Senadores tendem a manter tucano fora do Congresso. Ex-político
promissor virou garoto-enxaqueca da República. Será um pária no Congresso mesmo
que volte ao mandato.
Cartesiano, dono de um temperamento tranquilo e de invejável
capacidade para o trabalho por meio do qual perseguia sempre a conciliação, o
ex-senador Marco Maciel costumava pedir ao interlocutor um esforço para
raciocinar em tese. “Não vamos fulanizar a questão”, apelava com a
inconfundível voz mansa. “Tire o nome de sicrano do problema”, prosseguia,
arrematando: “Agora reflita se a solução perseguida aplica-se a todos os casos
em geral, salvo exceção”. Bingo! – sempre cabia um problema particular na tese
genérica e as exceções poderiam ser tratadas caso a caso.
Maciel e seu cartesianismo simplificador hão de ser
lembrados na sessão desta terça-feira 17 de outubro no plenário do Senado. Isso
é uma má notícia para Aécio Neves, o neto de Tancredo que se converteu nos
últimos três anos numa espécie de garoto-enxaqueca da República.
Recusando-se a aceitar o resultado democrático das urnas de
2014, que o derrotaram na disputa pela Presidência e reelegeram Dilma Rousseff,
o senador mineiro jurou transformar o 2º governo da petista num inferno
legislativo. Logrou êxito ao associar as ações da bancada do PSDB no Congresso
às chantagens do facínora Eduardo Cunha, preso em Curitiba há mais de um ano.
Tornou-se sócio desse governo que, carcomido pela corrupção, apodrece dia após
dia. Flagrado em traficâncias financeiras com os irmãos Joesley & Wesley
Batista, promoveu um achaque de R$ 2 milhões aos empresários, recebeu a grana
por meio de um primo, lavou-a na empresa de um colega senador (Zezé Perrela,
outrora investigado por associação ao tráfico em razão do episódio do
helicóptero de cocaína) e se encontra afastado do mandato por determinação do
STF (Supremo Tribunal Federal) a fim de não impor constrangimentos aos
procedimentos que o investigam.
Quando o Supremo impôs a suspensão a Aécio ele buscou
refúgio e cobertura na corporação que desonrara com seus atos desonestos e o
linguajar trôpego e deselegante tornado público por meio da divulgação dos
diálogos legalmente grampeados. Num primeiro momento a maioria dos senadores
reagiu ao encontro dos anseios do tucano: rebelou-se e considerou afronta um
dos três Poderes da República avançar contra a inviolabilidade do mandato
popular e suspender um parlamentar (ou cassá-lo do convívio dos demais) sem que
a Casa Legislativa tivesse sido consultada.
Seguindo a linha de desfulanização da equação institucional,
regra basilar macielesca, apartando o nome “Aécio Neves” do problema que ele
causara, havia sentido e rumo nas contestações à proatividade do STF contra o
Congresso. No dia 11, antes do feriado, numa sessão confusa e esquisita, em
meio a idas e vindas, os ministros do Supremo construíram uma saída por meio da
qual conservaram o poder de impor medidas cautelares aos parlamentares – desde
que cada Casa do Legislativo à qual pertença o deputado ou senador seja
consultada em 24h. Estava construída a tese geral, dissipando a nuvens-chumbo
do horizonte – e nela não cabia Aécio.
Agora, nesta 3ª feira, assistiremos à fulanização da questão
(resolução do teorema de Maciel pelo método reverso):
é correto impor o afastamento do mandato a um senador que
pediu R$ 2 milhões por fora da contabilidade a um empresário já investigado por
corrupção?
Além do quê, esse mesmo senador, entre uma desqualificação e
outra cometida contra os pares, e até mesmo aos presidentes da Câmara e do
Senado (nos telefonemas gravados), vendeu hipotética interferência em empresa
supostamente privada – a Vale – e ainda entabulou negociações para uma venda de
fachada do apartamento da própria mãe (imóvel que pertencera ao avô, Tancredo
Neves, e que sediara algumas das negociações mais tensas da “Diretas Já!” de
1984 e da participação da oposição no Colégio Eleitoral de 1985). Merece, ainda
assim, o perdão do plenário e de um Poder Legislativo que sequer instaurou
procedimento no Conselho de Ética contra ele?
É disso o que tratará o plenário do Senado a partir das 10h
da manhã de 17 de outubro de 2017: o neto de Tancredo Neves, personagem que
encolheu a dimensão de Minas Gerais na política brasileira, presidente do PSDB
que enxovalhou a legenda levando-a a se tornar trincheira de um personalismo
sem igual e jamais lançado mão por biografias bem maiores do que a dele como
Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, José Richa, Franco Montoro, Euclides
Scalco, Egídio Ferreira Lima e Cristina Tavares, merece um voto de confiança
dos seus pares para seguir imune a punições?
Desfulanizada a tese sobre a qual debaterão os 79 outros
senadores (Aécio não poderá ir à sessão e o presidente da Mesa, Eunício
Oliveira, não vota), ouso dizer: o obituário político de Neves, Aécio; está a
ser impresso nos prelos de quem assiste com espanto à vertiginosa degradação de
alguém que parecia ter nascido para liderar e se esmerou, ao contrário, em
constranger e envergonhar seus pares. Há 30 votos seguros contra Aécio no
plenário – logo, ele restringe sua cabala a 49 colegas dos quais precisa
extrair 41 votos favoráveis. Estimo que possa atingir uma votação de 44 votos,
mas funcionários do Senado já entabulam bolões em que o mineiro surge com 33,
34 votos. E um experiente político, acostumado a antecipar placares do
Legislativo, garante-me que o ainda presidente do PSDB não terá 39 votos no
plenário. Apostas no pano verde do Salão Azul.
E assim morrerá Neves, que mesmo sobrevivendo à votação
converter-se-á num pária do Parlamento. É refém desde sempre das más alianças
que celebrou. Dele não se pode dizer, sequer, que “o Rei está nu”, pois nunca
atingiu a Regência. Tampouco se dirá que “o príncipe está no limbo”, uma vez
que jamais atuou na cena política como um seguidor dileto de Maquiavel –
atuações que renderam a FH o apelido de Príncipe da Sociologia, e a Lula o de
Príncipe Barbudo (um, pela ciência; o outro, pelo empirismo – ambos qualificam
o debate político nacional). Que se vá, então, no populacho e se defina desde
já: o rato está nu, no limbo.
Luís Costa Pinto
No Poder 360
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