Há 100 anos, era desencadeada a Primeira Guerra Mundial. Na
cadeia de acontecimentos que fazem parte do desencadeamento do grande conflito,
lugar de destaque é atribuído pela historiografia ao assassinato do herdeiro do
trono do Império Austro-Húngaro, Franc Ferdinand, em Saraievo, por um membro de
uma organização nacionalista sérvia, a 27 de junho de 1914.
Vladimir Ilitch Lênin |
Foi o pretexto para que rufassem os tambores de guerra e os
canhões começassem a troar. Os círculos mais agressivos do referido império
exploraram o fato para atacar e ocupar a Sérvia, o que, na conjuntura
geopolítica da época, só podia ser feito após entendimentos com a Alemanha,
grande potência em ascensão.
Os imperialistas germânicos consideravam que a situação era
favorável para fazer a guerra, tendo em conta que a Rússia e a França,
potências rivais, não estavam militarmente preparadas. Pesavam ainda no
julgamento alemão as dificuldades momentâneas da Inglaterra, envolvida no
conflito interno em torno da questão irlandesa.
O Arquiduque Franc Ferdinand |
Com o consentimento alemão, o Império Austro-Húngaro
declarou guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914. Na sequência, em 1º de agosto,
a Alemanha declarou guerra à Rússia, que tinha reagido em favor da Sérvia, e
depois à França. Em tais condições, a Inglaterra declara guerra à Alemanha em 4
de agosto. Em pouco tempo, o conflito se disseminou também para fora da Europa,
com o envolvimento do Japão e da Turquia e as disputas territoriais na África.
Assim, o que no começo era uma contenda europeia logo se transformou em guerra
mundial.
A Primeira Grande Guerra foi o choque político e militar
entre as duas coalizões imperialistas da época. De um lado, a Aliança
Tripartite, formada pela Alemanha e o Império Austro-Húngaro, que contou também
como apoio do Império Otomano; do outro, a Entente, integrada pela Inglaterra,
a França e a Rússia, à qual se incorporam, com o decorrer do conflito, a
Itália, o Japão e os Estados Unidos.
O conflito mobilizou 75 milhões de soldados e resultou em 10
milhões de mortos e 20 milhões de feridos.
Em essência, a guerra foi consequência da crise geral do
sistema econômico e político mundial do imperialismo, do agravamento das
contradições entre as grandes potências capitalistas, a partir do
desenvolvimento desigual e da tendência objetiva à nova divisão do mundo, com
muitos antecedentes.
Em 1898, já se desenvolvera o primeiro conflito com caráter
imperialista-colonialista entre os Estados Unidos e a Espanha pela posse das
Filipinas, na Ásia, e de Cuba, na região caribenha. Em 1904-1905, ocorreu a
guerra russo-japonesa pela divisão do Extremo Oriente. Agravaram-se as
contradições entre a França e a Alemanha em torno de colônias africanas, como
Marrocos e Congo.
Em 1908, o Império Austro-Húngaro, apesar da contestação da
Sérvia, anexou a Bósnia e a Herzegovina, que a Alemanha via como meio para a
criação de uma ligação direta com o território da aliada Turquia.
Em 1910, o Japão ocupou a Coreia. O apetite dos japoneses
era cada vez maior. Buscavam reforçar suas posições na China.
Em 1911, a Itália declarou guerra à Turquia, o que resultou
na tomada da Tripolitana e da Cirenaica (Líbia), no Norte da África.
Todas essas escaramuças do início do século 20 foram
acompanhadas por uma desenfreada militarização e corrida armamentista, o que
tornou objetivamente inevitável o começo da guerra pela divisão do mundo, em
julho-agosto de 1914.
Trincheira da Primeira Guerra Mundial |
O dirigente revolucionário russo Vladimir Lênin logo
compreendeu o caráter da guerra. Considerou necessário que os comunistas se
empenhassem para transformar a crise gerada pelo conflito em crise
revolucionária e revolução, posição que era uma linha demarcatória com os
partidos da social-democracia que aderiram às suas burguesias nacionais e
apoiaram a guerra.
“A guerra europeia – dizia Lênin - , preparada durante
dezenas de anos pelos governos e partidos burgueses de todos os países,
estalou. O armamentismo, o agravamento da luta por mercados na nova etapa, a
etapa imperialista do desenvolvimento do capitalismo dos países avançados e os
interesses dinásticos das monarquias mais atrasadas da Europa oriental,
inevitavelmente levariam como levaram a essa guerra. A ocupação de territórios
e a submissão de nações estrangeiras, o arruinamento de nações concorrentes, o
saque das suas riquezas, o desvio da atenção das massas das crises políticas
internas da Rússia, Alemanha, Inglaterra e outros países, a divisão dos
trabalhadores e seu engano pela mentira nacionalista, a liquidação da sua
vanguarda para enfraquecer o movimento revolucionário do proletariado, este é o
único conteúdo verdadeiro, esta é a importância e a compreensão da guerra
atual”.
Divisão entre socialistas
Em sua majestosa obra “A Montanha Mágica”, o escritor alemão
Thomas Mann refere-se ao grande conflito como a “festa universal da morte”, uma
“perniciosa febre”, o “macabro baile” que durará vários “anos malignos”. O
grande humanista e cultor dos valores progressistas das conquistas da revolução
burguesa, contudo, apoiou a entrada da Alemanha na guerra. Com justificativas
“patrióticas”, defendeu a política do imperador Guilherme II.
Não somente das consciências individuais de escritores e
artistas a guerra exigiu reflexões e posicionamentos graves. A eclosão da
Primeira Grande Guerra implicou um conjunto de novas questões e tarefas para os
trabalhadores e o movimento socialista internacional.
O debate principal entre as forças do socialismo envolvia
duas posições antagônicas – participar do esforço de guerra ao lado da
burguesia do próprio país, ou transformar a guerra imperialista em luta
revolucionária. As lideranças dos partidos socialistas da Inglaterra, França,
Alemanha, Áustria-Hungria, entre outros, assumiram o lado das “suas”
burguesias, fazendo chamamentos aos trabalhadores a “defender a pátria” numa
guerra injusta.
A posição política que esses partidos adotaram nos
respectivos parlamentos foi votar em favor dos orçamentos de guerra
apresentados pelos governos. Os socialistas belgas e os franceses proclamaram a
“paz civil” com as burguesias de seus países e ingressaram nos governos. Sem
entrar nos governos, também os socialistas alemães e austríacos proclamaram a
“paz civil”. As estratégias e táticas principais desses partidos passaram a ser
o convencimento dos trabalhadores a abrir mão da luta de classes para se aliar
ao esforço de guerra de suas burguesias. O movimento socialista tornou-se,
assim, em sua maioria, linha auxiliar da guerra imperialista.
Esta posição levou à bancarrota da Segunda Internacional
(1889-1914), transformada em um aglomerado de partidos oportunistas, que
renunciaram ao internacionalismo proletário, defenderam os governos burgueses e
desmobilizaram a luta revolucionária das massas trabalhadoras. Lênin,
partidário da posição de transformar a crise gerada pela guerra imperialista em
luta revolucionária, pôs-se à frente do combate às posições oportunistas da
liderança socialista. Para Lênin, o revisionismo político e ideológico tomou
tal dimensão no seio das direções desses partidos, que foram levados à traição
aberta à causa do socialismo e dos interesses dos trabalhadores.
“Os socialistas de todo o mundo declararam solenemente em
1912 na Basileia que consideravam a futura guerra europeia uma obra ‘criminosa’
e profundamente reacionária de todos os governos, que deveria apressar a
derrocada do capitalismo, surgindo inevitavelmente a revolução contra esse
sistema” – dizia Lênin, para quem a posição da liderança socialista ao lado dos
próprios governos constituía uma traição aos interesses dos trabalhadores, o
que levou o movimento a uma fatal divisão e à bancarrota da Segunda
Internacional.
Lênin insistia em que os revolucionários deviam compreender
as causas desse fracasso. Ele considerava que a essência ideológica e política
do oportunismo da Segunda Internacional era a substituição da luta de classes
pela colaboração entre as classes, a negação do caminho e dos métodos da luta
revolucionária.
O partido bolchevique, dirigido por Lênin, encetou uma luta
sem quartel contra o imperialismo e os oportunistas da Segunda Internacional.
Foi incansável a atividade dos bolcheviques russos para desmascarar o caráter
imperialista da guerra.
Foi com esse pano de fundo que os bolcheviques elaboraram
uma tática revolucionária, que se expressava na palavra de ordem – “Transformar
a guerra imperialista em guerra civil!” – o que na prática significava dizer
aos trabalhadores recrutados para as fileiras dos exércitos beligerantes que
apontassem suas armas contra as próprias burguesias e governos, e tomassem o
poder político.
Esta posição tornou-se um divisor de águas no seio do
movimento socialista internacional, no qual surgiu também uma ala de esquerda
revolucionária e internacionalista. No seio do mais poderoso partido
social-democrata da época, o alemão, foi formado, em 1916, o grupo “Spartacus”,
sob a liderança de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, o único deputado que no
parlamento votou contra o orçamento para a guerra.
Desde então guerra e paz, estratégia e tática
revolucionárias, socialismo e internacionalismo são exigentes temas que
polarizam os partidos e organizações dos trabalhadores em todo o mundo.
Gentileza Portal Vermelho
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