em suma, o que se viu ao longo do primeiro episódio do reality show Mulheres ricas foi um festival de extravagâncias escalafobéticas. Ou seja, um retrato fiel do estilo de vida da elite econômica brasileira. Parafraseando o tema de uma conhecida campanha publicitária de cartão de crédito, existem coisas que o dinheiro não pode comprar, e o bom senso, certamente, é uma delas.
Por outro lado, o programa pode ensejar importantes reflexões sobre as facetas mais cruéis de nosso capitalismo periférico. De um lado, está uma minoria que possui os meios (materiais e imateriais) necessários para realizar todas as suas aspirações e desejos. De outro lado, invisíveis para os meios de comunicação e excluídos pelo sistema vigente, estão os indivíduos que levam uma existência deletéria, caracterizada por todo tipo de privação.

Via  Pragmatismo Político

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