sexta-feira, 19 de junho de 2015

Mais uma vez, o papa bota pra quebrar

O papa está longe do desejado. Mas também foi o chefe da Igreja Católica que mais se afastou do indesejado, que é o apoio, mesmo que velado, à intolerância e à discriminação


Papa vincula a catástrofe climática à irresponsabilidade 
sociopolítica dos países mais ricos, que cultivam o descarte
Por Flavio Aguiar

Decididamente, hoje o papa é o político, no exercício de cargo executivo e dentre aqueles que têm maior projeção e aceitação na cena internacional, mais à esquerda no espectro ideológico. Já sei: alguém vai falar do Lula, mas este não esta em cargo executivo no momento. Vão invocar o Maduro e o Raul Castro, mas eles não têm a mesma aceitação. O Mujica tem aceitação, mas também não tem cargo no momento. O Putin não tem aceitação nem é de esquerda. Na China, melhor não falar. No deserto europeu, então, nem se fala… Estão aí o Tsipras e o Varoufakis, como se dizia antigamente, se virando mais do que bolacha em boca de velho (no tempo em que idoso era idoso e perdia os dentes aos 50 anos e dentadura era coisa de rico).

Enfim, nada se compara ao papa. Pode ter sido controverso no passado (supostas cooperações com a ditadura argentina ficaram ainda por  comprovar), mas embora eu adore filmes como Meu passado me condena, concordo com o padre Viera que a história mais importante é a historia do futuro.

Confirmando sua posição no ranking, o papa acaba de lançar uma encíclica que deixou a direitona babando de fúria, como republicanos, Tea Parties, lobistas do carvão, do petróleo e quejandos nos Estados Unidos.

Porque o papa não se limita apenas a falar na responsabilidade humana pelo aquecimento global, como se esperava, coisa em que a direitalha norte-americana não acredita e nega, mais ou menos como os nazistas negam o holocausto. O papa foi mais longe.

Ele vincula a catástrofe climática à irresponsabilidade sociopolítica dos países mais ricos, fechados sobre si mesmos e entregues ao que ele chama à “cultura do descarte”, ou melhor, eu diria, do “desperdício” (claro que nos países medianos ou mais pobres muitas gentes das elites incorrem no mesmo). Assinala que a catástrofe climática assim pode ser chamada porque ela se vincula diretamente à desigualdade social que impera no planeta, castigando mais quem possui menos. Chama os países desenvolvidos à responsabilidade para com os países mais pobres em ajudá-los a combater a pobreza e em deter a fúria consumista que abate e grassa em suas populações, e define uma ética política precisa e necessária no mundo desarvorado do neoliberalismo requentado e deslavado.

Dirão também: 'Ah, mas em matéria de casamento entre pessoas do mesmo sexo…' É verdade, o papa está longe do desejado. Mas também foi o chefe da Igreja Católica que mais se afastou do indesejado, que é o apoio, mesmo que velado, à intolerância e à discriminação. Também está empenhado em regular o Banco do Vaticano que, como qualquer outro banco, vive no mínimo às portas da lavagem de dinheiro (a Suíça que o diga) e em combater a pedofilia dentro e fora da Igreja.

Ainda não pude ler a encíclica Laudato Si, porque ela recém-saiu e ainda não há (pelo menos não encontrei) cópia disponível on-line. Mas o farei e comentarei.

Mas de momento tiro meu chapéu a este papa. Como disse um amigo meu, ateu de carteirinha e anticlerical praticante: “Este papa está atrapalhando meu ódio à Igreja Católica”...

Via RBA

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