quinta-feira, 22 de março de 2018

Déficit de empatia: a incapacidade da direita de se solidarizar com a dor alheia

Quem defende "direitos humanos para humanos direitos" na verdade há muito perdeu a humanidade, se é que algum dia a possuiu.


Que país é este? Uma mulher negra, bonita, inteligente, uma política eleita, uma mãe, uma filha, o amor de alguém, recebe quatro tiros na cabeça numa emboscada. Pam, pam, pam, pam. Seu crânio ficou tão destroçado que não foi possível abrir o caixão no funeral para que seus entes queridos se despedissem do seu rostinho. Sua filha adolescente não pôde lhe dar o último beijo. Qualquer ser humano se sentiria tocado com uma brutalidade dessas. Menos a direita brasileira.

Qualquer ser humano com sensibilidade para sentir a dor do outro, para se colocar no lugar do outro, se sentiria indignado com a covardia de matar uma mulher não porque ela estivesse armada, ou cometendo algum crime, mas por pensar e por expor suas ideias. Os únicos “crimes” de Marielle Franco: ser contra o sistema e ser negra; defender os irmãos da favela da violência policial; denunciar o genocídio dos jovens negros. Qualquer ser humano se sentiria indignado com a tragédia da morte de uma inocente. Menos a direita brasileira.

Percebe-se, pelas reações de direitistas nas redes sociais, que quem defende “direitos humanos para humanos direitos” na verdade há muito perdeu a humanidade, se é que algum dia a possuiu. É gente incapaz de sentir compaixão pelo próximo, a não ser que sejam pessoas de sua própria família. Que desconhece o significado da palavra “empatia” simplesmente porque não possui em si este sentimento. São aleijados de empatia. Não só são incapazes de se solidarizar com a dor e a tristeza alheias, como tripudiam delas, pisam em cima. Em vez de chorar a perda sofrida pelo outro, dizem que é “mimimi”.

Isso não é só impressão: estudos feitos nos Estados Unidos mostram que existe um “déficit de empatia” por lá. Nas últimas três décadas, a capacidade de se sentir solidário à dor do outro vem caindo dramaticamente entre os jovens. Um estudo de 2010 da Universidade de Michigan mostrou que os estudantes norte-americanos de hoje possuem 40% a menos de empatia do que os jovens de 1979. De acordo com o estudo, os estudantes em geral se descrevem cada vez menos como “sensíveis” ou “preocupados” com seu semelhante, e admitem que a “desgraça alheia” não os perturba.

Assistimos no Brasil um fenômeno similar em relação à execução da vereadora do PSOL. Com a participação de um deputado, presidente do DEM do Distrito Federal, de uma desembargadora e de (de)formadores de opinião reacionários, estes seres humanos desumanizados dedicaram os últimos dias a achincalhar e vilipendiar a memória de Marielle Franco, a ponto de um portal de grande audiência passar o domingo com o desmentido no alto da homepage: “Marielle não foi casada com Marcinho VP nem eleita pelo Comando Vermelho”. Algo inútil, porque o mais grave não é que se espalhem boatos, é que os espalhadores de boatos sabem que os boatos são boatos. Espalham mentiras propositalmente.

Faz parte da estratégia de “melhorar” a execução de Marielle caluniá-la, transformando a vítima em culpada, costume manjado da extrema-direita. A mulher é culpada de seu próprio estupro porque “provocou” ao usar roupa curta e sexy; a mulher é culpada de seu próprio espancamento porque “provocou” o marido; a mulher é culpada de sua própria execução porque “provocou”. São raciocínios gêmeos de “é pobre porque não se esforçou”.

Todos os dias, desde a última quarta-feira, tenho recebido prints de postagens abomináveis sobre a vereadora executada. Da síndica de um prédio em Curitiba ao bolsominion do Pará, perfis de direita compartilham mentiras e enxovalham a biografia de uma pessoa barbaramente assassinada que tudo que fez na vida foi lutar contra a violência, apenas porque tinha uma ideologia diferente da sua.

O racismo fica explícito nas calúnias. Ora, Marielle não pode ser uma mulher negra que estudou e se tornou uma socióloga reconhecida, uma vereadora campeã de votos no Rio de Janeiro. A “meritocracia” que eles tanto elogiam não serve para ela. Marielle tem que ser “bandida”, usuária de drogas, ter ligações com o tráfico e com o crime organizado. Assim eles podem dormir com a consciência tranquila.

Eu não vou dar voz a estas aberrações, não vou fazer com que seu discurso de ódio reverbere ainda mais. Só vou lamentar a perda de sentimentos como solidariedade, amor ao próximo, respeito, tolerância. O pior é que muitas destas pessoas sem coração se dizem “cristãs”. Esta, no fundo, é a maior mentira de suas vidas.

Cynara Menezes

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