Em memorando encaminhado a auditores fiscais, a Secretaria de Inspeção do Trabalho informa que não foi consultada sobre a portaria que altera as regras para a caracterização do trabalho análogo à escravidão e para a inclusão de empregadores na chamada Lista Suja. Para o órgão, a portaria contém “vícios técnicos e jurídicos” e atenta contra a Constituição. A Secretaria diz ainda que pleiteará a revogação das mudanças e orienta os auditores a manterem as práticas adotadas até então.
Assinado pelo secretário de Inspeção do Trabalho, João Paulo
Ferreira Machado, o texto informa que o órgão soube da portaria nº 1129/2017
por meio do Diário Oficial, nesta segunda (16), e não participou do processo de
estudo, elaboração ou edição das modificações. Vinculada ao Ministério do
Trabalho, a secretaria é responsável por executar e estabelecer as diretrizes
da fiscalização do trabalho análogo à escravidão.
Segundo o memorando, a portaria não reflete “as práticas e
técnicas adotadas” pela secretaria nos procedimentos para a erradicação do
trabalho escravo. O órgão diz ainda que está analisando o teor e o alcance das
mudanças, mas informa que já “foram detectados vícios técnicos e jurídicos na
conceituação e regulação” do tema que a portaria pretende disciplinar, “bem
como aspectos que atentam contra normativas superiores”, tais como a
Constituição, a Convenção 81 da Organização Mundial do Trabalho e o Código
Penal.
“Da grandeza tal o conjunto das dificuldades que já exsurgem
da mencionada Portaria que a SIT pleiteará inclusive a sua revogação, apontando
tecnicamente motivos para tal”, complementa o texto. Por fim, a secretaria
orienta seus auditores a “manter, por ora, as práticas conduzidas pelos
normativos que até então regularam a fiscalização para a erradicação do
trabalho em condições análogas à de escravo”.
Com a justificativa de regulamentar a concessão de
seguro-desemprego aos resgatados do trabalho escravo, a portaria dá nova
interpretação para os elementos que caracterizam a escravidão, esvaziando o
conceito contemporâneo de trabalho degradante e análogo à escravidão. Para que
sejam caracterizadas a jornada excessiva ou a condição degradante, por exemplo,
agora terá que haver a restrição de liberdade do trabalhador.
Além disso, a portaria estabelece que a divulgação da
chamada "lista suja", que reúne as empresas e pessoas que usam
trabalho escravo, passará a depender de uma "determinação expressa do
ministro do Trabalho". Qualquer pessoa física ou jurídica que for incluída
na lista não pode solicitar financiamento público.
Na prática, a portaria – que agrada à bancada ruralista, às
vésperas da análise da denúncia contra Temer por organização criminosa e
obstrução de Justiça - dificulta a punição de flagrantes situações degradantes.
Ministério Público: O governo está de mãos dadas com quem
escraviza
O Ministério Público do Trabalho reagiu de forma dura à
portaria. Para o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(Conaete) do MPT, Tiago Muniz Cavalcanti, a mudança viola tanto a legislação
nacional quanto compromissos internacionais firmados pelo Brasil.
"O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não
bastasse a não publicação da lista suja, a falta de recursos para as
fiscalizações, a demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação
do Trabalho Escravo (Detrae), agora o ministério edita uma portaria que afronta
a legislação vigente e as convenções da OIT. O Ministério Público do Trabalho tomará
as medidas cabíveis", disse por meio de nota.
O vice-coordenador nacional da Conaete, Maurício Ferreira
Brito, avaliou que o Ministério do Trabalho deseja modificar o conceito de
trabalho análogo ao de escravo do Código Penal. "O Ministério Público do
Trabalho não ficará inerte diante de mais uma ilegalidade e está reunido, junto
com outras entidades, públicas e privadas, para a adoção das medidas judiciais
e extrajudiciais na sua esfera de atuação", ressaltou.
Via - Portal Vermelho
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