Afirmação independe de derrubada da denúncia. ‘Haverá uma imensa crise de liquidez política’
Em política, ter poder é projetar expectativa futura a fim
de granjear apoios com base nessa perspectiva. Com isso, ganha-se cacife para
convencer interlocutores (os players desse showbizz) da capacidade de entregar
algo a alguém em data certa e definida. Em torno dessa capacidade vão se
formando maiorias. A regra básica do jogo consiste em dar forma e consistência
de programa às ideias esparsas que se assentam no resultado das votações
parlamentares (mesmo que tudo pareça uma geleia, ou uma colcha de retalhos). Se
esse conjunto de ideias, mesmo amorfo, está em sintonia com os anseios da
população – também conhecida como “eleitores” – o líder da engrenagem se
fortalece com a ampliação gradativa da popularidade. O objetivo derradeiro é
ver tal chancela convertida em votos populares.
É simples assim. Mas é complexo.
Tomando por fato consumado a equação descrita acima, obra
milenar dos gregos que criaram esse sistema espetacular chamado “democracia”,
há escassa margem para errar ao dizer que o governo Michel Temer termina tão
logo sejam computados os votos da sessão convocada para a próxima 4ª feira
(25.out.2017). Qualquer que seja o resultado do painel de votação. A sessão se
destina a analisar o pedido de autorização para que o Supremo Tribunal Federal
possa processar Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira
Franco (Secretaria Geral da Presidência) por corrupção passiva e obstrução de
Justiça.
Caso a Providência Divina aja em consonância com o desejo de
mais de 90% dos brasileiros, o que não ocorreu na 1ª denúncia, o tempo de Temer
no Palácio do Planalto se esgota porque não obterá 172 votos a seu favor no
plenário da Câmara. Sendo assim, acaba porque termina e a partir daí inicia-se
novo ciclo na República. Mas, levando em conta números do domingo anterior à
sessão, isso será muito difícil de ocorrer. As planilhas mais pessimistas de
apoiadores do Planalto estimavam entre 200 e 220 votos contra a denúncia do
Ministério Público. Os cálculos mais entusiasmados somavam de 250 a 260
pró-Temer, com sutis defecções em relação à votação de agosto quando o plenário
arquivou o 1º pedido de processo.
Contudo, mesmo que vença nominalmente no plenário e siga
despachando no gabinete presidencial até 31 de dezembro de 2018, Michel Temer
sabe que terminada a votação da 2ª denúncia do MP contra ele, encerra-se também
a fase em que podia ter representado alguma expectativa de poder. Ou seja,
estará consumada a equação de perde-perde da República brasileira. À velocidade
da luz, Temer se verá convertido numa espécie de “Geni” nacional.
Os cheques pré-datados distribuídos por ele e por seus
diletos comandados a partidos, parlamentares, centrais sindicais conservadoras
e a corporações empresariais na Praça dos Três Poderes serão sacados todos ao
mesmo tempo. Haverá uma imensa crise de liquidez política. No sistema
financeiro as crises de liquidez quebram bancos – mesmo vetustas instituições –
por ausência absoluta de credibilidade. Na realpolitik, quebram governos,
derrubando-os.
A garantia de reformas destinadas a trazer dinamismo à
economia, ou mesmo aquelas cuja missão é tão-somente fechar as contas na boca
do caixa do Tesouro Nacional, como da Previdência Social, vai se dissipar no ar
como névoa seca nas alvoradas brasilienses. No Congresso, vozes dóceis que hoje
afagam o sucessor de Dilma Rousseff posto na cadeira na esteira da deposição da
presidente eleita em 2014 converter-se-ão em lamuriantes madalenas arrependidas
a chorar a perda de credibilidade junto ao eleitor. Todos porão em Temer a
culpa do naufrágio político. Consolidado esse cenário, até os 3% de avaliação
positiva que a atual gestão ainda conserva irão perecer indulgência plenária
dos brasileiros. Incapaz de projetar expectativa de poder e de amalgamar
qualquer programa viável, o governo também conhecerá seu fim.
A diferença do 1º para o 2º cenário é o tempo de exposição
do corpo insepulto na pedra fria e malcheirosa em que será transformada a
Esplanada dos Ministérios.
Poder não conhece vácuo, e caso ocorra a improvável derrota
presidencial na votação do dia 27 já há um ambicioso projeto nascido no
Legislativo à espreita: tem contornos liberais, dialoga com a sociedade de
forma mais ampla que o governo de plantão e parece estar mais afinado com os
compromissos de rigor fiscal inexoráveis para sair dessa fase insossa de
recuperação que tanto nos vendem e nunca chega. Inclusive, vão parar de vender
esses lotes na lua: acabou a verba publicitária estatal para 2017. Se os
veículos de comunicação toparem veicular alguma campanha agora terão de aceitar
receber apenas em 2018. A crise de liquidez já se abate sobre a mídia
chapa-branca.
Em paralelo a isso, como 2 corpos não ocupam o mesmo lugar
no espaço, e certos da vitória mesmo que por margem menor de votos – situação
incômoda e responsável por eclodir desconfianças de largo espectro – os
palacianos passaram a vender a tese de um “combo de governo”: mantenha-se
Temer, mas compartilhe-se o poder Executivo com o comando do Congresso, apelam.
Em períodos normais tal receita já não tinha chance de dar
certo. Em ano eleitoral e com administração detentora de avaliação tão ruim,
não haverá masterchef capaz de fazer esse caldo estabilizar. Quando vendem a
ideia de transformar o presidente da Câmara em “um CEO” de Temer, que seria por
sua vez “presidente do Conselho de Administração”, os áulicos palacianos
desejam terceirizar as propostas impopulares e malsucedidas para o comando do
Congresso e almejam fazer com que o chefe deles se cubra apenas das glórias –
caso venham. Não recomendo que se case um tostão em aposta tão carente de
crédito. Dará errado. Dentre todos eles, só Temer não disputará eleição em
2018.
A proposta, então, seria deputados e senadores defenderem a
linha dura e entregarem os louros a quem retalhou o país à faca e vendeu filés,
ossos e tripas no grande armazém de secos e molhados montado na Esplanada. Não
tem risco de dar certo. Está nas digitais de 513 deputados o poder de decidir
se dará errado já agora, a tempo de pôr um novo drive para rodar no hardware
nacional e deixa-lo disputar o voto popular dentro de 1 ano, ou se dará errado
ao longo dos próximos meses, levando tudo para o fundo do poço (onde não há
mola, e sim alçapão).
Luís Costa Pinto
No Poder360
Via - Contexto Livre
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