quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

O MINUTO DE BARBOSA


Aquilo foi pouco tempo, menos de um minuto. Gighia passou por Bigode no meio do campo e veio vindo. Uns dizem que Bigode ficou acovardado. Outros lembram ainda do tapa que Bigode levara há pouco de Obdulio Varela e não reagira. Time medroso. O cúmulo da covardia diante da  pátria de chuteiras.

Gighia avança, Fontana o acompanha de longe, voltando de costas, sem dar combate. Barbosa começa a pular nervoso, de sobreaviso - saio ou não saio? Milhões de olhos o acompanham, os músculos se retesam, os olhos não perdem um lance da aproximação de Gighia, que avança.

De todos os lados os olhos ansiosos estavam pregados naquela cena que se desenrolava veloz, Gighia já está entrando na grande área conduzindo a bola de cabeça baixa como um búfalo furioso, toda perseguição parecia inútil. O Maracanã, com mais de sessenta milhões de pessoas, toda a população brasileira daquela época, assistia mudo Aparício Varela entrando na área.

Tempos modernos, agora não eram trinta e três, mas somente onze. Capazes de anular toda a República, como um dia abalaram o Império. Os uruguaios estão chegando. Gighia chega mais perto e desfere o chute. Barbosa tem pouco tempo. Prepara-se nervoso, retesa os músculos e salta. A bola resvala em seus dedos e sai pra escanteio. O Maracanã respira aliviado. O jogo continuava empatado.

Terminado o jogo, éramos os melhores do mundo. Aquele dia os milhões de pessoas que lotavam o Maracanã não viram Barbosa cabisbaixo buscar a bola do desempate uruguaio no fundo das redes. Não houveram os pulos de alegria que Gighia dava com o jogo virado. Não houve a festa celeste. Não houve lágrimas entre a torcida brasileira, nem choros convulsivos dentro e fora do gramado. E, principalmente, não houve Obdulio Varela levantando a taça como o Gumercindo Saraiva que finalmente amarrava seus cavalos no centro do Rio.

Se Barbosa não tivesse espalmado aquele chute, viveria uma vida de caras viradas, de palavras rudes, de recriminação, de silencio e esquecimento. Teria que viver explicando que não fora frango, que não havia caveira de burro enterrada debaixo de sua meta. Não, a bola enfiada por Gighia não passara por entre seus dedos com o resto de sua vida. O minuto que começara com o drible e a arrancada havia terminado.

Ghigia não marcara o gol, e agora o Maracanã agradecido aplaudiu os artilheiros. Encerrado o jogo, cartolas invadiriam o gramado, felizes. Afinal, agora eles seriam consagrados como responsáveis pela conquista, desde as goleadas contra Suécia e Espanha até àquele suado empate com o Uruguai, dentro do Maracanã lotado. Os cartolas todos foram posteriormente eleitos deputados federais, e fizeram brilhante carreira na política.

Canções foram compostas para louvar os artilheiros, seus salários foram melhorados. Um filme foi rodado com os gols da partida, mostrando as cenas de júbilo e entusiasmo da torcida. Era o primeiro campeonato do mundo de futebol conquistado pela seleção brasileira. E dentro de nossa casa! O filme com o jogo da final de 1950 passou nos cinemas de todo o País, e mostrou aos meninos a glória de vestir o uniforme branco da seleção brasileira.

Depois de ter com a ponta dos dedos espalmado o chute venenoso de Ghigia, segregado àquela estranha profissão de hunos, sempre pisando onde não nascia grama, Barbosa continuaria em silêncio sua sina de buscar bolas no fundo do gol.



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