O preconceito de brasileiros contra refugiados sírios e
africanos que chegam ao país tem mais a ver com o fato de essas pessoas virem
de países pobres do que por estarem fugindo de conflitos.
Essa é a opinião do
diretor executivo do Instituto de Reintegração do Refugiado (Adus), Marcelo
Haydu, que na noite desta quarta-feira (4) participou do seminário Migração e
Refúgio: O migrante como sujeito de direitos, promovido pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, na capital.
“Alguém aqui é só índio?”, questionou para as mais de 100
pessoas presentes no auditório.
"Ninguém!", emendou, ao observar que
no Brasil, país formado por migrantes, está presente o preconceito contra
alguns tipos de migrantes. "Na salinha do Aeroporto de Guarulhos você não
vai encontrar um francês ou um americano. Lá estão apenas os africanos, que são
vistos como uma ameça. Quem é a ameaça? Por que a questão do refúgio continua
sendo tratada pela Polícia Federal?"
Nos últimos cinco anos, pelo menos 300 mil europeus migraram
para o Brasil, a maioria para ocupar cargos altos em grandes empresas, segundo
dados levantados pelo Instituto Adus. “Isso ninguém questiona. Ninguém diz que
eles estão vindo para cá roubar nossos empregos, porque os europeus e os
norte-americanos têm imagem atrelada a desenvolvimento, cultura e acredita-se que
eles vão contribuir para o crescimento do país. Aos refugiados resta a imagem
pobreza e a doença”, diz Haydu. “Os refugiados não chegam a 9 mil pessoas
contra os 300 mil europeus. Por que eles não incomodam?”
O seminário marcou o lançamento no Brasil da campanha
internacional Refugiados Sejam Bem-Vindos, que visa a promover ações de
sensibilização na população para explicar quem são os refugiados e por que se
deslocam e debater o fato de as migrações serem um dos elementos fundamentais
na constituição do mundo.
A primeira ação foi convidar os participantes do seminário a
escrever em uma parede sua ascendência, com o intuito de mostrar que a migração
também é um elemento presente nas histórias pessoais. “Filha de português”,
“neto de italianos”, “bisnetos de sírios”, foram algumas das frases que
preencheram o espaço. A próxima ação será uma campanha em shoppings da capital
paulista. Em uma página no Facebook serão divulgadas fotos de pessoas que
aderiram à campanha, segurando uma placa escrito “bem-vindos refugiados”.
“Há um interesse econômico. Aqui no Brasil, por exemplo,
todo mundo sabe onde estão os bolivianos explorados, mas eles suprem uma cadeia
de mão de obra interna nossa, ganhando centavos pelas peças que fazem,
trabalhando em situações insalubres e desumanas, e não se faz nada porque eles
suprem uma demanda”, diz Haydu.
O Brasil tem hoje 8.400 mil pessoas refugiadas de 81 países,
de acordo com o último levantamento do Comitê Nacional para os Refugiados. A
maioria deles é da Síria (23%), seguida por Colômbia, Angola e República
Democrática do Congo. O número de solicitação de refúgios ao governo brasileiro
aumentou 22 vezes entre 2010 e 2014, de 1.165 para 25.996, de acordo dados do
Ministério da Justiça, divulgados em junho. O país recebeu mais pedidos de
refúgio do que a Austrália e quase a mesma quantidade do Canadá, sendo o mais
solicitado da América Latina.
Atualmente, a legislação vigente para regular as migrações é
o Estatuto do Estrangeiro, de 1980. No entanto, em 2013, o Senado aprovou um
novo projeto de lei para regular as migrações, o PLS 288/13, que agora está na
Câmara Federal, como PL 2516/15. A expectativa do relator na Comissão Especial
onde o projeto tramita, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) é que ele seja votado
até o final do ano.
“É o momento em que chegam muitos migrantes e também é o
momento em que muitas manifestações negativas começam a aparecer. Nesse estágio
ainda é possível contrapor esse comportamento por meio de uma legislação que de
um tratamento mais adequado ao tema”, defende a coordenadora Adjunta da
Coordenação de Políticas para Migrantes da Secretaria Municipal de Direitos
Humanos e Cidadania de São Paulo, Camila Baraldi.
Durante o evento, Camila avaliou que o projeto trás avanços,
principalmente ao facilitar a emissão de documentos e garantir acesso aos
programas sociais ao imigrantes, porém ainda preserva mecanismos considerados
“contraditórios”, como a deportação e a extradição. “É uma falha básica do
projeto. Se pode questionar a existência desses recursos já que se trata de uma
legislação que se propõe a reconhecer as migrações e os direitos humanos dos
migrantes”, disse. “É preciso garantir que essa temática seja incluída na
formulação de políticas públicas e que as responsabilidades sejam distribuídas
dentro do governo. Quem vai fazer a acolhida humanitária? Quem vai fazer a
inclusão laboral? Quem vai garantir o acesso à moradia?”
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