segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Senado escreverá obituário político de Aécio

Senadores tendem a manter tucano fora do Congresso. Ex-político promissor virou garoto-enxaqueca da República. Será um pária no Congresso mesmo que volte ao mandato.


Um rato nu no limbo

Cartesiano, dono de um temperamento tranquilo e de invejável capacidade para o trabalho por meio do qual perseguia sempre a conciliação, o ex-senador Marco Maciel costumava pedir ao interlocutor um esforço para raciocinar em tese. “Não vamos fulanizar a questão”, apelava com a inconfundível voz mansa. “Tire o nome de sicrano do problema”, prosseguia, arrematando: “Agora reflita se a solução perseguida aplica-se a todos os casos em geral, salvo exceção”. Bingo! – sempre cabia um problema particular na tese genérica e as exceções poderiam ser tratadas caso a caso.

Maciel e seu cartesianismo simplificador hão de ser lembrados na sessão desta terça-feira 17 de outubro no plenário do Senado. Isso é uma má notícia para Aécio Neves, o neto de Tancredo que se converteu nos últimos três anos numa espécie de garoto-enxaqueca da República.

Recusando-se a aceitar o resultado democrático das urnas de 2014, que o derrotaram na disputa pela Presidência e reelegeram Dilma Rousseff, o senador mineiro jurou transformar o 2º governo da petista num inferno legislativo. Logrou êxito ao associar as ações da bancada do PSDB no Congresso às chantagens do facínora Eduardo Cunha, preso em Curitiba há mais de um ano. Tornou-se sócio desse governo que, carcomido pela corrupção, apodrece dia após dia. Flagrado em traficâncias financeiras com os irmãos Joesley & Wesley Batista, promoveu um achaque de R$ 2 milhões aos empresários, recebeu a grana por meio de um primo, lavou-a na empresa de um colega senador (Zezé Perrela, outrora investigado por associação ao tráfico em razão do episódio do helicóptero de cocaína) e se encontra afastado do mandato por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) a fim de não impor constrangimentos aos procedimentos que o investigam.

Quando o Supremo impôs a suspensão a Aécio ele buscou refúgio e cobertura na corporação que desonrara com seus atos desonestos e o linguajar trôpego e deselegante tornado público por meio da divulgação dos diálogos legalmente grampeados. Num primeiro momento a maioria dos senadores reagiu ao encontro dos anseios do tucano: rebelou-se e considerou afronta um dos três Poderes da República avançar contra a inviolabilidade do mandato popular e suspender um parlamentar (ou cassá-lo do convívio dos demais) sem que a Casa Legislativa tivesse sido consultada.

Seguindo a linha de desfulanização da equação institucional, regra basilar macielesca, apartando o nome “Aécio Neves” do problema que ele causara, havia sentido e rumo nas contestações à proatividade do STF contra o Congresso. No dia 11, antes do feriado, numa sessão confusa e esquisita, em meio a idas e vindas, os ministros do Supremo construíram uma saída por meio da qual conservaram o poder de impor medidas cautelares aos parlamentares – desde que cada Casa do Legislativo à qual pertença o deputado ou senador seja consultada em 24h. Estava construída a tese geral, dissipando a nuvens-chumbo do horizonte – e nela não cabia Aécio.

Agora, nesta 3ª feira, assistiremos à fulanização da questão (resolução do teorema de Maciel pelo método reverso):
é correto impor o afastamento do mandato a um senador que pediu R$ 2 milhões por fora da contabilidade a um empresário já investigado por corrupção?
Além do quê, esse mesmo senador, entre uma desqualificação e outra cometida contra os pares, e até mesmo aos presidentes da Câmara e do Senado (nos telefonemas gravados), vendeu hipotética interferência em empresa supostamente privada – a Vale – e ainda entabulou negociações para uma venda de fachada do apartamento da própria mãe (imóvel que pertencera ao avô, Tancredo Neves, e que sediara algumas das negociações mais tensas da “Diretas Já!” de 1984 e da participação da oposição no Colégio Eleitoral de 1985). Merece, ainda assim, o perdão do plenário e de um Poder Legislativo que sequer instaurou procedimento no Conselho de Ética contra ele?
É disso o que tratará o plenário do Senado a partir das 10h da manhã de 17 de outubro de 2017: o neto de Tancredo Neves, personagem que encolheu a dimensão de Minas Gerais na política brasileira, presidente do PSDB que enxovalhou a legenda levando-a a se tornar trincheira de um personalismo sem igual e jamais lançado mão por biografias bem maiores do que a dele como Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, José Richa, Franco Montoro, Euclides Scalco, Egídio Ferreira Lima e Cristina Tavares, merece um voto de confiança dos seus pares para seguir imune a punições?

Desfulanizada a tese sobre a qual debaterão os 79 outros senadores (Aécio não poderá ir à sessão e o presidente da Mesa, Eunício Oliveira, não vota), ouso dizer: o obituário político de Neves, Aécio; está a ser impresso nos prelos de quem assiste com espanto à vertiginosa degradação de alguém que parecia ter nascido para liderar e se esmerou, ao contrário, em constranger e envergonhar seus pares. Há 30 votos seguros contra Aécio no plenário – logo, ele restringe sua cabala a 49 colegas dos quais precisa extrair 41 votos favoráveis. Estimo que possa atingir uma votação de 44 votos, mas funcionários do Senado já entabulam bolões em que o mineiro surge com 33, 34 votos. E um experiente político, acostumado a antecipar placares do Legislativo, garante-me que o ainda presidente do PSDB não terá 39 votos no plenário. Apostas no pano verde do Salão Azul.

E assim morrerá Neves, que mesmo sobrevivendo à votação converter-se-á num pária do Parlamento. É refém desde sempre das más alianças que celebrou. Dele não se pode dizer, sequer, que “o Rei está nu”, pois nunca atingiu a Regência. Tampouco se dirá que “o príncipe está no limbo”, uma vez que jamais atuou na cena política como um seguidor dileto de Maquiavel – atuações que renderam a FH o apelido de Príncipe da Sociologia, e a Lula o de Príncipe Barbudo (um, pela ciência; o outro, pelo empirismo – ambos qualificam o debate político nacional). Que se vá, então, no populacho e se defina desde já: o rato está nu, no limbo.

Luís Costa Pinto

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