Nesta segunda-feira, (7 ), faleceu Di Stéfano por complicações resultantes de uma parada cardíaca sofrida no último sábado (5), em Madri, onde vivia. Aos 88 anos, o craque era visto em cadeira de rodas nos seus últimos dias na capital espanhola. Um contraste com o símbolo de genialidade e vigor físico que encantou o mundo nas décadas de 50 e 60 e atuou até os 40 anos. Um que craque polarizou o futebol espanhol.
Di Stéfano durante coletiva de um livro sobre sua história, em 2010, em Madrid. |
Reza a lenda que o futebol espanhol só tem os contornos atuais graças a Don Alfredo Di Stéfano. De um lado, o Real Madrid. Do outro, o Barcelona. Tudo devido a uma briga iniciada na década de 50 pelos gols do La Saeta Rubia (A Flecha Loira), apelido do magistral ponta de lança que abraçou três nacionalidades: argentina, colombiana e espanhola. Uma disputa que transcedeu o campo, ganhou contornos políticos e demonstrou o tamanho de Don Alfredo.
O início dessa história digna de folhetim ocorreu em 1952. O Millonarios, da Colômbia, recebeu um convite para ser o adversário do poderoso Real Madrid, da Espanha, em comemoração ao cinquentenário merengue. Na bagagem, os colombianos levaram sua grande estrela: Alfredo Di Stéfano, dono de velocidade impressionante, chutes poderosos e capacidade de decisão até então pouco vista em um mundo que ainda não conhecia Pelé. Não deu outra. Com dois gols daquele argentino nascido em Buenos Aires a 4 de julho de 1926, o Millonarios bateu o anfitrião por 4 a 2.
Clube da Catalunha e de olho no jogo festivo, o Barcelona não titubeou: iria contratar aquele craque de 26 anos. Negociou, então, com o River Plate, que detinha seu passe. Mas, com a greve geral no futebol argentino, Di Stéfano fazia suas diabruras com a camisa do Millonaros, por quem disputava a Liga Pirata colombiana. Sedento, o Real Madrid negociou com os colombianos. Quem, afinal, era o dono do passe de Di Stéfano?
Clube da predileção do ditador espanhol, Francisco Franco, o Real Madrid recorreu ao ministério dos esportes. Ali, a decisão: Di Stéfano ficaria quatro anos na Europa. E se alternaria, a cada temporada, entre Barcelona e Real Madrid. Ultrajado com a oferta, os catalães a recusaram e abriram mão de Di Stéfano. E, neste gesto, mudaram a história do futebol. Nascia ali a grande rivalidade do Superclásico espanhol. Reescreveria-se a partir dali a história do Real Madrid.
Com a camisa merengue, Di Stéfano fez por merecer para chegar ao patamar de lenda: arrebatou multidões com seus 307 gols em 371 jogos, de 1953 a 1964. Alçou o clube da capital a um patamar jamais imaginado ao conquistar, de uma tacada só, cinco Champions League consecutivas, metade do número atual, um recorde, entre 1956 e 1960. Foram, também, oito campeonatos nacionais. O Real Madrid de Di Stéfano e o húngaro Puskas virou equipe lendária e ganhou o mundo. Diante do sucesso arrebatador, Don Alfredo vestiu a camisa da seleção espanhola. Mas, pela Fúria, não teve o mesmo sucesso e nunca chegou a disputar uma Copa do Mundo, talvez a maior frustração de sua carreira. Mas tentativas não faltaram. Em época amadora, Di Stéfano foi dos primeiros jogadores a ser um craque mundial. Literalmente.
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A estreia no futebol profissional ocorreu em 1945, aos 19 anos. Seu talento já era motivo do boca a boca nos corredores do River Plate, mas, ainda garoto, sentiu o peso de entrar em um time apelidado de "La Máquina", que contava com craques como José Manuel Moreno e Juan Carlos Muñoz. Por um ano, acabou emprestado ao Huracán. No retorno a Nuñez, Di Stefáno iniciou, de fato, sua trajetória de lenda do futebol. Em 1947, foi artilheiro e campeão nacional pelo River. Chegara, enfim, à seleção argentina, pela qual disputou seis jogos. Mas nenhuma Copa em uma década que vivenciava a Segunda Guerra Mundial.
A greve generalizada no futebol argentino em 1949, por reivindicações dos jogadores, fez com que Di Stéfano passasse de um Millonarios, apelido do River Plate, para o clube homônimo da Colômbia. Na Liga Pirata, assim denominada por não ter o aval da Fifa ou acordar valores por transferências de atletas, teve a companhia de craques como o brasileiro Heleno de Freitas, este pelo Atlético Nacional, e, claro, encontrou de novo o sucesso. Foram 267 gols em 292 jogos. A fama lhe rendeu o convite para jogar pela seleção colombiana. Mas, como a federação local estava suspensa pela Fifa devido à Liga Pirata, Don Alfredo atuou em apenas três amistosos.
Após escrever a história por meio de gols, dribles e fãs no Real Madrid, Alfredo Di Stefáno deixou o clube merengue aos 38 anos, como o maior ídolo da história. Mas a fome pela bola continuou. Acertou contrato com o Espanyol, também rival do Barcelona, e jogou até os 40 anos, quando, a pedido do filho, decidiu se aposentar às vésperas de ser avô. O mito, no entanto, continuou fora de campo. Reverenciado, manteve-se ligado às quatro linhas ali mesmo, no gramado. Mas do lado de fora, como técnico.
O Real de Di Stéfano, com a bola, e Puskas, à direita
Passou por clubes pequenos, como Elche e Rayo Vallecano e fez sucesso na sua Argentina, no lado oposto ao seu berço futebolístico: o Boca Juniors, onde foi campeão nacional em 1969, justamente contra o River Plate. Anos mais tarde, em 1981, voltou às origens e alcançou o mesmo êxito pelo clube de Nuñez. O amor de sua vida, no entanto, fora mesmo o Real Madrid. Como técnico, comandou o time duas vezes, entre 82 e 83 e entre 90 e 91.
Depois, não cansou de ser homenageado pela diretoria merengue como o maior jogador da história do clube. Em 2000 se tornou presidente de honra. Nos anos seguintes, o avião que transportava a equipe recebeu seu apelido "La Saeta" (A Flecha) e o pequeno estádio do centro de treinamento Ciudad Real Madrid, em Valdebebas, recebeu o nome de Alfredo Di Stéfano.
Frequentemente, Don Alfredo aparecia em apresentações de craques do clube, principalmente na primeira era de galácticos do presidente Florentino Pérez, de quem era grande amigo. Em 2005, um ataque cardíaco quase resultou em morte e o assustou. Submetido a uma cirurgia de ponte de safena, garantiu, em entrevistas, ter cortado a maioria de bebidas alcóolicas e doces. Mas do vinho, grande paixão, jamais se livrou.
Filhos, teve seis. Todos com Sara Freites, com quem foi casado por 55 anos, até sua morte, em 2005. Em 2013, o ex-jogador causou polêmica com os próprios herdeiros ao declarar que se casaria com sua secretária, Gina González, 50 anos mais jovem. Um raro episódio familiar que o expôs já no fim da vida. González o ajudara em sua biografia, "Gracias, Vieja".
O título foi, também, a inscrição de uma estátua de mármore de uma bola feita em sua casa, em Madrid. "Gracias, Vieja!" (Obrigado, velha!) representava, segundo o próprio, um agradecimento ao que o futebol lhe proporcionara. Mas agora, com Di Stéfano apenas na história, a bola é quem suspira. E, sozinha, pensa em Don Alfredo. Em seus dribles, passes, gols. Em sua lenda, o homem que deu ao futebol espanhol os contornos atuais. E, baixinho, a pelota fala para si mesma: 'Gracias, viejo!'.
Fonte: ESPN
O início dessa história digna de folhetim ocorreu em 1952. O Millonarios, da Colômbia, recebeu um convite para ser o adversário do poderoso Real Madrid, da Espanha, em comemoração ao cinquentenário merengue. Na bagagem, os colombianos levaram sua grande estrela: Alfredo Di Stéfano, dono de velocidade impressionante, chutes poderosos e capacidade de decisão até então pouco vista em um mundo que ainda não conhecia Pelé. Não deu outra. Com dois gols daquele argentino nascido em Buenos Aires a 4 de julho de 1926, o Millonarios bateu o anfitrião por 4 a 2.
Clube da Catalunha e de olho no jogo festivo, o Barcelona não titubeou: iria contratar aquele craque de 26 anos. Negociou, então, com o River Plate, que detinha seu passe. Mas, com a greve geral no futebol argentino, Di Stéfano fazia suas diabruras com a camisa do Millonaros, por quem disputava a Liga Pirata colombiana. Sedento, o Real Madrid negociou com os colombianos. Quem, afinal, era o dono do passe de Di Stéfano?
Clube da predileção do ditador espanhol, Francisco Franco, o Real Madrid recorreu ao ministério dos esportes. Ali, a decisão: Di Stéfano ficaria quatro anos na Europa. E se alternaria, a cada temporada, entre Barcelona e Real Madrid. Ultrajado com a oferta, os catalães a recusaram e abriram mão de Di Stéfano. E, neste gesto, mudaram a história do futebol. Nascia ali a grande rivalidade do Superclásico espanhol. Reescreveria-se a partir dali a história do Real Madrid.
Com a camisa merengue, Di Stéfano fez por merecer para chegar ao patamar de lenda: arrebatou multidões com seus 307 gols em 371 jogos, de 1953 a 1964. Alçou o clube da capital a um patamar jamais imaginado ao conquistar, de uma tacada só, cinco Champions League consecutivas, metade do número atual, um recorde, entre 1956 e 1960. Foram, também, oito campeonatos nacionais. O Real Madrid de Di Stéfano e o húngaro Puskas virou equipe lendária e ganhou o mundo. Diante do sucesso arrebatador, Don Alfredo vestiu a camisa da seleção espanhola. Mas, pela Fúria, não teve o mesmo sucesso e nunca chegou a disputar uma Copa do Mundo, talvez a maior frustração de sua carreira. Mas tentativas não faltaram. Em época amadora, Di Stéfano foi dos primeiros jogadores a ser um craque mundial. Literalmente.
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A estreia no futebol profissional ocorreu em 1945, aos 19 anos. Seu talento já era motivo do boca a boca nos corredores do River Plate, mas, ainda garoto, sentiu o peso de entrar em um time apelidado de "La Máquina", que contava com craques como José Manuel Moreno e Juan Carlos Muñoz. Por um ano, acabou emprestado ao Huracán. No retorno a Nuñez, Di Stefáno iniciou, de fato, sua trajetória de lenda do futebol. Em 1947, foi artilheiro e campeão nacional pelo River. Chegara, enfim, à seleção argentina, pela qual disputou seis jogos. Mas nenhuma Copa em uma década que vivenciava a Segunda Guerra Mundial.
A greve generalizada no futebol argentino em 1949, por reivindicações dos jogadores, fez com que Di Stéfano passasse de um Millonarios, apelido do River Plate, para o clube homônimo da Colômbia. Na Liga Pirata, assim denominada por não ter o aval da Fifa ou acordar valores por transferências de atletas, teve a companhia de craques como o brasileiro Heleno de Freitas, este pelo Atlético Nacional, e, claro, encontrou de novo o sucesso. Foram 267 gols em 292 jogos. A fama lhe rendeu o convite para jogar pela seleção colombiana. Mas, como a federação local estava suspensa pela Fifa devido à Liga Pirata, Don Alfredo atuou em apenas três amistosos.
Após escrever a história por meio de gols, dribles e fãs no Real Madrid, Alfredo Di Stefáno deixou o clube merengue aos 38 anos, como o maior ídolo da história. Mas a fome pela bola continuou. Acertou contrato com o Espanyol, também rival do Barcelona, e jogou até os 40 anos, quando, a pedido do filho, decidiu se aposentar às vésperas de ser avô. O mito, no entanto, continuou fora de campo. Reverenciado, manteve-se ligado às quatro linhas ali mesmo, no gramado. Mas do lado de fora, como técnico.
O Real de Di Stéfano, com a bola, e Puskas, à direita
Passou por clubes pequenos, como Elche e Rayo Vallecano e fez sucesso na sua Argentina, no lado oposto ao seu berço futebolístico: o Boca Juniors, onde foi campeão nacional em 1969, justamente contra o River Plate. Anos mais tarde, em 1981, voltou às origens e alcançou o mesmo êxito pelo clube de Nuñez. O amor de sua vida, no entanto, fora mesmo o Real Madrid. Como técnico, comandou o time duas vezes, entre 82 e 83 e entre 90 e 91.
Depois, não cansou de ser homenageado pela diretoria merengue como o maior jogador da história do clube. Em 2000 se tornou presidente de honra. Nos anos seguintes, o avião que transportava a equipe recebeu seu apelido "La Saeta" (A Flecha) e o pequeno estádio do centro de treinamento Ciudad Real Madrid, em Valdebebas, recebeu o nome de Alfredo Di Stéfano.
Frequentemente, Don Alfredo aparecia em apresentações de craques do clube, principalmente na primeira era de galácticos do presidente Florentino Pérez, de quem era grande amigo. Em 2005, um ataque cardíaco quase resultou em morte e o assustou. Submetido a uma cirurgia de ponte de safena, garantiu, em entrevistas, ter cortado a maioria de bebidas alcóolicas e doces. Mas do vinho, grande paixão, jamais se livrou.
Filhos, teve seis. Todos com Sara Freites, com quem foi casado por 55 anos, até sua morte, em 2005. Em 2013, o ex-jogador causou polêmica com os próprios herdeiros ao declarar que se casaria com sua secretária, Gina González, 50 anos mais jovem. Um raro episódio familiar que o expôs já no fim da vida. González o ajudara em sua biografia, "Gracias, Vieja".
O título foi, também, a inscrição de uma estátua de mármore de uma bola feita em sua casa, em Madrid. "Gracias, Vieja!" (Obrigado, velha!) representava, segundo o próprio, um agradecimento ao que o futebol lhe proporcionara. Mas agora, com Di Stéfano apenas na história, a bola é quem suspira. E, sozinha, pensa em Don Alfredo. Em seus dribles, passes, gols. Em sua lenda, o homem que deu ao futebol espanhol os contornos atuais. E, baixinho, a pelota fala para si mesma: 'Gracias, viejo!'.
Fonte: ESPN
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