sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A FESTA DOS BICHOS

No alto sertão nordestino, a vida pastoril e agrícola não inspira somente as cantigas que celebram a braveza dos barbatões e a destreza do cavalo ou consagram a uberdade do solo e enfeitiçam o trabalho dos adjuntos. Sob o teto dos copiares campestres escutei enlevado, inumeráveis vezes, divertidas narrativas em prosa e verso, historietas em que aos mais diversos espécimens zoológicos se mesclavam bichos de grande ferócia, desses que o senhor Afonso Celso talvez entenda ser motivo de ufania para nosso país não figurarem da fauna brasileira.

O cego José Tenório, morador no morro do Moinho em Fortaleza, cantou perante mim A festa dos bichos ou O porco embriagado. Tenório não me soube dizer quem fosse o autor dessa poesia que, meses depois, com insignificantes alterações de texto, li em folheto publicado no Piauí, em 1923. Foi quando apurei que o autor da mesma era Firmino Teixeira do Amaral. Ei-la:

Quando bode era doutor
E cachorro advogado
Andava tudo direito
O mundo bem governado
A justiça muito reta
Ninguém vivia enganado!

O leão sempre foi rei
Casa com uma leoa
Jacaré seu secretário
Onça era uma grande pessoa
Mestre sapo professor
Na beira duma lagoa

Coelho chefe do mato
Peru era viajante
O galo, por ser tenor
Regia um café-cantante
Macaco bicho do rei
E urso rapaz amante

O porco era vagabundo
Passava o dia a beber
Por isso dele ninguém
Amigo queria ser
De toda festa que havia
Porco queria saber

Um dia, mestre coelho
Fez uma festa no mato
Foi cachorro e jacaré
Gente de mais aparato
Finalmente todo bicho:
Menos porco e mestre gato

Rato tocava flauta
Priquito no rabecão
Caititu no contrabaixo
Cururu no violão
Mucuim no clarinete
E tatu no bombardão

O pinto ia com os pratos
O carneiro com o tambor
Mosquito numa rabeca
Era quase professor
Mestre sapo, como chefe
Ia feito regedor

Quando o porco soube disso
Ficou muito injuriado
Disse ao gato: - "Vamos lá
Que eu garanto, por meu lado
Ou nós entramos na festa
Ou o baile está terminado"

O gato disse: - "Eu não vou
Porque acabo apanhando…"
O porco lhe respondeu:
- "Você bem que está mostrando
Ser um gato sem coragem…
Pois fique, que eu vou andando".

O porco, chegando lá
Queria o baile invadir
Jacaré veio e falou
Mandou o porco sair
Como não obedeceu
Foi preciso onça intervir

O urso logo zangou-se
Por a sua namorada
Que era uma anta bonita
E estava ali bem trajada
Por um porco vagabundo
Ser assim desrespeitada

Botaram porco pra rua
Mas ele tornou a entrar
Aí, já era demais
Impossível se aturar
Coelho puxou revólver
Para no porco atirar

O porco sacou da faca
Para matar ou morrer
Cotia teve um ataque
Paca queria correr
Galinha caiu sem fala
Durinha, sem se mexer

Raposa quase que morre
Mucura quebrou o braço
Lagartixa foi pisada
Quase ficou em pedaço
A cabra apanhou de pau
Se não corre, era bagaço

Barata correu pr’um canto
Não quis a vida perder
Preguiça estava num pau
Disse: - "Foi bom não descer…"
Canguru disse: - "O diabo
Quem não trata de correr…"

Girafa, como era grande
Estava tudo apreciando:
Quando viu, na sua costa
Arara estava trepando…
Ema disse: - "Eu vou me embora…"
Coruja saiu voando

Borboleta, há muito tempo
Já tinha se escapulido
Mosca fez sua viagem
Levou pium, seu marido
Garça disse: - "Vocês briguem
Mas não me suje o vestido…"

Aranha estava tremendo
E lesma morta de rir
Macaco olhou para um galho
Tratou logo de subir
Dizendo: -"Porco não trepa
Aqui nunca pode vir!"

Catraia gritava tanto
Que gritava à luz da lua
Minhoca não acertava
Para que lado era a rua
Curica ficou sem pena
Siriroca quase nua

Finalmente, a muito custo
Botaram porco pra fora…
Já tinha dado e apanhado
Por isso disse: - "É agora:
Antes que chegue a polícia
Vou tratando de ir-me embora!"
[...]

Leonardo Mota, "Violeiros do Norte"

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