segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Mulher, negra, de esquerda: Abre alas para Leci Brandão

"É como eu costumo a dizer: sou uma artista e estou deputada. Então, à medida que fui participando das comissões (sou da comissão de Educação e Cultura e da comissão de Direitos Humanos) as pessoas começaram a prestar atenção no que estou fazendo aqui
Carioca de Madureira, foi em São Paulo que a primeira mulher a compor um samba para a Mangueira encontrou apoio para exercer, no âmbito político, sua luta em relação ao direitos humanos. Aos 70 anos, Leci Brandão tem o fôlego de uma jovem militante para denunciar preconceitos ou qualquer tipo de atitude que viole suas principais bandeiras: cultura, juventude, movimento negro e mulheres.

"É como eu costumo a dizer: sou uma artista e estou deputada. Então, à medida que fui participando das comissões (sou da comissão de Educação e Cultura e da comissão de Direitos Humanos) as pessoas começaram a prestar atenção no que estou fazendo aqu"É como eu costumo a dizer: sou uma artista e estou deputada. Então, à medida que fui participando das comissões (sou da comissão de Educação e Cultura e da comissão de Direitos Humanos) as pessoas começaram a prestar atenção no que estou fazendo aqu “Sou carioca, mas o povo do estado de São Paulo, desde os anos 1980, me acolheu, me adotou e entendeu toda a minha forma de compor, minha postura nos principais assuntos que aconteceram nesse pais, principalmente quando acontece qualquer coisa ligada ao preconceito, seja ele de que ordem for. Vm aqui cumprir uma missão, não vejo isso como essa coisa de mandato, de me achar deputada, autoridade. Estou aqui cumprindo uma missão e foi o povo de são Paulo que construiu tudo isso”, analisa.

Com um histórico próximo aos movimentos sociais e à esquerda de uma maneira geral, a artista que “está deputada”, como gosta de definir, se filiou em 2010 ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e, com mais de 85 mil votos, conseguiu se eleger como uma das poucas mulheres com atuação progressista a ocupar uma das cadeiras da Assembleia Legislativa de São Paulo. Seu trabalho foi reconhecido pela população e, no páreo seguinte, em 2014, se reelegeu com pouco mais de 71 mil votos.

Inserida num ambiente majoritariamente composto por homens, brancos e de partidos de centro ou direita, a deputada disse que não se espantou quando chegou na Assembleia. Acostumada, pelo próprio histórico de militância, com o preconceito e a descriminação, a sambista conta que o estranhamento partiu justamente do outro lado.

“Na verdade, acho que o espanto partiu mais das pessoas em relação a mim. As pessoas não acreditam muito dessa coisa de artista estar no processo político, acham que é uma coisa de oportunidade e depois nada acontece. E comigo foi ainda pior. Muitos [deputados] para você ter uma ideia, nem me olhavam na cara direito. ‘O que que essa pessoa, essa sambista, tá fazendo aqui?’”, revela.

A sambista conta que, independentemente do que pensavam dela quando entrou na Casa, resolveu fazer o seu trabalho pautado pelas suas demandas históricas que, inclusive, são justamente as pautas que menos recebem atenção dos deputados. Sua luta, desde então, tem sido intensa e, a partir do momento que entrou em comissões especiais, começou a ser reconhecida por sua atuação.

“Tinha que dar uma legitimidade para esse mandato, dando continuidade àquela luta que era apenas no setor artístico. É como eu costumo a dizer: sou uma artista e estou deputada. Então, à medida que fui participando das comissões (sou da comissão de Educação e Cultura e da comissão de Direitos Humanos) as pessoas começaram a prestar atenção no que estou fazendo aqui”, disse.

Entre suas principais lutas como deputada, fazendo jus a seu berço no samba, é uma atenção maior do poder público com a questão da cultura. Desde que foi eleita parlamentar, Leci se articula para mobilizar mais deputados em apoio a uma medida que julga ser essencial: a ampliação da verba no orçamento do estado para a cultura.

“Fizemos inúmeras ações e atividades relativas à cultura, principalmente de cultura popular. Sabemos que num estado que tem 645 municípios, tem muita gente com capacidade, muita gente sensível e a cultura é bem diversa. Isso precisa ser valorizado. Sempre, na hora de estabelecer a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) procuramos colocar para cultura 2% [do orçamento]. São Paulo não tem nem 1% direcionado para cultura e isso é um absurdo. Estive sempre ao lado dos pontos de cultura, realizamos audiências publicas com representantes da cultura de todos os municípios… Acho que estamos cumprindo essa parte com muita consciência”, analisou.

Entre outras pautas que Leci encabeçou na Assembleia e que promete continuar colocando neste novo mandato está a questão da mulher. “A gente pede há muito tempo que seja criada a secretaria estadual da Mulher, que não existe. Hoje temos apenas uma coordenadoria e, pelo tamanho e importância que o estado tem, tem que ter!”, pontuou, fazendo questão ainda de destacar sua atuação próxima em relação às religiões de matriz africana e a intolerância que envolve o tema.

“Acredito nas religiões de base africana por razões óbvias na minha vida. Respeito todas [as religiões],mas não tolero o que alguns evangélicos fazem em relação ao candomblé, à umbanda… “, disse, sem esquecer ainda a bandeira que, segunda ela, nunca vai abandonar, a luta em prol da a juventude negra. “Debatemos de forma muito forte o genocídio da juventude negra. O que a gente vê nas periferias são assassinatos, chacinas diretamente ligadas a essa populaçãoa. Esses jovens estão sendo exterminados”, lamentou.

Carnaval

Como não podia deixar de ser, Leci Brandão, ícone que é do carnaval, fez comentários sobre a festa popular e deu pitacos para o futuro. Para ela, que esse

Leci Brandão recebe sambistas em sessão solene na Alesp (Foto: reprodução/Facebook Leci Brandão)
Leci Brandão recebe sambistas em sessão solene na Alesp (Foto: reprodução/Facebook Leci Brandão)

ano não trabalhará mais como comentarista dos desfiles da TV Globo, acredita que a cidade de São Paulo cresceu exponencialmente na capacidade de realizar a festa e que, com os anos, mudanças serão necessárias.

“Nós não tínhamos dúvidas de que o carnaval ia chegar ao tamanho que chegou. A classe média perdeu o medo do samba e hoje participa também. Acho que daqui uns quatro ou cinco anos esse carnaval vai ter que ter um outro olhar por parte do poder público. Vai ter que aumentar o tempo de desfile, vai ter que dar condições de outro público ver , ter um espaço para povo que não pode pagar esse preço de ingresso… E ouso dizer, ainda, que quando a Fábrica do Samba estiver pronta as escolas vão ter amplas condições de usar os barracões da mesma forma. Aí é que esse carnaval será mais surpreendente ainda”, falou.

A sambista, contudo, fez questão de tecer críticas à mídia quanto à cobertura do evento. “A única coisa que espero é que a mídia, na transmissão, não esqueça a comunidade das escolas de samba, não esqueça dos grandes protagonistas, não esqueça de dar close no sambista. A transmissão está muito plástica, muito rápida, e esquecem de mostrar o essencial, o povo do samba, a comunidade do samba. Mostram só celebridade e celebridade não precisa disso. Deixa esses dois diazinhos para sambistas”, solicitou.


Fonte: Portal Fórum

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