domingo, 18 de junho de 2017

PARAGUAI - 5 anos do Massacre de Curuguaty: Camponeses pedem ajuda na luta por Justiça

“Não conseguiram nem conseguirão matar nossos sonhos”, dizem presos políticos da matança que provocou golpe do Paraguai.


Leonardo Wexell Severo
No Brasil de Fato

“Camponês sem-terra não é camponês. Queremos plantar feijão, mandioca e milho para que todos tenham o que comer. Graças às pessoas que nos apoiam frente à injustiça, não conseguiram e nem conseguirão matar nossos sonhos. Nós somos presos políticos e queremos que vocês sejam nossos porta-vozes”.

A carta-exortação dos camponeses de Curuguaty presos em Tacumbú, em Assunção, capital do Paraguai, foi lida em meio às lágrimas, quinta-feira (15), em frente ao Palácio de Justiça, pela jovem Ramona González, esposa de Néstor Castro — que após ter levado um tiro no rosto que dilacerou sua mandíbula, foi condenado a 18 anos de reclusão.

Ao lado de Ramona, Karina Godoy e a pequena Alma Vitória — respectivamente esposa e filha de Arnaldo Quintana, também com pena de 18 anos — expressavam o respaldo das famílias à luta por “Terra, Justiça e Liberdade”.

Massacre

O dia 15 de junho marca o quinto aniversário da carnificina na estrada que leva à região de Marina Kue, em Curuguaty, onde foram mortos seis policiais e 11 trabalhadores sem-terra, numa ação iniciada por franco-atiradores.

O estilo foi exatamente o mesmo utilizado pela CIA no golpe contra Hugo Chávez, na Venezuela, 10 anos antes, quando se assassinaram governistas e oposicionistas para tentar derrubar o presidente. Em Curuguaty, balas certeiras mataram o interlocutor militar, Erven Lovera, e alguns dos seus subordinados, bem como lideranças dos camponeses que iniciavam a negociação em campo aberto.

No vídeo gravado pela polícia, se ouvem armas automáticas precipitando o tiroteio. O cerco e o circo midiáticos, apoiados por um judiciário e um Parlamento completamente apodrecidos, redundaram na deposição do ex-presidente Fernando Lugo, uma semana depois.

No Tribunal, onde os advogados Jorge Bogarín e Raúl Caballero entraram com recursos contra o absurdo jurídico movido pelo governo de Horacio Cartes, que persegue as vítimas e mantém intocados os criminosos, manifestantes condenaram os “escribas e fariseus”, defenderam “liberdade aos presos por lutar” e uma “Reforma agrária, urgente e necessária”.


Em 150 páginas, a defesa demole um a um os eixos da acusação, expondo a completa falta de fundamentação, feita em função dos interesses do agronegócio para criminalizar a luta por justiça social.

“Esta é a última instância a que vamos recorrer antes de levarmos o caso a um tribunal internacional”, informou Guillermina Kanonnikoff, destacada dirigente do movimento de solidariedade e vítima da ditadura pró-estadunidense de Alfredo Stroessner (1954-1989).

Referência da lgreja, Pai Oliva ressaltou que as manifestações pela liberdade dos presos políticos “expressam a presença de Jesus entre os pobres, de forma espiritual, pessoal e coletiva, para que, enfim, acabemos com a dor e que tenhamos Justiça e alegria”. “Seremos vitoriosos. Depois que conseguirmos a libertação [dos camponeses detidos] teremos um dia inteiro de festa em nosso país”, acrescentou o religioso.

Conforme pesquisa da historiadora Margarita Durán Estragó, “quem invadiu terras que não lhe pertenciam, numa completa agressão ao Estatuto da Terra e à própria soberania alimentar, foi Blas Riquelme, com seus mais de 75 mil hectares”. Margarita mostrou cápsulas de projéteis de grosso calibre encontrados no local por familiares e destacou “o mais completo descaso da perícia, que a única coisa que quis e fez foi manipular provas para condenar inocentes”.

O Serviço Paz e Justiça do Paraguai (Serpaj) recorda que Marina Kue, em guarani significa “terras da Marinha” e esteve ocupada entre 1967 e 1999 por um destacamento militar, o que desmente o principal argumento de Riquelme, proprietário da Campos Morombí, de que supostamente ocupa o território por 34 anos. “Cinco anos depois que a Armada deixou o local, Riquelme começou a desflorestar e cercar a terra”, frisa o Serpaj.

Basta de injustiça e desigualdade

Nas ruas de Assunção, em frente ao Palácio de Justiça e ao presídio de Tacumbú, estudantes, professores, religiosos, trabalhadores do campo, músicos, poetas e intelectuais denunciaram o alto grau de concentração de renda no país: 2,5% dos proprietários são donos de 85% das terras cultiváveis, 94% delas destinadas à exportação, enquanto 1,5 milhão dos sete milhões de paraguaios padece de fome e um terço de desnutrição.

Ao mesmo tempo em que os manifestantes se comoviam diante da divulgação das criminosas sentenças para os outros dois presos: Rubén Villalba, 30 anos de prisão e cinco anos de “medidas de segurança” e Luis Olmedo Paredes, 20 anos de prisão, repórteres da grande imprensa riam, antecipando a “objetividade” da cobertura jornalística.

Ex-ministro da Corte Suprema de Justiça, Luiz Lezcano Claude acredita que o Tribunal de Sentença “agiu de maneira parcial, incompleta, mutilada, cerceada e discriminatória”, fazendo com que os camponeses servissem de “bode expiatório”.

Para Lezcano, “há uma completa falta de objetividade na investigação”, que “somente buscou imputar, acusar e conseguir a imposição de drásticas e desmedidas penas aos camponeses que assinalava como supostos autores”.

Condenando a versão do Ministério Público, o ex-ministro aponta sua completa inconsistência. Pela acusação, observa, “um grupo de camponeses constitui com antecedência uma organização criminosa (primeiro fato punível), com vistas a invadir uma propriedade privada (segundo fato punível) e, posteriormente, prepara uma cilada ou emboscada na que premedita a morte dos agentes da Polícia Nacional que pretendia desalojar o grupo invasor (terceiro fato punível)”.

Os fatos vão na contramão dos alegados pela “Justiça”, pois os camponeses que reclamavam as terras cedidas para a reforma agrária tinham se organizado por sugestão do Indert (Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra), reconhecida desde 2004. Não houve nenhuma invasão de imóvel alheio, já que a empresa Campos Morumbí, de propriedade de Blas Riquelme, íntimo do sanguinário Stroessner, jamais teve reconhecido seu direito sobre ela.

O “homicídio doloso em grau de tentativa” também carece de qualquer sentido, uma vez que como 60 camponeses, metade deles mulheres, crianças e idosos, poderia ter “emboscado” a 324 policiais fortemente armados, inclusive com helicóptero? Não é à toa que sumiram inúmeras provas como projéteis das armas de grosso calibre, exames de raios-X, a filmagem e até o piloto do helicóptero que morreu “acidentado” antes de depor.

“Mais do que nunca é imprescindível a solidariedade internacional. Diante dos que querem nos calar, é hora de nos somarmos e levantar a voz para garantir terra, Justiça e liberdade”, concluiu Guilhermina Kanonnikoff, encerrando a visita da delegação aos presos políticos.

Edição: Vanessa Martina Silva

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