Entre as promessas de "Marito" Abdo, filho do
secretário particular de Stroessner, está vetar qualquer tentativa de legalizar
o casamento gay.
Tradução: Cynara Menezes
Quase três semanas depois das eleições para presidente,
congresso e governos regionais no Paraguai, os resultados das urnas permanecem
causando polêmica. O vencedor, por uma diferença de apenas 3,7%, segundo os
resultados parciais, foi o senador Mario Abdo Benítez, o “Marito”, candidato do
Partido Colorado, que derrotou o adversário, o opositor Efraín Alegre, liberal,
da Alianza Ganar.
A partir do início da contagem oficial dos votos começaram
as denúncias e protestos. Entre acusações de fraude por parte da Alianza Ganar
e o pedido de recontagem oficial, Alegre se negou a admitir a derrota. Tudo
isso colocou em dúvida a confiabilidade não só dos resultados como do sistema
eleitoral paraguaio como um todo, minha área de pesquisa acadêmica. No entanto,
o triunfo de Abdo já é oficial.
Com 46 anos, Marito é filho do antigo secretário particular
do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, que governou o país de 1954 a 1989.
Stroessner encabeçou um processo de modernização conservadora que impulsionou o
desenvolvimento de infraestrutura neste pequeno país sul-americano e o orientou
para a agroindústria.
Ao mesmo tempo, durante 35 anos, ergueu um regime
autoritário brutal. Deixou como saldo mais de 20 mil vítimas diretas de
violações de direitos humanos, com 18772 pessoas torturadas, 9862 detidos de
forma arbitrária, 3470 exilados, 336 desaparecidos e 59 executados
extrajudicialmente, segundo os informes da Comissão da Verdade e da Justiça. O
Paraguai tem atualmente uma população de 6,7 milhões de habitantes.
O pai do presidente eleito Mario Abdo Benítez, seu homônimo,
formou parte do círculo mais íntimo do ditador, conhecido como o quarteto de
ouro. Como secretário particular de Stroessner, Abdo Benítez desenvolveu o
papel de articulador e referência da juventude colorada que respaldava o
regime.
Durante a campanha presidencial, Abdo sempre evitou se
colocar no lugar de defensor do ditador. Diante das perguntas sobre qual sua
opinião em relação a Stroessner, tentou separar a política repressiva de outros
aspectos do regime. “Não posso respaldar a tortura, a corrupção, o
autoritarismo, a perseguição à imprensa”, disse, em uma entrevista ao jornal
ABC, “mas, em seu momento, quando houver sentimentos menos apaixonados, se
poderá fazer um julgamento mais equilibrado de Stroessner”.
É preciso reconhecer também que quase um terço dos votantes
registrados no tribunal eleitoral nasceram em tempos de democracia. Neste
sentido, pode ser que o resultado apertado tenha mais a ver com algumas das
propostas e posturas conservadoras de Abdo. Antes de ser indicado como o
candidato oficial do Partido Colorado, Marito começou a pré-campanha de 2017
criticando as políticas econômicas e sociais do presidente colorado Horacio
Cartes. Inclusive o questionou sobre a utilização do cargo para facilitar a
ampliação de seus negócios como magnata do tabaco.
Esta estratégia tentava capitalizar o desgaste geral com o
Partido Colorado, após vários anos no poder. Este partido, que é o partido de
Stroessner, governou o Paraguai de forma ininterrupta desde 1948. Em 2008, os
paraguaios elegeram como presidente um sacerdote progressista, Fernando Lugo,
mas ele foi destituído em 2012 antes de terminar seu mandato de cinco anos.
Oficialmente, o Congresso destituiu o presidente após “a matança de Curuguaty”,
uma violenta repressão policial a camponeses sem-terra que custou a vida de 11
agricultores e 6 policiais.
O Partido Colorado voltou ao poder em 2013, com a eleição do
atual presidente Cartes.
Uma vez nomeado candidato oficial, Abdo se posicionou mais
confortavelmente com posturas conservadoras tradicionais. Diante das posições
mais progressistas de seu adversário, defendeu o serviço militar obrigatório
para os jovens paraguaios, explicando que o serviço militar não é somente uma
oportunidade de educação, mas “uma ferramenta a mais” para aquelas mães em
situação de vulnerabilidade que não conseguem controlar os filhos. Abdo também
se opôs às demandas feministas de descriminalizar o aborto no Paraguai e
prometeu vetar qualquer tentativa de legalizar o casamento gay.
Em geral, estas bandeiras conservadoras não confrontavam
posições de seu adversário nem respondiam a propostas concretas da sociedade
civil paraguaia. Em minha concepção, não havia chance real de que o Paraguai
impulsionasse leis contra o serviço militar obrigatório nem a favor do
matrimônio igualitário nesta conjuntura. Mas incitar o medo do progressismo
ajudou Abdo a colocar seu adversário em situações incômodas perante amplos
setores da sociedade com acentuado pensamento conservador.
Ao mesmo tempo, projetou a si próprio como defensor dos valores
tradicionais católicos latino-americanos, num momento em que toda a região está
experimentando uma guinada à direita. Brasil, Argentina e Chile, anteriormente
conhecidos por sua liderança de esquerda, também viram presidentes
conservadores chegarem ao poder nos últimos anos.
Com o triunfo de Mario Abdo, o Paraguai continua inserido no
caminho do conservadorismo em que se recolocou após a destituição de Lugo em
2012. O presidente eleito prometeu manter os impostos baixos e buscar melhores
formas de investir na educação e na saúde.
Mas no Paraguai parece que o velho retorna com rostos
remoçados. Há uma década, a entrada de figuras midiáticas, empresários como o
presidente Cartes e outsiders como Lugo, um ex-bispo católico, à cena política
fez alguns analistas vaticinarem que o Paraguai estava entrando em uma nova era
política.
Ao que tudo indica, isso mudou. Os mesmos partidos de sempre
voltaram a ser os grandes protagonistas das últimas eleições, tanto em nível
nacional como local, com políticos profissionais nas principais candidaturas.
Este retorno à política tradicional já começa a se notar nos primeiros nomes
escolhidos pelo presidente eleito. Os primeiros anúncios de Abdo para seu
gabinete foram na Chancelaria e no ministério do Interior, com dois políticos
de longa trajetória.
Marcando uma diferença com seu antecessor, Cartes, que
privilegiara burocratas e executivos do setor privado, Abdo voltou a considerar
expoentes do Partido Colorado para o novo gabinete. Desta forma, o retorno às
forças tradicionais de seu partido é a primeira marca do início de seu governo.
*Ignacio González Bozzolasco é professor de Política
Comparada na Universidade Católica de Assunção.
Via - Socialista Morena
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