terça-feira, 17 de março de 2015

José Carlos Ruy: Ouvir a voz das ruas

O verme que está no ovo da serpente mexeu-se no último domingo (15). O fascismo larvar que existe na sociedade brasileira deu um forte sinal de vida.

Por José Carlos Ruy

Ato na Avenida Paulista: urro animalesco
Mas nem todos os que foram às ruas no domingo são fascistas ou simpartizantes do fascismo, como mostra a pesquisa do Datafolha, divulgada nesta terça-feira (17).
Quem saiu às ruas no domingo, ou acompanhou a manifestação pela televisão (em São Paulo há notícias de que ela despertou mais interesse do que a Copa do Mundo) pode assistir cenas chocantes de falta de educação, grosseria e intolerância. Um canal de televisão exibiu, por bom espaço de tempo, um grupo de baderneiros do Rio de Janeiro berrando para as câmaras: “Dilma, vai tomar no...”.

A expressão chula repetida em vários lugares (como a avenida Paulista, em São Paulo) e mesmo exibida despudoradamente em camisetas substituiu os black-blocs nesta manifestação. Foi expressão de despolitização e do ódio que a as mudanças democráticas que ocorrem no Brasil desde 2003 despertam na direita.

“Vai tomar no ...” não é bandeira política nem palavra de ordem. É o urro animalesco da direita que quer de volta o Brasil antigo de seus privilégios, como foi dito em faixas e cartazes, muitas vezes em inglês...

A midia hegemônica e conservadora fez de tudo para inflar o traço golpista da manifestação. Extasiou-se com o número lendário criado pela PM do governador tucano Geraldo Alckmin, mesmo depois de desmentido pelo próprio Datafolha (a PM falou em um milhão, o Datafolha em 210 mil pessoas).

Essa disputa de números não é o mais importante. O relevante é que eles registram a indignação de muitos brasileiros com as noticias de corrupção amplamente divulgadas por aquela mesma mídia conservadora.

A pesquisa do Datafolha ajuda a entender a disposição popular nesta conjuntura política contratória em que a luta de classes se aprofunda.

A direita levou às ruas, no domingo. boa parte de seus simpatizantes. Mas a pesquisa mostra que ela conseguiu mobilizar também setores da classe média que, incomodados com as denúncias da Operação Lava Jato, podem ser atraidos outra vez para o projeto de mudanças iniciado em 2003. São setores que querem mais, e mais profundas, mudanças. Setores que, nesse sentido, podem ir adiante do projeto direitista de retorno ao passado anterior a 2003.

Esse projeto que assanha – e é patrocinado – por empresas imperialistas, como sempre ocorreu no Brasil. Uma reportagem publicada na revista Fórum mostra que o Movimento Brasil Livre, um dos organizadores do protesto, é financiado pela família Koch, dona da segunda maior empresa privada dos EUA, com faturamento anual de US$ 115 bilhões. Entre seus inúmeros interesses está o petróleo e eles se envolveram em várias partes do mundo em escândalos ligados ao setor.

A pesquisa divulgada nesta terça-feira (17) pelo Datafolha foi feita em São Paulo durante as manifestações nos dias 13 e 15 de março.

Na sexta-feira (13) – por coindência a data em que, há 51 anos, houve no Rio de Janeiro o famoso Comício da Central do Brasil pelas reformas de base – ocorreu em São Paulo a manifestação convocada por centrais sindicais e movimentos populares contra o impeachment, o golpismo e em defesa do governo, da Petrobras e da reforma política.

No centro financeiro de São Pauolo, e sede do capitalismo brasileiro, 71% das pessoas que lá estavam votaram em Dilma Rousseff no segundo turno da eleição no ano passado, e 39% preferem o PT como partido político; 18% defendem a Petrobras, 20% querem a reforma política e 25% não aceitam a redução dos direitos dos trabalhadores.

A presença do proletariado foi forte; entre eles, o maior número (38%), ganha até três salários mínimos, enquanto 24% ganham até cinco mínimos; na outra ponta, 2% tem renda igual ou superior a 20 mínimos.

Isto é, entre eles predominam as pessoas com renda mais baixa – 62% ganham até cinco mínimos mensais.

No domingo, dia 15, quem protestou na Avenida Paulista tinha perfil diferente. Predominaram os eleitores do tucano Aécio Neves no segundo turno da eleição: 82% dos manifestantes. Mas menos da metade (37%) indicou preferência pelo PSDB. O principal contingente, quase metade do total (47%), foi às ruas contra a corrupção; pouco mais de um quarto (27%) quer o impeachment da presidenta, um quinto (20%) declaram-se contra o PT e menos ainda (14%) são contra os políticos.

O dado interessante é o predomínio, na manifestação de domingo, de pessoas com renda mais alta, indicando a provável presença da classe média. A minoria tem renda inferior a três salários mínimos (14%); a maior parte (27%) está entre cinco a dez mínimos, seguidos por quem ganha entre 10 a 20 mínimos (22%) ou mais de 20 mínimos (19%). Isto é, 68% tem renda superior a cinco salários mínimos mensais.

Se estes dados mostram forte diferença entre os dois grupos de manifestantes, há entre eles semelhanças que não podem ser desconsideradas. A primeira delas é a alta escolaridade: os manifestantes com curso superior eram 68% no dia 13, a favor do governo, e 76% no dia 15, contra a corrupção. Outra identidade entre eles é muito significativa. São amplamente favoráveis á democracia: 86% na sexta-feira e 85% no domingo.

Os dados do Datafolha sobre a manifestação do dia 15 indicam que um enorme contingente de pessoas de classe média revela forte descontentamento mas eles podem ser reconquistados para o projeto de mudanças em curso no Brasil.

O ódio fascista contra o povo e as mudanças democráticas contamina uma minoria que, embora expressiva, talvez chegue a um terço dos manifestantes. A grande, imensa, maioria, é formada pelos que defendem a democracia. É uma parte muito grande da população, que esteve nas duas manifestações.

Os números do Datafolha indicam a urgência em se aprofundar, no país, a aliança de todos os setores populares, progressistas e democrático da sociedade brasileira. Aliança para criar a base social sólida que permita a realização das mudanças que o país exige para consolidar e aprofundar a democracia. É preciso ouvir atentamente a voz das ruas.

O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo chamou a atenção para isso ao pregar a formação de uma “frente ampla, agora e já”, como “tarefa das lideranças do conjunto dos partidos da base aliada, e mesmo de personalidades da sociedade civil que apoiem ou não o governo, mas que tenham afinidade com as bandeiras acima assinaladas, dentre outras. A esquerda, sem abdicar de sua pauta, deve se empenhar ao máximo por esse empreendimento mais candente.”

A luta de classes ocupa os cenários, mas ela não opõe brasileiros contra brasileiros: ela opõe brasileiros do setor produtivo, do emprego e do trabalho, contra a extrema minoria dos que tem ganhos parasitários na especulação financeira e são aliados do imperialismo. Aliança que, até recentemente, infelicitou o país e os brasileiros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário