terça-feira, 25 de junho de 2013

A HERANÇA AMARGA DE JAIME LERNER


Por Alexandre Figueiredo

O desgaste de um modelo autoritário de mobilidade urbana salta aos olhos, já começando a chamar a atenção dos manifestantes dos protestos populares que, nas grandes cidades, já começam a contestar esse modelo "moderno" que foi feito para motivos turísticos e políticos durante os eventos esportivos mundiais a serem realizados no Brasil em 2014 e 2016.

Esse modelo, baseado na concentração de poder da Secretaria de Transportes, na camisa-de-força dos consórcios, no fardamento da pintura padronizada das frotas de ônibus e numa lógica opressiva de serviço do transporte coletivo, demonstra-se cada vez mais caduco, embora ainda se encontre persistente.

Pois agora esse modelo, lançado pelo arquiteto paranaense Jaime Lerner no auge da ditadura militar, na condição de "prefeito biônico" (nomeado pela ditadura) de Curitiba, poderá ser prejudicado com as Comissões Parlamentares de Inquérito que pretendem se instalar em breve.

Em Curitiba, a primeira CPI do tipo vai se insaurar amanhã, para investigar o esquema financeiro das empresas de ônibus de Curitiba, empresas que os cidadãos da capital paranaense nem chegam a ter ideia exata quais são, porque a pintura padronizada há muito mascarou as mesmas, enquanto se limita a mostrar o nome de cada consórcio dentro de uma pintura que só varia conforme o percurso e o tipo de ônibus.

Há muito se fala em corrupção por trás dos transportes de Curitiba, oficialmente tido como o "melhor do mundo", mas cujo desgaste e decadência estão cada vez mais difíceis de esconder. Os curitibanos, aliás, estão muito irritados com a fama de "melhor do mundo", porque eles são os que mais sofrem com os transtornos diversos causados pelo esquema.

Há superlotação até mesmo em ônibus biarticulados, os motoristas vivem uma rotina de trabalho opressiva, as frotas passaram por um período sem muita renovação e, quando ela houve, causou um rombo nos cofres públicos e privados;

Como se isso não bastasse, o transtorno da pintura padronizada que já não garante transparência alguma, os números das frotas mais parecem sopas de letrinhas com uma combinação complicada de letras e números. Hoje adotar uma pintura padronizada que, em vez de mostrar as empresas de ônibus, exibe o visual determinado por prefeitura ou órgão estadual já não traz qualquer vantagem para a mobilidade urbana.

É certo que exibir a identidade visual de cada empresa - com sua pintura própria, seu logotipo e sua colocação de número - não vai melhorar o transporte coletivo, mas faz uma grande diferença na percepção do passageiro comum, que pode reconhecer qual a empresa que presta um bom serviço ou não. 

Já a pintura padronizada, ao camuflar diferentes empresas com uma mesma pintura, que só varia por outros critérios (zona, tipo de ônibus, natureza do serviço etc), mascara as empresas dificultando a fiscalização pública. Ela não traz transparência, e o passageiro é sempre o último a saber quando empresas mudam de nome ou linhas mudam de empresas operadoras.

Quanto a outros aspectos da mobilidade urbana, já se questiona o caráter absoluto dos corredores exclusivos, das vias de BRTs, porque nem toda cidade tem a estrutura necessária para isso. Curitiba, Feira de Santana e Brasília, por exemplo, possuem essa estrutura, mas Niterói é um exemplo de cidade sem qualquer estrutura para construir pistas desse porte.

Autoridades, empresários e tecnocratas estão apavorados com a decadência do modelo de Lerner. Mesmo originário da ditadura militar - até a pintura padronizada de Curitiba se baseou nos ônibus das Forças Armadas - , ele ainda é vendido como "novidade" e há quem ache esse modelo de mobilidade urbana "progressista".

Tentam salvar o moribundo com maquiagens, quando na verdade o problema está no fato de que esse modelo está bastante caduco. Mas, paciência, os próprios políticos e tecnocratas que estão no poder já haviam se educado ideologicamente nos tempos do "milagre brasileiro". 

Ônibus fardados, motoristas estressados, pistas exclusivas que forçam até mesmo a derrubada de habitações populares e áreas ecológicas, enquanto a falta de transparência desse modelo garante a corrupção. 

A CPI vai tentar resolver o problema, embora não haja garantia total para isso. Em todo caso, é uma iniciativa que, em si, representa a herança amarga causada pelo modelo autoritário de mobilidade urbana de Jaime Lerner.

O maior temor é que as manobras politiqueiras possam apenas "arrumar" as finanças e tudo ficar como está, apenas "premiando" os incautos com ônibus "especializados" novinhos, passagens mais baratas, melhorias nos "bilhetes" e mais pistas exclusivas (mesmo com derrubada de áreas ambientais). Medidas em parte benéficas, mas são recompensas adotadas de maneira tendenciosa pelo poder político.

É o raciocínio dos poderosos: para Lerner, tudo, para o povo, nada. Que o povo fique aplaudindo os arbítrios que estão por trás de recompensas tendenciosas. E tudo isso garantido pela pintura padronizada das frotas de ônibus, esse verdadeiro "baile de máscaras" que desafia as atenções e percepções do povo que paga por um serviço ruim.

Via Mingau de Aço 

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