domingo, 13 de agosto de 2017

Comparando eras


Por Luís Fernando Veríssimo

Não há o que criticar na seleção do Tite, embora, para muita gente, a cada nova convocação mais transparece a mediocridade reinante no futebol brasileiro. Uma opinião injusta, porque nosso futebol não está tão medíocre assim e porque cada nova geração de jogadores é comparada com as gerações dos anos de glória, e fatalmente perde no confronto.

Mas comparar eras só serve para destruir fantasias do tipo “seleção brasileira de todos os tempos”, em que Zizinho troca passes com Falcão e Garrincha cruza para Leônidas cabecear. Não dá para comparar. Grandes estilistas do meio-campo não jogariam hoje da mesma maneira que jogam na nossa memória com um adversário super treinado chutando seu calcanhar e bufando no seu ouvido. Mas tem o outro lado: algum craque de hoje se destacaria no futebol do passado, tendo que competir não no fôlego e no tranco, mas no puro brilho? Talvez sim, mas ninguém se lembraria deles hoje.

Eras e estilos não são comparáveis em nenhum tipo de arte. Quem foi o maior pintor de todos os tempos? Não vejo como o título poderia fugir da Espanha. Velázquez, Goya ou Picasso — este atuando em várias posições — mereceriam a escolha mais do que, por exemplo, Michelangelo Buonarroti. Mas o time italiano é forte: Rafael e Tiziano na zaga, Botticelli e Tintoretto no meio, Leonardo na lateral e os holandeses Rembrandt e Hals (comprados pelo Milan) na frente, além de Michelangelo. E onde colocar o Giotto? Na história da arte, os murais de Giotto significam mais do que o teto da Capela Sistina. Giotto foi uma ruptura radical com o passado; Michelangelo não.

Picasso merece entrar na disputa? Teve a vantagem sobre Velázquez, Michelangelo e os outros de viver numa era em que a canibalização cultural, o pastiche e a irreverência se tornaram artisticamente respeitáveis e pôde usar todos os estilos e materiais, do clássico ao primitivo, do plástico ao miolo de pão — e a obra de Velázquez e de Michelangelo também — na sua arte. Foi, talvez, o último pintor a dominar tanto o rigorismo formal que lhe permitiria sobreviver, e brilhar, com a inventividade e a audácia que o mantiveram atual até a morte. Picasso foi como Pelé, um craque para qualquer era.

HOJE

(Da série “Poesia numa hora dessas?!”)

Ele: “Eu já quis mudar o mundo e entender a vida. Hoje só quero que nenhum dos dois revida”.

Ela: “Eu já quis o êxtase, mas mudei de tom.

Hoje, em vez de uma visão, quero um vison.”

Ele: “Eu já acreditei em tudo, tinha a alma escancarada. Hoje só acredito em nada”.

Ela: “Eu já fiz inglês, cerâmica e balê. Hoje durmo até tarde e vejo tevê.”

Os dois: “O que nos fez ficar assim? Não olhe pra mim!”


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