sábado, 30 de agosto de 2014

Livro receitado como remédio

Pediatras têm prescrito a leitura de livros para crianças menores de 3 anos como forma de estimular a linguagem e a interação familiar

Era uma vez uma criança que convivia com livros desde os primeiros anos de vida. Folhear títulos infantis e se encantar com ilustrações fazia parte da brincadeira, banho ou hora de dormir. Desenvolvida desde o nascimento, a prática colaborou para o desenvolvimento da linguagem e aquisição de capacidades socioemocionais. A constatação, longe dos contos de fada, é tão real que médicos estão prescrevendo livros para as crianças durante as consultas. A ação faz parte de uma recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP) e também já é adotada por especialistas brasileiros.

De acordo com a AAP, uma parte importante do cérebro dos bebês se desenvolve nos três primeiros anos de vida e a leitura de histórias com regularidade para crianças, desde o nascimento, pode favorecer esse processo. Ler para bebês ainda pode abrir portas para o mundo das artes, facilitar o aprendizado da leitura e fortalecer as relações entre pais e filhos.

A prescrição, avalia a médica Ana Maria Costa da Silva Lopes, do Departamento de Pediatria do Comportamento e Desenvolvimento, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), se faz necessária do ponto de vista neurológico e em relação à formação da vida psíquica do bebê. “A criança, mais adiante, terá um momento de alfabetização a partir do sexto ano de vida, mas o incentivo da leitura deve ser contínuo”, defende.

Família

Para Ana Maria, os pais precisam ser os mediadores desse processo. É através da voz deles que o bebê descobre enredos, ilustrações e até mesmo o cheiro do papel. “Infelizmente, os médicos estão tendo de prescrever o básico da relação humana. Coisas que já fizeram parte de uma tradição e que não deveriam ter sido perdidas”, pondera.

Doutora em Educação, a professora Elisa Dalabona, da UFPR, argumenta que esse tipo de estímulo pode fazer a diferença na vida das crianças. Entre os benefícios, ela cita a ampliação do repertório imaginário, melhor desenvolvimento da oralidade e da interlocução com o adulto. Ao mesmo tempo, lembra, a leitura abre espaço para trabalhar com emoções, como o medo, nas histórias do Lobo Mau, ou a rejeição, como no caso das irmãs de Cinderela. “Quando a criança sente o prazer da família em contar aquela história, ela retribui isso”, salienta.

Leitura para envolver pais e filhos

Quanto mais leitura, melhor a escrita, defende o gerente de Conteúdo do movimento Todos Pela Educação, Ricardo Falzetta. Na última edição da Avaliação do Ciclo Final de Alfabetização, a Prova ABC, aplicada em 2012 pela organização em escolas públicas e privadas do país, 56% das crianças que cursavam o 3.º ano do ensino fundamental apresentavam leitura inadequada e 70% também não dominavam bem a habilidade de escrever. Ao todo, 54 mil crianças de 600 municípios brasileiros foram avaliadas.

Para Falzetta, a escola precisa estar apta a oferecer leitura de qualidade às crianças, principalmente quando os alunos vêm de famílias em situação de vulnerabilidade. “Essas famílias também precisam ser conquistadas. Elas podem valorizar os livros que os filhos levam para casa, perguntar sobre o que leram na escola ou fazer essa leitura juntos com eles”, assinala.

Em Curitiba, esse trabalho já vem sendo feito na rede pública. A gerente dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) de Curitiba, a professora Vera Lúcia Gran Dal Molin, explica que as unidades têm a leitura como orientação de prática permanente. Os berçários contam com cantos para a leitura e os bebês são estimulados a ter contato com os livros assim que conseguem segurar os materiais, relata. As crianças também podem fazer empréstimos para ler com os pais.

Exemplo

O acervo do CMEI Doutor Arnaldo Carnasciali, no Sítio Cercado, tem à disposição das crianças livros com materiais especiais para bebês, como pano e plástico. Tudo fica em sacolas ao alcance dos baixinhos. Um trenzinho com cerca de 200 volumes , em exposição na entrada do centro infantil, oferece unidades para levar para casa. “Também direcionamos uma estante com livros para empréstimos dos adultos. Não fazemos controle do que direcionamos a eles”, observa a diretora do CMEI, Vanessa Martinez.

Por Antoniele Luciano
Gazeta do Povo

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