Pelo teor das gravações que chegaram ao conhecimento
público, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) fez por merecer sua prisão,
apesar de alguns juristas dizerem que houve precipitação na decisão. Isso
porque, de acordo com a Constituição, parlamentares só podem ser presos em
flagrante – pode-se até questionar se há excessos nas prerrogativas
parlamentares, mas atualmente é o que está em vigor na Carta Constitucional
brasileira.
Outra questão é se a prisão irá ajudar ou terá atrapalhado
as investigações. Na prática, Delcídio foi preso por falar demais e sua prisão
imediata acaba por silenciá-lo. Daqui em diante, o senador se limitará a só
falar o que os investigadores já sabem e, pelo jeito, vem aí um novo acordo de
delação premiada.
A melhor investigação recomendava monitorá-lo algum tempo
antes de prendê-lo para obter provas mais conclusivas, armar o flagrante em
ação controlada e, assim, pegar outros envolvidos e obter evidências de
eventuais crimes ainda não elucidados ou mesmo desconhecidos.
Mas Delcídio produziu uma combinação fatal para si mesmo:
falou em influir politicamente na decisão de ministros do STF e citou um
banqueiro bilionário (que era André Esteves, do BTG Pactual) ter em mãos a
cópia de um acordo de delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor
Cerveró, que deveria estar em sigilo absoluto.
Tudo isso somado certamente levou os ministros do STF
citados à conclusão de que se esta gravação chegasse à imprensa antes de
prendê-lo eles próprios estariam sob suspeição diante da opinião pública. Como
agravante, o risco de dossiês secretos virem a ser usados com fins escusos,
inclusive como informação privilegiada no mercado financeiro. Daí o imediatismo
da prisão, mesmo controversa do ponto de vista constitucional.
Apesar de a prisão silenciar as conversas de bastidores de
Delcídio sobre malfeitos na Petrobras, a gravação feita por Bernardo Cerveró,
filho de Nestor, da reunião que teve com o advogado Edson Ribeiro, que defendia
o ex-diretor, e do chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira, contém
informações suficientes para tirar da gaveta o que podemos chamar de
"petrolão tucano". Tudo aponta para concluir-se que o esquema de corrupção
na diretoria internacional da Petrobras após 2003 ser uma transposição vinda da
diretoria de Gás e Energia na gestão de Delcídio, durante o governo tucano de
FHC.
Já está claro que, com o apoio de Delcídio, Cerveró foi para
a Diretoria Internacional em 2003. E levou com ele gerentes da diretoria de Gás
e Energia que agora são investigados na Lava Jato e que aparecem ligados a
escândalos do passado mal investigados até hoje.
Delcídio foi diretor de Gás e Energia da Petrobras entre
1999 e 2001. Nestor Cerveró foi seu braço direito na época. Eram gerentes nesta
diretoria Luis Carlos Moreira da Silva e Cezar de Souza Tavares. Foram
designados naquele tempo para representar a Petrobras no conselho de
administração da Termorio S.A., empresa criada para construir e operar a
termoelétrica Leonel Brizola, em Duque de Caxias, cujo maior fornecedor de
equipamentos foi a Alstom.
Na conversa gravada, Delcídio manifestou preocupação com a
possibilidade de Cerveró delatá-lo por questões relacionadas a contratos da
Alstom com a Petrobras.
Apesar de fazerem parte apenas do conselho de administração
da termoelétrica, posto que não tem função executiva, os dois gerentes viajaram
para a Suíça junto com o presidente da Termorio em junho de 2002 para
participar de negociações do contrato da Alstom, conforme descrito em ata de
reunião da diretoria registrada na Junta Comercial do Rio de Janeiro. Na 20ª
fase da Operação Lava Jato, os dois foram alvos de mandados de busca e
apreensão por evidências de terem recebido propina na compra da Refinaria de
Pasadena, nos EUA.
Luis Carlos Moreira da Silva foi levado por Cerveró para ser
gerente-executivo de desenvolvimento de negócios da diretoria internacional.
Cezar de Souza Tavares se aposentou e abriu a empresa Cezar Tavares
Consultores, que foi contratada pela diretoria de Cerveró para atuar na
negociação dos contratos de compra da Refinaria de Pasadena. Em 2008, após
Cerveró sair da diretoria Internacional, Moreira tam´bem se aposentou e virou
sócio na consultoria de Tavares, mesmo movimento feito por outro investigado,
Rafael Mauro Comino, igualmente "transposto" da diretoria de Delcídio
para a Internacional de Cerveró.
No diálogo gravado, Delcídio dá a entender que tinha uma
combinação para Cerveró não falar sobre envolvimento dele com a Alstom e
questiona o rascunho da delação mostrado por André Esteves conter isto.
Bernardo e o advogado Edson confirmam que Cerveró e Moreira (eles não citam o
nome completo) tinham dinheiro na Suíça, recebido da Alstom, e foram
descobertos lá há algum tempo, mas conseguiram arquivar o processo fazendo
acordo confidencial com o Ministério Público de lá. O dinheiro ficou com o
governo suíço mas, no Brasil, ninguém soube de nada.
Os procuradores da Lava Jato tiveram conhecimento da trama
informamente quando estiveram na Suíça mas, segundo o advogado Edson, não têm
como usar esta informação de forma legal no Brasil, já que, depois do acordo,
os procuradores suíços não podem mais fornecer estes dados oficialmente.
Pausa para uma observação: se for verdade esta narrativa,
que justiça podre era essa dos suíços? Descobriram dinheiro com indícios de ser
roubado dos cofres públicos brasileiros e fizeram acordo para ficar com o
dinheiro em troca de silêncio?
Gestões temerárias
Mas voltando ao "petrolão tucano": a diretoria de
Delcídio foi responsável pela assinatura dos contratos lesivos à Petrobras para
construção e operação de usinas termelétricas, no governo FHC, em consórcio com
empresas estrangeiras como Enron, El Paso e com a brasileira MPX, de Eike
Batista.
Processo de tomada de contas especial do TCU – TC
032.295/2010-3 – registra nos contratos que a Petrobras assumiu sozinha riscos
desfavoráveis ao erário público (leia-se: ruins para a estatal e bons para os
sócios privados nos consórcios) para a construção das termelétricas.
O texto do acórdão descreve um contrato draconiano, cuja
única garantia tinha os sócios privados, de que teriam seus lucros devidamente
recebidos – o que obrigou a estatal a pagar aos consórcios R$ 2,8 bilhões. A
Petrobras (leia-se, o povo brasileiro) ficou com este prejuízo, enquanto os
sócios privados foram generosamente remunerados. Pior do que isso, durante
cinco anos a Petrobras pagou aos sócios juros de 12% ao ano, mais do que os
sócios pagavam ao BNDES pelo dinheiro que tomaram emprestado para investir.
Desenhando: se a Petrobras tomasse diretamente empréstimo no
BNDES para construir as termelétricas sem sócio nenhum, em cinco anos pagaria o
empréstimo, com juros muito menores e ficaria dona sozinha das usinas.
Mesmo identificando e reconhecendo tudo isso, o acórdão do
TCU de 16 de julho de 2014 (quando a Lava Jato já bombava) acatou a defesa e
não puniu ninguém da diretoria da Petrobras da era tucana.
Foram alvo desta tomada de contas além de Delcídio e
Cerveró, Henri Philippe Reichstull, Ronnie Vaz Moreira, Francisco Gros, Rogério
Almeida Manso da Costa Reis, José Coutinho Barbosa, Geraldo Vieira Baltar,
Albano de Souza Gonçalves, João Pinheiro Nogueira Batista,Jorge Marques de
Toledo Camargo, Antônio Luiz Silva de Menezes, Irani Carlos Varella.
Um trecho do acórdão do TCU resume a decisão: "(...)
ainda que tenha faltado prudência por parte dos administradores da Petrobras,
os gestores devem ser eximidos de responsabilidade por não ser razoável
exigir-lhes que, com as circunstâncias favoráveis de mercado, descumprissem os
compromissos políticos e sociais que haviam assumido e desistissem da
oportunidade de negócio que se apresentava. Fica demonstrada a inexigibilidade
de conduta diversa por parte dos gestores da Petrobras, excluindo sua a
culpabilidade".
Deixa ver se entendi: em uma linguagem menos embromada, como
a diretoria tinha "compromisso político" com o governo tucano ficou
tudo liberado para fazer outra imprudente "privataria" com a Enron,
El Paso e MPX. É isso?
Detalhe: em 2001 e 2002, quando ocorreram estes fatos, o
ministro das Minas e Energia era José Jorge que posteriormente foi senador pelo
PFL de Pernambuco. Em 2014, José Jorge era conselheiro do TCU. Hoje aposentado,
à época ele declarou-se impedido de votar neste processo. Concluí-se, portanto,
que ele tinha interesse direto no assunto.
Via - Blog Dag Vulpi
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