segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A capivara de um quase banqueiro

O Dr. Meirelles sonha com a presidência. Sei não. Suas credenciais, para o mundo político, não são lá grande coisa. Acho difícil, em eleições diretas, livres, o povo o eleger um quase banqueiro, milionário, que esteve muito ligado a empresários suspeitos de intensa atividade criminosa.


Henrique Meirelles, ministro da Fazenda do governo Michel Temer, é engenheiro pela POLI/USP. Uma escola pública de elite da melhor universidade brasileira. Um homem preparado, capaz, fez carreira de sucesso no setor financeiro. Atingiu o ápice e se aposentou como CEO do Bank of Boston, centenária instituição dos EUA, extinta há cerca de dez anos.

As razões do sucesso de um executivo são sempre múltiplas. Ele se destacou dirigindo a filial do banco no Brasil, a partir de São Paulo, tendo como cliente a plutocracia nacional, em grande parte porque sempre foi muito mais fácil ganhar dinheiro com bancos no hemisfério sul do mundo do que lá em cima.

É simples entender: as taxas de juros praticadas, do crédito ao governo e às pessoas jurídicas, são por aqui muito maiores do que por lá; e quando vamos às pessoas físicas as taxas juros e de cobrança de serviços são escandalosas, mas tão elevadas que se praticadas nos EUA os banqueiros por lá receberiam voz de prisão por crime de usura.

Resultados espetaculares no Brasil cacifaram Henrique Meirelles para o comando da matriz da instituição. Daí a confusão que muitos fazem qualificando-o como banqueiro. Nunca foi banqueiro – banqueiro é dono de banco. Encerrou a carreira como alto executivo. Como passou a pensar como seus patrões é, digamos, um quase banqueiro.

Aposentadoria precoce e generosa, como mandam as regras corporativas da elite do setor privado, Dr. Meirelles achou que era hora de tentar brilhar também na política. Nas eleições de 2002 buscou a indicação do PSDB ao Senado Federal, pelo seu estado natal, Goiás. Inteligente, percebeu que seria fritado na convenção do partido. Recuou e saiu candidato a deputado federal. Nunca fez política no estado, mas esse é sempre um detalhe para quem tem muito dinheiro. Bancou sua eleição com grana do próprio bolso, gastando cerca de R$ 1 milhão, declarados ao TRE, com uma campanha profissional, com avião, equipe de TV e promoção de shows. Dizem que a conta foi muito mais alta. Foi o mais votado no estado.

Eleito deputado federal, renunciou ao mandato, após a diplomação, por ter aceitado o convite do então presidente eleito, Lula, do PT, para presidir o Banco Central. Deixou também o PSDB. Um caso clássico da junção da “fome com a vontade de comer”. Lula precisava acalmar o mercado e a banca – que são donos de grande parte do país – e o Dr. Meirelles sonhava em dar as cartas no setor financeiro. Lá ficou os oito anos dos mandatos de Lula. Não comprometeu, mas por lá nada fez de diferente que os seus antecessores.

O Banco Central no país é uma espécie de guarda circunspecta, engomada, dos interesses dos grandes bancos, patrocinando as fusões que salvam os banqueiros incompetentes da bancarrota e alavancam os negócios dos mais espertos, controlando o câmbio e a taxa de juros básica da economia (que remunera os bancos privados nos seus empréstimos ao governo).

Findo o governo Lula, Dr. Meirelles pensou em reiterar seu interesse pela política, sonhou com o governo de Goiás, agora pelo PMDB. Mas de novo viu dificuldades, sentiu que estavam mais interessados no seu dinheiro que na sua liderança, e se recolheu.

No mercado, convites choveram. Aceitou, em 2012, o chamado dos magnatas da carne, os notórios irmãos Batista – que encontram-se em prisão preventiva desde setembro passado, por estripulias várias -, para implantar um banco inovador, digital, de nome Banco Original, com 100% do controle nas mãos da J&F Participações, holding dos bacanas.

Foi bem pago, o Dr. Meirelles. Recebeu algo como R$ 180 milhões pelos serviços prestados à J&F entre os anos de 2012 e 2016. O valor está revelado no seu perfil, feito pela jornalista Malu Gaspar, publicado na edição de novembro da revista Piauí. À jornalista ele disse que o valor “é até muito pequeno”, uma vez que o Banco Original, montado por ele para a família Batista durante esse período, “vale uma fortuna, e que será paga em dez, vinte anos”. Ao se despedir do Banco Original, o Dr. Meirelles deixou também um prejuízo de R$ 36 milhões na instituição (Balanço de 2016). O banco até o momento nunca deu lucro.

Sobre sua relação para lá de especial com os Batista, a Piauí conta que o agora ministro, quando presidente do conselho de administração da J&F, entre 2014 e 2016, assinou, como manda a lei, atas de reuniões e balanços de final de ano. Entretanto ele confessou, num momento de deslize ou franqueza, que era tudo fake. “O conselho nunca se reuniu”, declarou à revista.

Nossa imprensa investigativa – com tantos intrépidos (sic) jornalistas que se destacam em VEJA, Folha de S.Paulo, Estadão e Rede Globo, que quase tiveram orgasmos nas matérias infindáveis sobre apartamentos de 150 m2, pedalinhos e reformas em edículas de sítios – não se interessou pelo tema da relação entre o quase banqueiro, que tinha dirigido o Banco Central por quase uma década, e os magnatas da carne e da celulose, hoje enjaulados, e que tentavam uma ponta, para ganhar uma graninha, também no setor financeiro.

Há poucos meses, após divulgação da existência de um “trust” de sua propriedade nas Bermudas, um paraíso fiscal, o Dr. Meirelles afirmou que o objetivo do mesmo seria filantrópico, para gerir o destino de sua fortuna pessoal após o seu passamento.

Ministro da Fazenda do governo Michel Temer, ele afirmou, no início do mês, pela primeira vez, que se considera um presidenciável para as eleições de 2018. Em entrevista à Veja, cutucado por um jornalista, respondeu: “Sim, sou presidenciável. As pessoas falam comigo, me procuram, mas ninguém me cobra uma definição.”

O Dr. Meirelles sonha com a presidência. Sei não. Suas credenciais, para o mundo político, não são lá grande coisa. Um quase banqueiro, milionário, que esteve muito ligado a empresários suspeitos de intensa atividade criminosa, ministro da Fazenda de um governo cuja agenda principal é a diminuição de direitos do mundo do trabalho, que promove uma reforma previdenciária rejeitada por quase todos os brasileiros e cujo resultado em termos de crescimento econômico é medíocre.

Acho difícil, em eleições diretas, livres, o povo o eleger. Não é impossível, mas improvável. Talvez pudesse o Dr. Meirelles se dedicar, ao deixar o governo Temer, a patrocinar ações filantrópicas pelo Norte e Nordeste do país dando destinação social à sua considerável fortuna, esquecendo essa história esquisita de “trust” nas Bermudas e aí, quem sabe, em 2022, ele possa ter alguma chance como candidato à presidência da República. Continuará difícil, a idade será mais um complicador, mas pelo menos ele terá algo a apresentar ao povo, além do seu trabalho, como bancário eficientíssimo, de multiplicar o patrimônio dos muito ricos.

Claudio Guedes

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