terça-feira, 28 de junho de 2016

Os golpes vêm para ficar


Por Flavio Aguiar, de Berlim, no site Carta Maior:

“Perde-se a vida, ganha-se a batalha!” ou “Ganha-se a vida, perde-se a batalha!”. Do Capítulo LV, de “D. Casmurro”, de Machado de Assis.

No referido capítulo do romance de Machado, o protagonista e narrador Bentinho hestia entre os dois finais do soneto que pretende escrever. E que, no final, não o faz. Em suma, o soneto, quando menos, perdeu ambos, a vida e a batalha.

Mutatis mutandis, é uma situação hoje enfrentada pelas esquerdas brasileiras, sobretudo, as extremas. Que não gostam do PT. Que nunca gostaram do PT. Que se desiludiram com o PT. Enfim, tudo.

A dúvida cruel, de bastidor, porque inconfessa, pode assim ser resumida: o governo Temer é fraco (e é); o governo Dilma também é e será fraco, se houver uma nova volta; melhor combater um governo Temer fraco e ilegítimo do que um governo Dilma fraco mas legítimo; então vamos por panos quentes numa possibilidade da volta de Dilma; a volta dela está ficando ligada à ideia de um plebiscito sobre a antecipação das eleições; então, se esta a fórmula para ela retornar com força, menos que mínima, somos contra. O resto, convenhamos, é silêncio. Porque tal não se diz. Fica nas entrelinhas. Nas linhas se diz que o plebiscito é duvidoso, pode legitimar o golpe, pode abrir a porta para uma derrota das esquerdas… etc.

Aí chovem desdobramentos, sendo o principal o de que poderemos (as esquerdas) perder as eleições e assim abrir espaço para um governo legitimamente eleito fazer as barbaridades que este quer fazer, sem legitimidade.Esta linha de argumentação incorre no erro histórico de setores da esquerda em 1964. Estes setores consideravam que o golpe era uma quartelada de pernas curtas; que logo os militares se viriam compelidos a devolver o poder aos civis; e que, assim, o afastamento de Goulart e dos trabalhistas era uma bênção histórica, pois liberaria os trabalhadores do jugo populista e os lançaria nos “Caminhos da liberdade”.

Este tipo de análise esquece uma premissa importante: nem sempre quem está no Palácio está no poder, e vice-versa. Veja-se o caso brasileiro: quem está no Planalto é Temer e sua tropa. Mas quem está no poder é, já agora, um conluio entre:

- o general do Gabinete de Segurança Institucional;

- seus contatos no Instituto Millennium e na mídia golpista;

- contatos em alguns ministérios, setores do funcionalismo insatisfeitos com o governo, etc.

- o ministro da Justiça, que foi a Curitiba visivelmente para convencer Moro a voltar a agir;

- De certo modo, o próprio Moro, dotado de superpoderes judicias e que continuará fazendo o que quiser contra os petistas.

- Além disto, devem fazer parte deste núcleo do complô um bando desconhecido de contatos internacionais - não mais através das sinistra CIA, mas através destas redes de ONGs, siglas e contra-siglas, que fornecem matéria prima para os agentes brasileiros.

- Este grupo deve manter contatos constantes entre si, para manter sua hegemonia sobre as decisões que vierem a ser adotadas.

O general do GSI foi investido de poderes capazes de driblar o Ministério da Defesa. Vai a Israel fechar acordos relativos à segurança. Vai investigar e cadastrar as esquerdas. Temer devolveu aos ministros militares prerrogativas quanto a dados de carreira que Dilma havia retirado.Moro, depois da visita do MJ, volta a agir, com os poderes absolutos de sempre. Manda invadir casa de senadora sem mais aquela. E o STF faz o papel de vaquinha de presépio.

Para este grupo, Temer foi um acidente de percurso. Poderá ser mantido ou não. Se for mantido, é este grupo que ai redesenhar, com a Globo e arredores, mais a Fiesp e suas contribuições, o futuro do Brasil. Não vai haver complacência com relação às esquerdas.

Para este núcleo duro nada pior do que alguma forma de consulta popular. O ideal seria já em 2017 votar uma emenda parlamentarista e algo como uma eleição indireta para a Presidência da República.

Mas diante deste quadro, as esquerdas estão agora empenhadas numa discussão interna. O curioso é que para algumas delas a consulta popular parece tão ameaçadora quanto para o núcleo duro do golpe. Preferem enfrentar um governo Temer - ou outro dele emanado - ilegítimo - do que correr o risco de ver um governo Dilma retornar, mesmo que para comandar uma eleição antecipada. O plebiscito parece uma ameaça: podemos perder! Sim, podemos perder, mas eu diria que nesta altura é a única arma institucional que temos para se contrapor a avalanche do núcleo duro do golpe. Além de que, parece, somente ele poderia abrir uma possível porta para a derrota do impeachment no Senado. Sem este apoio institucional, iremos de manifestação em manifestação até a perda de fôlego. E aí a direita realmente reinará. Com ou sem seus trouxinhas a tiracolo, pois eles terão se tornado dispensáveis.

Não vejo saída sem o plebiscito. Só entrada, mais uma e de vez, num longo túnel chamado golpe. Trata-se aqui de ganhar a vida e a batalha.

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