quarta-feira, 18 de maio de 2016

Honduras, Grécia e o destino do Brasil

Por causa do golpe, o Brasil se converteu, aos olhos do mundo, numa espécie de grande Honduras. Um país sem instituições democráticas sólidas, instável, sujeitos a golpes de todos os tipos. Uma típica e caricata república de bananas.


Por Marcelo Zero

Graças ao golpe, o Brasil se converteu em motivo de chacota em todo o mundo. Nunca a imagem do nosso país esteve tão baixa. Até mesmo jornais conservadores, como o New York Times, fazem editoriais condenando o golpe e afirmam o óbvio: a destituição de Dilma Rousseff piorará a crise política brasileira. Já a nossa mídia plutocrática e bananeira dedica-se, agora com vocação para grande partido da situação, a ocultar o óbvio e a defender o indefensável.

Por sua vez, a reação do governo golpista relativa à imagem internacional negativa do golpe é previsível. Já começaram de novo a falar grosso com países como Bolívia e El Salvador, mas preparam-se para falar fininho, bem fininho, com países como os EUA, em negociações comerciais assimétricas.

Agora, o circo de horrores legislativo da sessão da Câmara do dia 17 abril foi substituído pelo circo de horrores executivo de um ministério composto exclusivamente por homens brancos, quase todos acusados de alguma irregularidade, a exalar misoginia, racismo, incompetência técnica e conservadorismo extremo.

A extinção do Ministério da Cultura, uma conquista da jovem democracia brasileira, e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos completa o quadro tenebroso e simbólico dos retrocessos democráticos. A nomeação de um Ministro da Justiça especializado na repressão a estudantes e movimentos sociais desnuda a intenção de lidar com reivindicações legítimas com o uso ilegítimo da força bruta. Já a extinção da CGU demonstra o grau de compromisso do governo golpista com o combate à corrupção.

Mas isso foi apenas o começo. Vem aí o grande circo de horrores do programa do golpe. Muito maior e ainda mais horrendo. Vai eclipsar, com folga, o circo de horrores do golpe em si.

Como já havia mencionado em artigos anteriores, o programa do golpe, a “Pinguela para o Passado”, destina-se a acabar, mediante um só golpe (o trocadilho é intencional), com o legado social de Lula, de Ulysses Guimarães e de Getúlio Vargas.

Com efeito, não se trata somente acabar com ou reduzir drasticamente os legados sociais de Lula/Dilma, como os relativos ao Bolsa Família, ao Mais Médicos, ao Minha Casa Minha Vida, ao Prouni, ao Fies ou a política de valorização do salário mínimo. Não se trata somente de voltar ao status quo ante do neoliberalismo que vigia na época do tucanato. É muito pior. A ideia aqui é desconstruir toda uma arquitetura histórica de direitos sociais e mecanismos econômicos que, bem ou mal, apontam para a criação de um capitalismo minimamente civilizado no país.

Assim, o golpe é também contra a Constituição Cidadã, ou Constituição Social, de 1988. A tese dos golpistas é que os direitos sociais assegurados na Carta Magna, como o da irredutibilidade dos salários, o do salário mínimo real capaz de assegurar uma sobrevivência digna, saúde, educação, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, etc. “não cabem no orçamento”. Daí a proposta de extinguir os mínimos percentuais orçamentários que a Constituição prevê para serem investidos nessas áreas sociais.

Os golpistas querem o “orçamento de base zero”, isto é, a desvinculação de todas as receitas e gastos sociais existentes. Assim, não haveria mais pisos constitucionais mínimos para saúde, educação e outras despesas sociais. Também querem desvincular o salário mínimo das aposentadorias pensões e outros benefícios previdenciários.

A Constituição Cidadã seria, dessa forma, substituída por uma Constituição Empresária, que asseguraria a realização de superávits primários, o pagamento aos rentistas e taxas de lucro que “estimulariam a retomada do crescimento”.

Em suma, os golpistas querem repor a nossa triste tradição histórica de colocar nas costas dos trabalhadores o custo da superação da crise. Querem também a volta da desigualdade como fator que estimularia um novo ciclo de crescimento concentrador e excludente, como o ocorrido na ditadura. Querem até mesmo acabar com proteção trabalhista assegurada pela CLT de Getúlio Vargas.

A “Pinguela para o Passado”, se implantada em todo seu esplendor reacionário, vai nos reconduzir à República Velha, quando a questão social era “caso de polícia”. Nesse sentido, o novo ministro da Justiça parece ter sido escolhido a dedo.

Em interessante e reveladora atitude “sincericida”, Moreira Franco já deixou claro que pretende focar o Bolsa Família nos 5% mais pobres, o que excluiria do programa cerca de 30 milhões de pessoas.

Outra atitude “sincericida” foi a do novo Ministro da Saúde, que declarou, com todas as letras, que o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante –como o acesso universal à saúde– e que será preciso repensá-los.

Foi ainda mais sincero em seu exemplo do que precisa ser feito no Brasil:

"Vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las".

Inacreditável. O novo ministro usou a Grécia, exemplo mais bem-acabado das políticas de austericídio, do que não deve ser feito, para apontar o caminho que o Brasil deve seguir.

Mais claro impossível. Além de nos transformar numa grande Honduras, exemplo de desastre político, querem nos transformar também numa grande Grécia, exemplo de desastre social e econômico.

Haja República Velha!

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