sábado, 23 de agosto de 2014

Um tiro que mudou para sempre a história do Brasil

O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954 no Palácio do Catete, eternizou a mística do ex-presidente e evitou um golpe militar

Por Diego Antonelli

No fim de seu segundo período no poder, entre 1951 e 
1954, Getúlio estava sendo pressionado a renunciar
Ele saiu da vida para entrar para a história como um dos mais polêmicos presidentes do Brasil. Há 60 anos, no dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no coração em seu quarto no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. O episódio mudou o rumo do país e evitou o golpe militar arquitetado contra ele.

O tiro ressoou em toda a Nação. Para o historiador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Dennison de Oliveira, o episódio eternizou a mística de Vargas como “pai dos pobres” e defensor do Brasil. Antes do disparo fatal, a Presidência de Vargas era ameaçada pelos opositores.
Em maio daquele ano, ele concedeu um aumento de 100% no salário mínimo. O jornalista e pesquisador Eduardo Bueno escreve que esse fato fez o “estopim da crise ser aceso”. Não contente, o então presidente discursou aos trabalhadores. “Hoje vocês estão no governo. Amanhã serão governo”. “Foi o que bastou: para a União Democrática Nacional (UDN – partido opositor a Vargas), para os conservadores e os militares, era preciso derrubar Vargas”, escreveu Bueno. Faltava um pretexto que não tardaria a aparecer.

Pela culatra

O maior e mais ruidoso crítico ao presidente era o deputado e jornalista Carlos Lacerda, que figurava como o principal líder da oposição. Com apoio da mídia, Lacerda exigia a renúncia de Vargas e apelava às Forças Armadas para que elas restabelecessem a democracia e a ordem no Brasil.

Para quem frequentava o círculo getulista era preciso dar um jeito em Lacerda. Fiel a Vargas por três décadas, o chefe da guarda presidencial, Gregório Fortunado, conhecido como Anjo Negro, foi apontado como o responsável por tramar o assassinato de Lacerda. Há quem diga que o irmão de Vargas, Benjamin, seria o verdadeiro mandante – o que nunca ficou provado.

O tiro saiu pela culatra. No dia 5 de agosto, dois pistoleiros tentaram matar Lacerda na porta de sua casa na Rua Toneleros, em Copacabana. O resultado foi o pior possível para o governo que, segundo a imprensa, passou a se ver mergulhado em um “mar de lama”. No atentado, morreu o major da Aeronáutica Rubem Vaz, que atuava como segurança do jornalista. Lacerda teria levado apenas um tiro no pé.

A Aeronáutica investigou o crime e provou que o plano fora arquitetado dentro do Palácio do Governo. Em 29 horas, os culpados foram presos. A punhalada pelas costas, como Vargas classificou o episódio, abalou moralmente o presidente perante a sociedade.

No dia 23, 30 generais lançaram o Manifesto à Nação, que era um ultimato para Vargas deixar o poder. Na mesma noite ele convocou uma reunião ministerial e avisou: “Só saio morto do Catete”. Por volta das 4h30 do dia seguinte, um tiro ecoou pelo palácio. Getúlio deixou também uma carta-testamento que se transformaria num dos mais conhecidos documentos históricos brasileiros. Nela, Vargas fazia uma declaração nacionalista e de amor ao povo brasileiro.

Mãe dos ricos

O historiador Dennison de Oliveira, autor do livro Os soldados alemães de Vargas, afirma que uma das piadas mais conhecidas da época é que Vargas era o “pai dos pobres”, mas a “mãe dos ricos”. “Ou seja, essa anedota demonstra que o povo tinha conhecimento de que se havia ganhos dos trabalhadores na Era Vargas, muitíssimos maiores eram esses ganhos para os empresários.” As políticas de Vargas beneficiaram a maioria dos setores empresariais. O acordo entre o presidente e as elites, até então predominantemente agrárias, é que a CLT não valia da porteira da fazenda para dentro. “Isso aliviou as tensões dentro da sua base de apoio, que englobava praticamente todos interesses econômicos dominantes no país à época, quando a maioria da população ainda morava no campo.”

Golpe adiado?

Será que o suicídio de Getúlio teria adiado por dez anos o golpe militar no Brasil? Os pesquisadores se dividem em relação ao tema. Segundo Dennison de Oliveira, o que se sabe é que o golpe militar que se armava contra Vargas foi liquidado com o suicídio dele. “Incorre-se em raciocínio teleológico fazer qualquer relação entre esse evento e os de dez anos depois: impossível demonstrar essa relação”, assegura. Renato Carneiro Junior, porém, acredita que com o tiro no peito Vargas conseguiu afastar temporariamente os militares do poder. “Com sua morte, ele afastou o golpe dos militares, apoiados por vários civis ligados à UDN e a interesses norte-americanos, por dez anos.”

Fonte: Gazeta do Povo

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