quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Inesc:Tributar ricos na faixa máxima traria 79 bilhões em arrecadação

Novo estudo do Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc) analisa a relação entre tributação injusta, desigualdade e concentração de renda e patrimônio no Brasil, com base em análise do perfil dos declarantes do Imposto de Renda no Brasil entre 2007 a 2013. O trabalho constata que aqueles que detém rendas acima de 40 salários mínimos tem tributação baixa ou a renda é isenta de tributação. A perda de progressividade do IR também aumenta a injustiça tributária.


O Brasil tem um dos mais injustos sistemas tributários do mundo e uma das mais altas desigualdades socioeconômicas entre todos os países, onde os mais ricos pagam proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres, criando uma das maiores concentrações de renda e patrimônio do planeta. Essa relação direta entre tributação injusta e desigualdade e concentração de renda e patrimônio é investigada pelo pesquisador Evilásio Salvador no estudo Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária, produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) com apoio da Oxfam Brasil, Christian Aid e Pão Para o Mundo.

Foram considerados os quesitos de sexo, rendimentos em salário mínimo e Unidades da Federação. O texto busca identificar o efeito concentrador de renda e riqueza, a partir das informações sobre os rendimentos e de bens e direitos informados à Receita Federal pelos declarantes de IR no período de 2008 a 2014, referentes às informações dos anos-calendário de 2007 a 2013.

Os dados da Receita Federal analisados para o estudo revelam, por exemplo, que do total de R$ 5,8 trilhões de patrimônio informados ao Fisco em 2013 (não se considera aqui a sonegação), 41,56% pertenciam a apenas 726.725 pessoas, com rendimentos acima de 40 salários mínimos. Isto é, 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente a 45,54% do PIB do Brasil e com baixíssima tributação. Considera-se, ainda, que essa concentração de renda e patrimônio está praticamente em cinco estados da federação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, agravando ainda mais as desigualdades regionais do país.

O estudo aponta ainda que os contribuintes com rendas acima de 40 salários mínimos representam apenas 2,74% dos declarantes de IR, mas se apropriaram de 30,37% do montante dos rendimentos informados à Receita Federal em 2013. Além disso, dos R$ 623,17 bilhões de rendimentos isentos de Imposto de Renda em 2013, R$ 287,29 bilhões eram de lucros e dividendos recebidos pelos acionistas - se submetidos à alíquota máxima da atual tabela progressiva do Imposto de Renda (27,5%), esses recursos gerariam uma arrecadação tributária extra de R$ 79 bilhões ao Brasil.

As informações tornadas públicas pela Receita Federal, a partir da disponibilização da base de dados “Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas”, contribuem para uma maior transparência sobre a questão tributária no país, que a tempo ocupa lugar na agenda pública das propostas de reformas. Os dados ampliaram um novo olhar sobre a desigualdade social no Brasil e reforçam ainda mais a injustiça tributária no país, pois mesmo o Imposto de Renda, que deveria ser o fiador de um sistema tributário mais justo, acaba contribuindo para maior concentração de renda e riqueza em nosso país.

Os dados da Receita Federal são fartos para revelar uma casta de privilegiados no país, com elevados rendimentos e riquezas que não são tributados adequadamente e, muitas vezes, sequer sofrem qualquer incidência de Imposto de Renda.

Os dados divulgados pela Receita Federal confirmam a injustiça no sistema tributário brasileiro, conforme o Inesc havia alertado. Um dos mais graves é o fato de que a tributação sobre a renda no Brasil não alcança todos os rendimentos tributáveis de pessoas físicas. A legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital e de outras rendas da economia, que são tributados com alíquotas inferiores à do Imposto de Renda incidente sobre a renda do trabalho. Em destaque, a não existência do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre os lucros e dividendos, além do instituto legal (mas excêntrico) dos “juros sobre capital pró- prio”, o que permite uma redução da base tributária do IR e da CSLL. Esses rendi- mentos são tributados a 15% de forma exclusiva, não necessitando o beneficiário de fazer qualquer ajuste na Declaração Anual do IR.

Essas modificações beneficiam e privilegiam os mais ricos no Brasil, pois os 71.440 declarantes hiper-ricos, que tinham renda acima de 160 SM, em 2013, praticamente não possuíam rendimentos tributáveis, pois 65,80% de sua renda tinha origem em rendimentos isentos e não tributáveis.

Outro agravante é a perda da progressividade do IR, pois – a partir da faixa de rendimentos de 40 a 80 salários mínimos – o imposto começa a perder a sua progressividade. De forma que os contribuintes com rendimentos acima de 40 salários mínimos passam a pagar proporcionalmente menos IR do que os contribuintes das faixas salariais inferiores.

Com isso, as propostas para a reforma tributária que o Inesc já apresentou na agenda pública brasileira estão na ordem do dia. Neste sentido, é necessário revogar algumas das alterações realizadas na legislação tributária infraconstitucional após 1996, que sepultaram a isonomia tributária no Brasil, com o favorecimento da renda do capital em detrimento da renda do trabalho. Dentre essas mudanças destacam-se: 1) o fim da possibilidade de remunerar com juros o capital próprio das empresas, reduzindo-lhes o Imposto de Renda e a CSLL; e 2) o fim da isenção de IR à distribuição dos lucros e dividendos na remessa de lucros e dividendos ao exterior e nas aplicações financeiras de investidores estrangeiros no Brasil.

Outra medida fundamental seria a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição e não regulamentado até hoje. É uma oportunidade para a prática da justiça tributária, por aplicar corretamente o princípio constitucional da capacidade contributiva, "onerando o patrimônio dos mais ricos no país", conforme afirma Evilásio no estudo, que advoga ainda a introdução da progressividade no Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (IT-CDM). Outras medidas apontadas como importantes são a tributação maior para bens supérfluos e menor para produtos essenciais para a população.

Vamos falar sobre justiça fiscal?

Uma proposta de reforma tributária no Brasil deveria ser pautada pela retomada dos princípios de equidade, de progressividade e da capacidade contributiva no caminho da justiça fiscal e social, priorizando a redistribuição de renda. As tributações de renda e do patrimônio nunca ocuparam lugar de destaque na agenda nacional e nos projetos de reforma tributária após a Constituição de 1988. Assim, é mais do que oportuna a recuperação dos princípios constitucionais basilares da justiça fiscal (equidade, capacidade contributiva e progressividade).

A tributação é um dos melhores instrumentos de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, que constituem objetivos essenciais da República esculpidos na Constituição Federal de 1988.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) vem apontando que o sistema tributário brasileiro tem operado no sentido da maior concentração de renda no país. O estudo As implicações do sistema tributário brasileiro nas desigualdades de renda, produzido pelo Inesc em 2014, demonstrou as implicações negativas do sistema tributário brasileiro sobre as desigualdades no país, destacadamente no agravamento das distâncias entre pobres e ricos, mulheres e homens, negros e brancos. A metodologia adotada naquele estudo valeu-se dos micro- dados da PNAD/2011, pois inexistiam dados oficiais que permitissem dimensionar de forma direta o impacto da regressividade dos tributos nas desigualdades de gênero e raça.

Uma das questões inerentes à questão tributária no Brasil é a irrisória tributação do patrimônio: somente 1,40% do PIB, o que equivale a 4,18% da arrecadação tributária realizada em 2011. Nos principais países capitalistas, os tributos sobre o patrimônio representam mais de 10% da arrecadação tributária, como, por exemplo, no Canadá (10%), no Japão (10,3%), na Coreia (11,8%), na Grã-Bretanha (11,9%) e nos EUA (12,15%).

A questão da tributação sobre o patrimônio vem sendo fortemente pautada pelo debate internacional, com a publicação da obra de Thomas Piketty, traduzida em português como “O Capital no Século XXI”.8 Piketty, a partir da análise de dados tributários, demonstra – com vasta evidência empírica – um aumento espetacular da desigualdade de renda das principais economias mundiais. O autor faz um apelo, especialmente, por impostos sobre a riqueza, se possível em es- cala mundial, a fim de restringir o crescente poder da riqueza hereditária.

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