Vamos de novo ao nosso xadrez da política.
O lance mais óbvio da Lava Jato é o indiciamento e a
condenação de Lula. Basta Sérgio Moro condenar e o Tribunal Federal Regional da
4a Região (TRF4) confirmar, para Lula se tornar inelegível, de acordo com a Lei
da Ficha Limpa.
Poderia haver o requinte de decretação de prisão de Lula,
valendo-se da recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de obrigar ao
cumprimento da pena após o julgamento em segunda instância. Mas dificilmente
ocorrerá, porque significaria ungir Lula com o manto do martírio.
Há o risco, sim, da prisão preventiva, humilhação pública e,
depois, a libertação. Aí, passaria a ideia da impunidade.
Se houvesse senso de responsabilidade institucional, a esta
altura o Presidente do STF Ricardo Lewandowski estaria reunido com o Procurador
Geral da República Rodrigo Janot, com o presidente do STJ (Superior Tribunal de
Justiça) Francisco Falcão, com o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo,
buscando maneiras de impedir essa ação de Moro, com claro viés político, em respeito
a quem se tornou um símbolo mundial da paz. E para evitar conflitos populares
de monta.
Mas hoje em dia tem-se um Judiciário acuado pela besta – o
sentimento de manada da opinião pública e um clima em que cada qual cuida
apenas do seu quintal.
O cenário provável é o da prisão preventiva de Lula com
quebra de sigilo e mais uma onda de vazamentos visando o desmonte final da sua
imagem. Em vez da inabilitação política de Lula acalmar a guerra política, ela
se acirrando com o xeque final, de derrubar Dilma.
Tem-se uma economia em crise aguda, riscos concretos de
default fiscal, ampliação do desemprego. Se tirar uma foto de agora, as maiores
empresas nacionais -Odebrecht, Vale, Gol, Usiminas, Petrobras, CSN, Gerdau -
estão tecnicamente quebradas, sem caixa para pagar as dívidas vincendas.
É evidente que não vão quebrar porque os bancos irão
prorrogar os financiamentos, esperando que o cenário econômico melhore. Mas há
enormes desafios pela frente e uma presidente com enormes dificuldades em
administrá-los.
Tome-se o caso Sete Brasil, a tentativa de criar uma empresa
que intermediasse as encomendas de navios e plataformas da Petrobras. Em vez de
delegar, Dilma chamou a si o problema. Terminada a reunião, não havia definido
nenhuma medida e nenhuma responsável. Apenas meses depois Ministro Nelson
Barbosa entrou nas discussões e conseguiu arrumar um pouco a casa.
Tem sido assim em todas as questões relevantes.
Na recente votação do PL sobre o pré-sal, o governo tinha
todas as condições para tirar o regime de urgência ou de vencer a votação
final. O Ministro Ricardo Berzoini estava nessa linha até a undécima hora,
Independentemente das tentativas de golpe no circuito
Moro-Gilmar, se não houver uma mudança no governo Dilma, a mãe de todas as
crises, a econômica, engolirá o governo.
Não se pense em uma mera conspiração. Movimentos dessa
ordem, em um ambiente democrático, são frutos de um conjunto de circunstâncias,
eventos políticos que impactam a opinião pública, e mudanças institucionais e
sociais trazidas pelas novas tecnologias e pela onda de globalização.
Há um conjunto de peças nessa operação Lava Jato.
Peça 1 – a intenção nítida de derrubar o governo e
inviabilizar o PT.
Aí se trata de uma luta pelo poder, seca, crua, objetiva e
sem limites. Essa luta garante a blindagem ampla dos aliados do Ministério
Público Federal: PSDB e Aécio Neves, e Organizações Globo. O efeito-manada
criado pela mídia tem impedido qualquer espécie de moderação nos abusos.
Peça 2 – um componente geopolítico cada vez mais claro.
É um processo pouquíssimo estudado até agora.
Nos últimos anos o sistema judiciário, especialmente as
pernas do Ministério Público Federal e Polícia Federal, se internacionalizou
através das cortes internacionais e dos acordos de cooperação.
Do lado dos direitos humanos houve um expressivo avanço
civilizatório. Do lado da luta contra o crime, uma integração cada vez mais
intensa com as forças de segurança internacionais. Em ambos os casos, uma
aproximação cada vez maior da nata do MPF com os círculos internacionais, com
os melhores quadros se habilitando a cargos nos organismos internacionais.
A premiação da equipe de procuradores da Lava Jato pela
Global Investigations Review – um site que cobre investigações internacionais
contra a corrupção – e da AP 470 pela Associação Internacional dos
Procuradores, são dois exemplos dessa visibilidade e integração internacionais
(http://migre.me/t7Nkn).
Com a mixórdia financeira das últimas décadas, a corrupção
adquiriu tal sofisticação que só uma ação coordenada internacional para fazer
frente ao crime.
E aí entra o maior preparo do FBI, que passa a direcionar as
investigações graças à sua maior capacidade de investigação.
Quando Sérgio Moro sustenta que a corrupção deriva de uma
economia fechada, expressa a visão ideológica que emana dessas organizações
internacionais.
A maior experiência dos EUA fez com que há tempos
legalizasse um conjunto de ações corporativas visando influenciar governos ou
empresas, especialmente um rigor absoluto para impedir que qualquer crime
corporativo seja julgado em outra jurisdição.
Já os países emergentes, com pouca tradição de
multinacionais próprias, mantêm legislações anacrônicas que, por não prever
formas mais flexíveis de atuação das empresas, tendem a criminalizar qualquer
coisa.
Na era Macri, o Ministério Público argentino usará a mesma
fórmula aplicada pelo MPF brasileiro:
1. Governos tomam
medidas que beneficiam grupos econômicos. Faz parte da própria lógica das
políticas econômicas.
2. Grupos
econômicos apoiam governos, em geral todos os partidos, para ficar com um pé em
cada canoa.
3. Basta juntar uma
medida de política econômica qualquer, que beneficiou determinado setor – mesmo
que justificada sob a ótica do desenvolvimento ou do equilíbrio regional - e
bater com alguma contribuição política do setor para o governo. É o caso dessa
tentativa da Zelotes de criminalizar a MP da indústria automobilística.
Duas das preocupações nítidas da geopolítica norte-americana
é o da disseminação de um populismo antiamericano na América Latina e África e
da expansão das multinacionais do continente. A única potência média a emergir
nas últimas décadas foi o Brasil, com suas empresas entrando na África e
América Latina.
É por aí que se estrutura a cooperação do FBI, conforme
pode-se conferir nos exemplos abaixo, todos municiados com informações da
cooperação internacional:
1. O fato do
próprio PGR Rodrigo Janot ter comandado a ida de um grupo de procuradores aos
EUA e entregado ao Departamento de Justiça elementos contra a Petrobras – uma
empresa controlada pelo Estado brasileiro.
2. A volta dos
procuradores, com informações sobre a corrupção na Eletronuclear, fornecidas
por uma advogada do Departamento de Justiça ligada à indústria nuclear
norte-americana.
3. As informações
sobre as contas de João Santana que deram munição, em uma só tacada, contra
todos os aliados políticos brasileiros nos países em que Santana coordenou
campanhas eleitorais.
4. As informações
contra a Gerdau, empresa brasileira que atua em 14 países.
Mais as consequências ideológicas dessa cooperação:
1. Os sucessivos
discursos contra toda forma de ação de apoio às incursões de empresas
brasileiras no exterior – de financiamento às exportações a trabalhos
diplomáticos.
2. Em vez de
investigações sigilosas, focadas nos crimes e nos culpados, o trabalho
deliberado de destruir a imagem corporativa de todas as multinacionais
brasileiras, de criminalizar os instrumentos de apoio aos grupos nacionais e a
própria diplomacia comercial.
Trata-se de uma falha grave institucional – do próprio MPF e
do Executivo – de não aprofundar as discussões sobre as implicações da
cooperação internacional nos interesses nacionais. Aliás, a noção de interesse
nacional é conceito consolidado apenas nas Forças Armadas.
Peça 3 – há tendências claramente ideológicas nesse
movimento.
As pregações evangélicas dos procuradores, a visão de Deus
contra os ímpios, a graça divina permitindo a limpeza final do país, o discurso
evangelizador, a demonização da política e a busca do Brasil limpo, tudo isso
fortaleceu o discurso de intolerância dos movimentos de ultradireita e fez a
Lava Jato tomar lado.
Quem conduz as ruas são os filhotes de Jair Bolsonaro, que
acabaram por conferir a cor da oposição.
Não há nenhuma ligação direta entre os filhotes de Bolsonaro
e a Lava Jato, mas há toda uma relação de causalidade.
Peça 4 – Há risco claro de atentados aos direitos
individuais, acelerado pela decisão do STF de permitir prisão a partir da
segunda instância.
Os Ministros garantistas do STF foram evidentemente
pressionados pela besta a votar contra a supressão da Terceira Instância. A
intenção óbvia era garantir a prisão dos réus da Lava Jato.
Contudo, abrem uma enorme brecha nos direitos individuais,
com consequências amplas em inúmeros campos.
Fiquemos no mercado de opinião.
De uns anos para cá, os blogs se tornaram o único
contraponto à cartelização da notícia e das opiniões pela mídia. A maneira
encontrada pelos grupos de mídia é combate-los através de ações judiciais. O
STF é o único tribunal garantista que tem impedido as condenações abusivas e
garantido a liberdade de expressão.
Com a obrigatoriedade de cumprir a pena antes da última
instância, os grupos de mídia terão toda a liberdade de ação para sufocar
financeiramente os blogs e até para conseguir a condenação criminal dos
desafetos. Com a enorme influência da Globo nos tribunais cariocas, seria
desafio fácil.
Por outro lado, iniciativas como a do deputado Wadih Damous
(PT-RJ) de criminalizar jornalistas que divulguem documentos sigilosos é tiro
no pé. Será mais uma arma utilizada contra o jornalismo independente.
Seria muito eficaz uma lei que responsabilizasse diretamente
os chefes de cada corporação quando demonstrassem desinteresse em coibir
vazamentos, incluindo o Ministro da Justiça, o diretor geral da Polícia Federal
e o Procurador Geral da República. E que impedisse a Ministros do STF e ao PGR
o uso abusivo da gaveta.
A campanha delenda-Lula fornece uma blindagem natural ao
PSDB. Com Lula saindo de cena, a guerra interna tornar-se-á mortal. As prévias
para a candidatura do PSDB à prefeitura de São Paulo já demonstraram isso, com
a profusão de dossiês de lado a lado.
Rompida a blindagem do partido, nenhum presidenciável
resistiria a um mês de investigações:
1. Aécio Neves tem
contra si inquéritos engavetados pelo PGR, de lavagem de dinheiro, e o caso de
Furnas. E tem a máquina de dossiês de Serra para divulga-las.
2. José Serra tem a
filha Verônica, parceira desde os tempos de recém-formada, quando recorria ao
escritório Ippolio, Rivitri Duarte & Sicherle, de ex-colegas da São
Francisco, para contratos de consultoria para empresas interessadas em
conversar com o pai Ministro. Serra não resistiria a uma pequena cooperação
internacional sobre as contas e fundos da filha no exterior. Bastaria um
procurador independente analisar os negócios da Experian no Brasil.
3. Geraldo Alckmin
mantém a blindagem junto ao Ministério Público Estadual. Bastará uma
investigação sobre obras públicas do estado, financiadas com recursos federais,
para se tornar alvo do Ministério Público Federal.
Aliás, uma consequência lateral da enorme influência
política do Ministério Público foi dada pelo próprio Alckmin. No final do ano,
a queda da receita fiscal poderia deixar ao desabrigo a Justiça estadual, o
Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública.Garantiu-se a Justiça e o
MPE. E deixou-se ao relento a Defensoria Pública, cujo papel é dar assistência
jurídica aos mais pobres.
Tem-se um quadro claro de conspiração pela frente, na
parceria Sérgio Moro-Gilmar Mendes.
O sucesso ou não do golpe dependerá da reação das
instituições. E essa reação está diretamente relacionada com a capacidade do
governo Dilma Rousseff em apresentar um cenário de futuro minimamente razoável.
Poucos darão a cara para bater em defesa da legalidade, se
na ponta não houver um cenário futuro minimamente viável.
Ocorre que não se consegue avançar em projetos mais ousados
devido ao estilo de Dilma, que inibe a proatividade de seus Ministros. E sua
persistência em centralizar todos os problemas que exigem respostas prontas,
atrasando as soluções por não saber delegar.
Não é possível prever o que ocorrerá em caso de prisão e
inabilitação de Lula. Haverá radicalização nas ruas, exigindo intervenção da
polícia. Será um enorme retrocesso civilizatório, já que a imagem de Lula é o
último fator a sustentar a aliança de movimentos sociais e grupos socialmente
responsáveis. Haverá um enfraquecimento brutal das políticas sociais e de
direitos humanos e um retrocesso da institucionalização da luta política,
trazendo de volta aos grupos mais à esquerda a decepção com a democracia.
Por outro lado, contribuirá para jogar o PSDB em uma luta
fratricida.
O cenário ideal seria a conspiração refluindo, os tribunais
superiores enquadrando os aspectos conspiratórios da Lava Jato. Criada a
trégua, Dilma acordar de uma vez e mudar radicalmente seu estilo de gestão,
discutindo seriamente e com profundidade medidas mais ousadas para reverter uma
crise que se prenuncia fatal.
Por enquanto, há poucos juízes em Berlim, e nenhum candidato
a estadista no Planalto.