Por Leonardo Mendes
Das gaiolas do baile funk à superprodução, com direito a carruagem e figurinos de gala nas maiores casas de shows do país, Valesca Popozuda começa a conquistar o mundo. O ator Leonardo Di Caprio e a CNN dos Estados Unidos ficaram impressionados e a entrevista da funkeira ao canal de notícias mais famoso do mundo pode ser o início de uma bem sucedida carreira internacional.
Das gaiolas do baile funk à superprodução, com direito a carruagem e figurinos de gala nas maiores casas de shows do país, Valesca Popozuda começa a conquistar o mundo. O ator Leonardo Di Caprio e a CNN dos Estados Unidos ficaram impressionados e a entrevista da funkeira ao canal de notícias mais famoso do mundo pode ser o início de uma bem sucedida carreira internacional.
Se Michel Teló dominou as paradas da Europa com “Ai se eu te pego”, Valesca parece ser hoje quem leva mais longe uma proposta semelhante. Seu repertório, porém, é mais diversificado, o que lhe garante muitas possibilidades de leitura, algumas já apresentadas em mestrados acadêmicos que indignaram os mais conservadores e fizeram outros a chamarem de grande pensadora contemporânea.
A VEJA anunciou a morte da educação pública e culpou o PT pelo estudo ou mesmo pela existência do funk. Rachel Sheherazade defendeu a superioridade da própria cultura. Não entraremos aqui no mérito dessas questões, mas tentaremos interpretar a filosofia contida nas canções de Valesca e assim talvez compreender melhor as polêmicas e o sucesso da artista, símbolo maior de uma cultura que cresce a cada ano no Brasil.
Ontologia, Feminismo e o Poder da Buceta
As questões filosóficas de todo pensador/ser humano passam em último grau pela pergunta metafísica, e com Valesca não é diferente: a funkeira se apresenta como uma mulher religiosa. Deixa claro que confia em Deus e faz Ele de escudo contra às inimigas, que no início de sua carreira são representadas principalmente por esposas abandonadas, amantes ciumentas e periguetes concorrentes a procura do seu negão. Já em trabalhos recentes, parece expandir a crítica a um contexto mais político e ideológico, o que talvez nos permita pensar em Valesca I e Valesca II, ainda que exista claramente uma continuidade nos temas.
Em jogo segue a liberdade das mulheres de utilizar o “poder da buceta” (“My pussy é o poder”), para seduzir ou ganhar dinheiro, trabalhem elas na beira das estradas ou apresentem programas na TV. Valesca representa a quebra com qualquer sentimento de culpa, seja ao oferecer carinhos a um homem casado (“Beijando o seu marido”, “Quero te dar”) ou explorá-lo financeiramente(“Traz a bebida que pisca”, “Um otário pra bancar”). Uma espécie de redentora a todas as mulheres que utilizam o “poder da buceta” desse modo.
Sua filosofia rasga assim os cadernos da catequese, ensinada por aqui desde a chegada dos portugueses e que relaciona o sexo ao pecado. Procura humanizar a figura da periguete, que vai ao baile sem calcinha e toma a iniciativa; da desavergonhada, que pede por uma “surra de peru na cara” e não sonha em casamento, mas sim em ser rica, poderosa e transar bastante.
Sua obra nesse sentido é feminista, caso ser rico, poderoso e gostar de sexo ainda seja associado a um ideal masculino. Também libertadora, voltada aos que sofrem como guardiões de uma moral e de bons costumes que não os satisfazem: as vítimas do recalque. “Meu sensor de periguete explodiu, pega a sua inveja e vai…”, aconselha então Valesca.
Boa parte de sua obra é explícita e direta, mas também há passagens de forte lirismo e poesia, como na romântica “California Picas”, uma parceria com Ana Carolina. “Adoro um pau mole, porque tocar um pressupõe a existência de uma liberdade e de uma intimidade que eu prezo e quero sempre. O pau mole é uma promessa de felicidade, sussurrada baixinho ao pé do ouvido. É dentro dele, em toda sua moleza sacudinte de massa de modelar que mora o pau duro, firme, com que meu homem me come”.
É provável que em lugares em que a sexualidade é tratada de modo mais livre, Valesca seja recebida com certa indiferença. Em outros mais ortodoxos, possa ser condenada à morte. Sua arte é polêmica e transgressora à medida em que as pessoas são impedidas por leis ou moral religiosa de dar a quem quiser. No Brasil, o sincretismo cultural aliado à liberdade de expressão produziu um cenário riquíssimo de contrastes que Valesca soube aproveitar. Entre o sexo e o recalque, garantiu o seu lugar no camarote, nessa área VIP reservada aos escolhidos, que do funk ostentação às colunas da Revista CARAS, representa uma espécie de paraíso na Terra, de lugar-finalidade para a existência humana.
Valesca, porém, parece mais uma caricatura contra a hipocrisia nossa de cada dia, do que alguém que de fato vivencie o que canta. No reality “A Fazenda” se mostrou uma mulher quase recatada. O que não diminui a força de sua personagem, inspirada em Freud, Schopenhauer ou Simone de Beauvoir, talvez no movimento antropofágico e na falta de pudor dos animais, na cachorra no cio que por onde passa faz os cachorros latirem.
Cachorra, piranha, puta safada, para Popozuda não são ofensas, o que lhe coloca numa posição de vantagem na discussão com as inimigas. A funkeira deixa claro que está pronta para o combate, mas prefere dar a combater, e no fim das contas ela já venceu. Afinal, está no camarote e “A porra da buceta” é dela, canta sem que seja possível alguém dizer o contrário. Ainda assim, como o juiz e o condenado de Genet em O Balcão, depende das inimigas para manter sua relevância. Deseja então a elas vida longa.
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