quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O silêncio sobre a América Latina

Quem ficou sabendo, no Brasil, quando 126 militares chilenos e argentinos subiram os Andes em lombos de burro até o local onde foi selado, há 200 anos, o fim do domínio espanhol?


Por Laurindo Lalo Leal Filho*, Revista do Brasil

A partir de 2009, vários países da América Latina vêm comemorando os 200 anos de independência do colonialismo espanhol. Naquele ano, a Bolívia lembrou com muita festa a revolta liderada pelo padre Domingo Murillo, em 1809, derrotada pelas forças coloniais, mas que abriu caminho para a independência conquistada em 1825.

Em 2010, uma regata internacional, iniciada em Mar del Plata, na Argentina, com a presença das presidentas Cristina Kirchner e Michelle Bachelet (do Chile), passou por 14 portos de dez países do continente, para lembrar as datas históricas. O veleiro Cisne Branco representou a Marinha brasileira no evento.

Dois anos depois, 126 militares chilenos e argentinos subiram os Andes em lombos de burro até o local onde os generais José de San Martín, argentino, e Bernardo O’Higgins, chileno, se abraçaram há quase 200 anos para selar o fim da dominação espanhola na região.

Quem ficou sabendo disso no Brasil? A depender da mídia brasileira, ninguém.

Mas a censura empresarial vai além do relato de festividades históricas. Os governos de Hugo Chávez na Venezuela e de Evo Morales na Bolívia puseram fim ao analfabetismo em seus países. Alguém soube disso pela mídia por aqui?

Ou tomou conhecimento da maior redistribuição de renda já ocorrida no Equador desde a posse de Rafael Correa na presidência da República, com a chegada pela primeira vez de milhares de jovens da classe trabalhadora à universidade?

Tratou com isenção e profundidade a luta do governo equatoriano contra as ações imperialistas dos Estados Unidos representadas pela petroleira Chevron e a destruição ambiental por ela provocada? E contra a presença de uma base militar estadounidense em Mantra, afrontando a independência do Equador?

São apenas alguns acontecimentos pinçados, entre inúmeros outros ocorridos na América Latina e ignorados pela mídia brasileira. Cabe acrescentar a má vontade com que ela cobre as ações de integração dos países do continente como o Mercosul, a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) ou a Celac, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos que reúne 32 nações das Américas, sem a presença dos Estados Unidos e Canadá, fazendo um importante contraponto à OEA, a Organização dos Estados Americanos, onde a influência estadunidense é muito forte.

O rompimento desse bloqueio informativo não é fácil, dado o grau de concentração dos meios de comunicação no Brasil, todos pautados por linhas editoriais semelhantes. No continente, a Telesur, emissora de TV com sede em Caracas, é uma rara alternativa, mas sua sintonia é difícil em nosso país. Pode ser vista no Distrito Federal graças à iniciativa de retransmiti-la, em alguns momentos, pela TV comunitária local.

De alcance um pouco mais abrangente surge agora uma iniciativa pioneira: o programa Crônica de América, produzido na Argentina e veiculado aqui no Brasil pela TVT, a TV dos Trabalhadores, todas as segundas-feiras, às 22h.

Pela primeira vez, temos no ar um programa plurinacional, apresentando e debatendo temas comuns aos diversos países do continente, com um olhar progressista de apoio as conquistas sociais obtidas pelos governos populares da região e crítico do retorno do neoliberalismo em países como a Argentina e o Brasil.

A condução é do jornalista uruguaio residente na Argentina Victor Hugo Morales, conhecido por sua atuação como locutor esportivo e apresentador de programas de informação e debates no rádio e na televisão. Por suas posições políticas foi demitido da emissora em que atuava há 30 anos, logo após a posse de Mauricio Macri na presidência da República.

Crônica de América “inicia um caminho para compreendermos juntos o que acontece nos países da região quando eles são governados pelo neoliberalismo. Será a crônica de um continente que busca os caminhos de sua emancipação”, disse Victor Hugo ao anunciar a estreia do programa.

Imperdível.


*Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo, jornalista e professor de Jornalismo da ECA-USP.
Reprodução: Rede Brasil Atual



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