sexta-feira, 25 de março de 2016

Argentina: De vento em popa rumo ao naufrágio

De longe se vê a Argentina como um grande veleiro, com todas as velas armadas que vai de vendo em popa. Claro, mas é necessário fazer algumas ressalvas, o leme está quebrado, seu pilogo é um marinheiro de quarta classe, e a nave avança velozmente em direção a um rochedo afiado como facas do Estado Islâmico.


Por Guadi Calvo*

Nos cem dias de governo do lobby financeiro, midiático e judicial que colocou como testa de ferro o mais inapto de seus filhos, Maurício Macri, a Argentina tem sido literalmente devastada pelo ódio neoliberal que tenta varrer da história qualquer coisa que remeta aos 12 anos de governo kirchnerista. Não lhes basta apagar os nomes das instituições, centros culturais ou hospitais, começaram uma caça contra todos os empregados públicos suspeitos de simpatizar com o “antigo regime”, demitindo-os massivamente; encararam dirigentes populares como Milagro Sala, e desta forma desativaram planos sociais como o “Conectar-igualdade” que entregou mais de 5 milhões de computadores a estudantes de todo o país; desmontaram o Polo Espacial Punta Indio, onde se desenvolviam investigações científicas entre outras muitas conquistas do kirchnerismo.

Como tributo às relações com os Estados Unidos, Macri pretende trair o Brasil que passa por este momento tão difícil, abandonando o Mercosul para cobiçar o Tratado do Pacífico, firmar tratados de livre comércio com o EUA e subordinar-se uma vez mais ao Fundo Monetário Internacional.

O incidente sucedido há pouco tempo atrás com um pesqueiro chinês que aparentemente foi surpreendido pescando em território marítimo argentino parece fazer parte do correlato macrismo em vias de aproximação a Washington.

A Argentina desembarcou em um território amplamente conhecido, mas não por isso menos angustiante: desocupações, inflação, endividamento, são as palavras em voga.

As empresas de pesquisa informam que em seus últimos registros a sociedade argentina trocou seu temor pela insegurança pelo da desocupação em sua lista de inquietações.

Se bem que, os índices de insegurança do país eram importantes, porém muito abaixo da média do continente, mas a construção midiática conseguiu estabelecer que durante o governo da presidenta Cristina Kirchner a criminalidade havia disparado. Eles repetiam o mesmo crime até mais de 20 vezes nos diferentes meios que possuem, multiplicando de maneira exacerbada a sensação de insegurança.

Hoje, por mais que se tente ocultar 150 mil demissões que já foram executadas tanto nas áreas governamentais, como nas empresas privadas, leva os trabalhadores à reflexão – como já é clássico no sindicalismo argentino – que voltam a ser traídos por seus dirigentes, falsos e corruptos “líderes” como o caminhoneiro Hugo Moyano ou o cheff Luis Barrionuevo, ambos também empresários em seus ramos, deixaram de visitar os estúdios de televisão para falar contra as políticas do Kirchnerismo e agora diante de seu decidido apoio a Macri se refugiaram em um ostracismo

A sensação de desconcerto nos setores populares continua se aprofundando, esperando algum sinal para marchar em alguma direção. Os setores burgueses, por sua vez, se prendem ao discurso oficialista que só se centra em culpar de todos os males a “pesada herança” deixada pelos 12 anos de “populismo”.

Para deixar bem claro, esta administração nada tem deste maldito populismo, se dedicam desde o dia 10 de dezembro a serem contra todas as políticas de inclusão, e beneficiar os especuladores financeiros e ao patronato, reduzindo ou exterminando em alguns casos todo tipo de impostos sobre os lucros. A transferência de capitais do setor mais pobre aos grandes grupos econômicos neste caso tem sido monumental.

Nestes momentos, tanto a Câmara de deputados como a de senadores começam a discutir a derrogação das leis que impediam as negociações com os fundos abutres, que bombardearam nos últimos anos o governo da presidenta Cristina Kirchner. Para os gerentes que hoje administram a Argentina isso permitirá o país voltar a endividar-se para gerar obra pública, é até um pouco curioso que ao tempo que estas políticas levaram o país a se endividar durante gerações, o mesmo governo que pretende realizar obras públicas deteve a construção das grandes represas que estavam em plena realização na Patagônia, na província de Santa Cruz, de onde casualmente vinha o presidente Néstor Kirchner e de Atucha 3, uma central nuclear de onde acabaram de despedir 1800 operários.

Revelar o retrato argentino é um longo lamento, entretanto os que se apegam como náufragos nos últimos restos do naufrágio macrista repetem como um mantra aquela história da “pesada herança” para não reconhecer o trágico erro cometido nas últimas eleições, que à Argentina custará novamente anos de atraso, porque isso seria admitir que foram manipulados por uma monumental e pobre campanha midiática que provocou um ódio irracional contra Cristina, em vez de uma adesão concreta a Macri, cuja única conquista importante havia sido alcançar a presidência do clube de futebol Boca Júniors, já que a cidade de Buenos Aires, depois de seus oito anos de prefeitura, ficou endividada, com altos índices de marginalidade, e onde o narcotráfico, o tráfico de pessoas e o trabalho escravo se fortaleceram como nunca.

Em nível nacional, Macri não faz coisas melhores do que as feitas na capital, as declarações de seu ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, antes de sua posse despertaram os fantasmas inflacionários que estiveram controlados durante os últimos doze anos e o dólar praticamente duplicou seu valor e por isso o Banco Central é submetido a uma sangria diária com o objetivo de contê-lo.
Prat Gay assegurou que esperava o ingresso de cerca de 25 bilhões de dólares nos primeiros meses de governo, mas até esta data foram recebidos créditos por uns 2 bilhões de dólares a curtíssimo prazo e altas taxas de juros. Todas as esperanças do governo estão depositadas nos benefícios que supostamente voltarão à Argentina depois que seja fechado o falso acordo com os abutres no dia 14 de abril. E como se sabe, estes acordos serão repudiados imediatamente depois que um governo popular volte a ocupar a Casa Rosada.

Para os setores populares estão preparando um plano de contingência extremamente duro com caminhões pipa, balas de borracha e cassetetes. A instabilidade social que se espera é tamanha que a atual governadora da província de Buenos Aires, María Eugênia Vidal – um dos emblemas da aliança governante Cambiemos – acaba de mudar sua residência familiar para o interior de uma base das forças aéreas.

A resposta de Macri a seus ministros só consistem na esperança de receber créditos do exterior, dia após dia, as possibilidades que isso aconteça são mais difíceis. Ninguém se aproxima de um barco que está prestes a colidir em um rochedo, a menos que se seja para vender coletes salva-vidas.

*Guadi Calvo é escritor e jornalista argentino. Analista Internacional especializado em África, Oriente Médio e Ásia. Mais em sua página no Facebook.

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