sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Dilma riu por último. Duas vezes


Raramente uma situação política inverteu-se tão radicalmente em tão poucas horas. A oposição,  que festejava na noite de quarta-feira o voto com que o ministro Edson Fachin frustrou o governo,  deixou cabisbaixa o plenário do Supremo antes do final da sessão de ontem, em que a maioria divergiu do relator  Fachin e recolocou o rito do impeachment nos trilhos. O mesmo haviam feito os governistas anteontem.

Com o resultado  da sessão memorável – pela qualidade do debate jurídico e a elegância litúrgica dos ministros,  mesmo na divergência – o governo ganha fôlego e o impeachment perde terreno. O terreno que a oposição vinha conquistando graças às manobras de Eduardo Cunha rechaçadas pelo STF.

A presidente Dilma acompanhou a sessão falando diversas vezes ao telefone com o ministro-chefe da AGU, Luiz Adams, que estava no Supremo. No final, um suspiro de alívio ressoou no Palácio do Planalto.  Dilma riu por último, e duas vezes. A vitória mais importante foi no entendimento de que a comissão especial da Câmara deve ser eleita por voto aberto e sem chapas avulsas. Isso levará a uma nova eleição, que pode garantir ao governo uma composição mais favorável da comissão. Embora o parecer por ela aprovado, qualquer que seja, tenha que ser votado pelo plenário, será mais fácil obter os 171 votos se a comissão recomendar a não autorização do processo,  considerando que  a presidente não cometeu crime de responsabilidade. 

A segunda vitória foi na definição do papel do Senado. Mas, para o governo, para sua sobrevivência e recuperação, melhor será não ter que barrar o processo na Casa onde tem base mais fiel e contaria com a ajuda do presidente Renan Calheiros.  O rechaço do Senado a uma autorização da Câmara aprovada por mais de 342 votos,  deixaria algum melindre na relação entre as duas casas, dificultando a restauração de uma coalizão que garanta a governabilidade, caso o governo escape do impeachent,  com agora tornou-se mais provável.  Mas, se não houver remédio, é claro que a trincheira de resistência será montada no Senado mesmo.

Agora vem o recesso, que o Governo tentará encurtar, viabilizando alguma forma de convocação lá pelo segundo decanato de janeiro. Renan é contra. Acha que melhor será deixar que a temperatura política esfrie mais no verão. Ao longo de janeiro o governo teria tempo para trabalhar a eleição da nova comissão especial da Câmara em fevereiro. Quem sabe isso até venha a ocorrer depois que o STF decidir sobre o pedido de afastamento de Eduardo Cunha feito pelo procurador-geral Janot.

Flashes da sessão

Ficará nos anais a sessão em que o Supremo fixou as balizas do impeachment, rechaçando os casuísmos que vinham sendo praticados por Cunha e a oposição.

Raramente um ministro estreou  no STF de  modo tão infeliz quanto Luiz Edson Fachin. Embora tenha colhido elogios abundantes a seu alentado voto e ao esforço de produzi-lo em tão curto prazo,  dele restou muito pouco. E a impressão externa geral foi a de que Fachin negou quase todos os pedidos da ação do PC do B não por desconhecer o rito adotado em 1992 mas para afirmar sua independência, depois que sua indicação por Dilma enfrentou fortes resistências da oposição,  dentro e fora do Senado.  Seu voto foi muito criticado por senadores que apontaram a incoerência entre a  defesa que fez do voto aberto para a homologação da prisão do senador Delcídio e a legitimação do voto secreto imposto por Eduardo Cunha na eleição da comissão especial da Câmara.

Quem virou o jogo foi o ministro Luiz Roberto Barroso, que com clareza e coragem abriu a divergência em relação ao voto do relator, sustentando o papel do Senado na admissibilidade do processo – o que permitirá à Casa acolher ou não a denúncia da Câmara,  e a impropriedade do voto secreto na eleição da comissão especial. E o fez não com a “criatividade jurídica” mas homenageando a letra da Constituição  e a jurisprudência criada pelo Supremo para o impeachment de Collor. Barroso puxou a maioria que se formou.

Quem deixou o governo perplexo foi o ministro Dias Tofoli, com um voto alinhado ao do relator e, viu-se depois, ao do ministro Gilmar Mendes,  adversário figadal do PT e do governo no Supremo.  Há muito já se sabe do afastamento entre Tofoli e o partido a que serviu e que o colocou lá  mas nunca ele havia feito comentários tão hostis, como aquele de que um governo que não tem 171 votos na Câmara não merece governar. Gilmar protagonizou o momento mais agressivo, dizendo a seus pares quem  se queriam manipular o processo,  deviam assumir isso claramente. Falou no plural majestático, “se nós queremos”. Foi uma ofensa mas a frieza da maioria prevaleceu.

No mais, o brilho de Celso de Mello ao explicar tão claramente que, com a Constituição de 1988, a Câmara perdeu que lhe garantia a Constituição de 1946 e a lei complementar 1079/1950 nos processos de impeachment.

Há 23 anos, quando houve o impeachment de Collor, não havia lei complementar à Carta de 1988, detalhando o rito e as regras.  STF precisou deliberar. Agora, novamente. Passado o percalço em curso, o Congresso precisa parar em algum momento para adequar a lei do impeachment à Constituição.  Nada garante que a responsabilidade democrática da corte prevalecerá sempre, como prevaleceu ontem. 

Via – Brasil 247

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