Um ancião octogenário foi para mim, um dos melhores amigos
que tive na infância. Não havia outro alguém mais caricato por aquelas paragens
do meu tempo de menino.
Trajava roupas surradas, um surrado conga azul nos pés e um
velho embornal onde fazia questão de guardar um mistério jamais revelado.
Alagoano de nascimento, adotou Marilena como sua terra, e lá
entrou para o rol das personalidades típicas e peculiares daquele pedaço de
chão.
Um timbre de voz forte e os termos nordestinos que proferia,
o velho Mané Laranjeira prendia a atenção de muitos, mesclava em sua
personalidade, lucidez e loucura, características típicas dos grandes gênios
que não saíram do anonimato.
Exímio contista das histórias de assombração em noites
enluaradas onde na varanda de casa, ele as narrava para meu pai e minha mãe, e
eu, dominado pela curiosidade, tudo ouvia apavorado de medo. Falava de casas mal assombradas, do padre que
virou porco, de lobisomens, do bravo João soldado. Em uma dessas noites,
confidenciou-nos que fez parte da volante do tenente Bezerra, aquela que matou
Lampião e seu grupo em Angicos no Sergipe.
Amante do futebol tinha em Pelé seu maior ídolo e jamais
perdoou Zico por ter perdido no tempo normal, um pênalti nas semifinais do
mundial de 1986 contra a França de Platini.
Locomovia-se auxiliado por um cajado. Paupérrimo e sem
dentes, o velho amigo desdenhava da morte e sorria para a vida. Beleza ausente,
outros tantos meninos tinham medo de sua presença, porém a mim, era um prazer
tê-lo e ouvi-lo declamar literaturas de
cordel.
Zombava de fantasmas e espíritos do outro mundo, a noite,
freqüentava o cemitério em busca de paz e reflexão, respeitador das famílias,
Laranjeira era uma figura comum, mas ao mesmo tempo única.
Vivia em um casebre sem água nem luz elétrica, quase
solitário, não fosse a companhia de leão, seu fidelíssimo cão vira-lata. . .
Hoje depois de tanto tempo, ainda reconheço que Laranjeira
foi uma das personalidades mais brilhantes que conheci, lamento apenas ele ter
feito parte de minha história em tão verde época de minha vida, eu teria
aprendido muito com o velho das Alagoas, se eu não fosse tão menino.
Deixou-nos em meados de junho do ano 1987, saiu de cena o
velho artista da vida real, o mundo nunca mais produziu outro igual.
Deixo aqui registrada essa homenagem em memória do memorável
Manoel Alves da Silva.
Muitas saudades, a
sua benção meu velho e querido MANÉ LARANJEIRA.
Mateus Brandão de Souza – Graduado em História pela FAFIPA.
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