segunda-feira, 30 de maio de 2016

João Amazonas, dirigente e amigo nos temas essenciais e prosaicos

Transcorreu nesta sexta-feira, 27 de maio, o 14º aniversário do falecimento do querido e inesquecível camarada João Amazonas. Que falta nos faz!


Por José Reinaldo de Carvalho*

Não sei se pela chegada dos anos, torno-me cada vez mais emotivo e sinto falta, para além das coisas essenciais, também das prosaicas, aquilo que aparentemente não tem importância, mas compõe o sal da vida.

Diariamente, tínhamos o hábito de conversar. E entre discussões políticas e ideológicas, proseávamos – para além da política cotidiana, do trabalho prático e da ideologia – sobre literatura e futebol. Festejávamos o último livro de João Ubaldo, lembrávamos as distintas fases da obra de Jorge Amado, comentávamos sobre seu conterrâneo Dalcídio Jurandir, citávamos Graciliano, debatíamos sobre o sentido da obra do albanês Kadaré, falávamos da importância de divulgar a obra de Jack London, e perdíamos horas cogitando se era ou não justo dedicar espaço na seção cultural da Princípios a Zhdanov. A escolha da gravura da capa, se de Fernand Leger, Mark Chagall, Diego Rivera ou Pablo Picasso, ficava sempre pendente da invariavelmente acertada opinião da sua companheira de sempre, a talentosa artista plástica, também saudosa, Edíria Carneiro.

No futebol, nossa unidade era restrita ao Vasco e às acerbas críticas à seleção do “Parreiras”, porquanto estávamos em posições antagônicas em São Paulo – ele palmeirense, eu corintiano – e no Pará, sua terra natal que de alguma maneira se tornou o meu segundo estado – ele remista, eu Paissandu.

Mas voltemos às questões essenciais. Além do preito de saudade, eterna saudade, porque tive no João, além de um dirigente, um amigo, conselheiro e condutor, quero destacar “apenas” o sentido do momento histórico que tinha e sua implacável análise sobre as classes dominantes brasileiras.
Sua experiência e o conhecimento acumulado da leitura do marxismo-leninismo e da história do Brasil deram-lhe a compreensão da encruzilhada histórica em que se encontrava o país nos idos da Nova República (1985-1989), fenômeno que se repetia com conteúdo e formas novos nos diferentes ciclos da vida política brasileira. Em 1930, porque fizéramos uma parcial e insuficiente revolução burguesa, que não enfrentou os problemas de fundo da sociedade de então. Em 1945-1954, porque ao influxo democrático e patriótico da vitória contra o nazi-fascismo sobrepôs-se a ofensiva antinacional e antipopular das classes dominantes e do imperialismo, prelúdio da ditadura militar que se instauraria dez anos depois.

Na Nova República, superada a ditadura militar, tarefas democráticas de novo nível passaram à ordem do dia, a questão social era emergente e a questão nacional, exigência para enfrentar a nova ordem mundial sob a égide do imperialismo. Nenhuma dessas questões foi enfrentada em sério nem a fundo.
Quando o chamado “centrão” sequestrou a Constituinte, a acuidade do João constatou a morte do centro democrático nas condições peculiares daquela conjuntura. Noção que reafirmou diante da vitória eleitoral de Fernando Collor, em 1989, e da ampla frente de direita e centro-direita que garantiu os oito anos de mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos governos mais ruinosos e entreguistas de toda a história republicana.

Perante a encruzilhada histórica, propôs a ruptura revolucionária e – com toda a amplitude e flexibilidade tática – preconizou a radicalidade estratégica, que fundamentou a elaboração do Programa Socialista (8ª Conferência, 1995 e 9º Congresso, 1997).

Nesse Programa, João inscreveu sua sentença sobre a formação social brasileira e as classes dominantes: “O desenvolvimento deformado da economia nacional, o atraso, a subordinação aos monopólios estrangeiros e, em consequência, a crise econômica, política e social cada vez mais profunda são o resultado inevitável da direção e do comando do país pelas classes dominantes conservadoras. Constituídas pelos grandes proprietários de terra, pelos grupos monopolistas da burguesia, pelos banqueiros e especuladores financeiros, pelos que dominam os meios de comunicação de massa, todos eles, em conjunto, são os responsáveis diretos pela grave situação que vive o país. Gradativamente, separam-se da nação e juntam-se aos opressores e espoliadores estrangeiros. As instituições que os representam tornaram-se obsoletas e inservíveis à condução normal da vida política. Elitizam sempre mais o poder, restringindo a atividade democrática das correntes progressistas. A modernização que apregoam não exclui, mas pressupõe, a manutenção do sistema dependente sobre o qual foi construído todo o arcabouço do seu domínio”.

Percebendo que a luta democrática e patriótica pelo desenvolvimento nacional, a soberania nacional, em defesa da nação ameaçada pela voragem neoliberal, era no fundo um aspecto da luta de classes, inseparável da luta pelo socialismo na fase peculiar que o Brasil vivia, Amazonas era taxativo em suas conclusões acerca da evolução desse combate. No mesmo documento, o Programa Socialista, dizia: “Tais classes não podem mudar o quadro da situação do capitalismo dependente e deformado. Sob a direção da burguesia e de seus parceiros, o Brasil não tem possibilidade de construir uma economia própria, de alcançar o progresso político, social e cultural característicos de um país verdadeiramente independente. Na encruzilhada histórica em que se encontra o Brasil, somente o socialismo científico, tendo por base a classe operária, os trabalhadores da cidade e do campo, os setores progressistas da sociedade, pode abrir um novo caminho de independência, liberdade, progresso, cultura e bem-estar para o povo, um futuro promissor à nossa Pátria”.

O enfrentamento a essas classes e ao imperialismo exigem ampla e profunda luta política de massas, estratégia e tática, unidade das forças democráticas e populares e a existência de uma vanguarda consciente e enraizada nos trabalhadores, um partido comunista com tirocínio político e densidade teórica e ideológica. Estes eram os temas que diuturnamente ocupavam a agenda de trabalho do camarada João. Estas são ainda as tarefas dos que o sucedemos.

*José Reinaldo de Carvalho é jornalista, editor de Resistência, secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB

 Fonte: blog Resistência

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