sábado, 26 de setembro de 2015

Bolívia comemora decisão da Corte de Haia sobre demanda marítima

Milhares gritaram em coro a frase "Mar para Bolívia" depois de divulgada decisão da Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ), na qual declara sua competência no litígio entre a Bolívia e o Chile por uma saída ao oceano Pacífico para o primeiro.


O sentimento patriótico do povo boliviano estava muito presente nos últimos dias e ficou mais potente depois que o juiz Ronny Abraham declarou a competência da CIJ para abordar a demanda de La Paz.

Por 14 votos a dois, a Corte recusou a objeção preliminar apresentada pelo Chile, enfatizou a decisão divulgada em 24 de setembro deste ano, que considerou o tribunal competente, sobre a base do Artigo 31 do Pacto de Bogotá, para atender a solicitação apresentada pelo Estado Plurinacional da Bolívia em 24 de abril de 2013.

Abraham não tinha terminado de expressar o veredicto do tribunal e o povo reunido na praça Murillo, em frente ao Palácio Quemado onde se encontrava o presidente Evo Morales e todo seu gabinete, começou a entoar as notas do Hino del Mar, no qual se exige sua volta à Bolívia, desde Antofagasta, passando por Tocopilla, Mejillones e Cobija, até Calama.

Pouco depois, o primeiro presidente indígena na história da Bolívia se dirigiu ao povo, parabenizando e agradecendo por sua firme luta pela causa marítima.

Hoje é um dia histórico para a Bolívia e toda América Latina. Estamos muito satisfeitos com a decisão da Corte Internacional de Justiça porque seguramente, mais cedo que tarde, justiça será feita com nosso país, afirmou o presidente Evo Morales em seu discurso à nação em 24 de setembro.

O mandatário felicitou os movimentos sociais, o corpo jurídico que defendeu a causa na CIJ e os ex-presidentes bolivianos que, independente de suas diferenças ideológicas, se uniram para levar adiante este processo de reivindicação marítima.

A Bolívia nunca desistirá até voltar ao oceano Pacífico com soberania, disso estamos todos convencidos, afirmou Morales.

O mandatário convocou o governo chileno ao diálogo sobre a reivindicação de seu país de uma saída soberana ao oceano Pacífico, e enfatizou que a Bolívia é um país de paz.

Nessa linha, cumprimentou as organizações sociais do Chile, os intelectuais, profissionais e artistas que expressaram seu apoio através de cartas, notas e mensagens, porque esta injustiça, disse, não foi provocada pelo povo chileno, mas por interesses multinacionais, comentou o mandatário em referência à invasão de 1879.

Morales lembrou que a demanda tem o apoio para além da fronteira: "Até o povo chileno nos apoia. Visitamos o Chile na posse da presidenta fraterna (Michelle) Bachelet em sua primeira gestão, e em um coliseu cheio, as pessoas pediam mar para a Bolívia", comentou.

No meio dos aplausos de milhares de pessoas, o mandatário recordou que "a causa boliviana foi apoiada no Chile por artistas, docentes, profissionais, e intelectuais e esperamos que os jornalistas que estão aqui se juntem também porque somos dois irmãos, vizinhos; povos irmãos".

Segundo o chefe de Estado, o apoio é maior nos movimentos sociais porque seus integrantes compreendem que "não somos movimentos sociais para dominar outros setores, mas para procurar a fraternidade e a dignidade".

No país vizinho, a presidenta Bachelet afirmou que a "Bolívia não ganhou nada". O único que se decidiu até agora é que a Corte é um tribunal apto para abordar a reivindicação boliviana sem que exista uma avaliação sobre o que a Bolívia pretende. Garanto que meu governo adotará todas as medidas correspondentes para garantir a integridade de nosso território, de maneira que, sob nenhuma circunstância, se verá afetada, respondeu Bachelet do Palácio de La Moneda.

A presidenta assegurou que o governo chileno mantém a firme convicção de que a demanda da Bolívia "não tem base alguma" e confunde direitos com desejos, além de tergiversar completamente o que foi a história entre ambos países, especialmente o Tratado de 1904 e "o alcance dos diferentes diálogos diplomáticos que existiram entre eles".

Já o agente chileno na CIJ, Felipe Bulnes, afirmou que, ainda que a Bolívia tenha interpretado a decisão como uma vitória no sentido de que a CIJ se declarou competente, de todas formas, novos argumentos virão para determinar se ambos países devem negociar.

Por outro lado, o acadêmico Gilberto Aranda, pesquisador do Instituto de Estudos Internacionais do Chile, explicou que o Tribunal deu a razão à demanda da Bolívia.

Nessa linha, o delegado boliviano perante a instituição jurídica, o ex-presidente Eduardo Rodríguez Veltzé, destacou que a determinação da CIJ é importante para ambos países e transcendental para a América Latina e a comunidade internacional.

Com seu veredicto, a CIJ reafirma o espírito dos tratados e convênios dos países para resolver suas diferenças, ainda mais quando o mundo hoje é testemunha de tantas guerras, considerou o ex-chefe de Estado.

Para Rodríguez Veltzé, a demanda boliviana tem a ver com um requerimento à referida Corte para declarar a obrigação do Chile de negociar o direito boliviano ao oceano Pacífico e advertiu que está sustentada em fundamentos do direito internacional e nos próprios precedentes da jurisprudência da CIJ.

Também explicou que não é um ato hostil contra o Chile, nem põe em perigo as fronteiras, ao mesmo tempo em que advertiu que "nos leva a um diálogo frutífero, que construa pontes".

A Bolívia nasceu como república em 1825 com costa no Pacífico, mas uma invasão chilena em fevereiro de 1879, arrebatou 400 quilômetros de seu litoral e 120 mil quilômetros quadrados de territórios ricos em minerais.

Desde então, o país reivindica sua causa em diferentes foros sociais, como na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização de Estados Americanos (OEA), na Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), na União de Nações Sul-americanas (Unasul), na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), até chegar à CIJ em 2013.

Em maio passado, a Bolívia e o Chile apresentaram ao tribunal da CIJ seus argumentos orais e escritos e, desde então, o organismo jurídico internacional analisou sua competência ou não para atender a demanda apresentada pelo país andino amazônico de maioria indígena.

*Correspondente da Prensa Latina na Bolívia.

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