Com justificativa de que o Ministério da Educação (MEC)
trabalha com rombo de quase R$ 11 milhões no Programa Bolsa Permanência, o
ministro da educação, Rossieli Soares, comunicou nesta terça-feira (29) cortes
no auxílio financeiro a indígenas e quilombolas que estudam em universidades
federais. Em reunião com 20 estudantes que viajaram a Brasília para defender o
programa, o ministro informou que dispõe de 800 vagas anuais.
Guilherme Cavalli
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Via – Portal Vermelho
A realidade: a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC) divulgou que no primeiro
semestre universidades federais receberam matrículas de 2.500 indígenas e
quilombolas. Segundo a delegação, as inscrições ocorrem por contar com o apoio.
A proposta do MEC apresentada para a delegação vinda das
cinco regiões do país é de que, para o corte de mais de aproximadamente 4 mil
vagas anuais da Bolsa Permanência, fosse criado um Grupo de Trabalho composto
pelos próprios indígenas e quilombolas. A equipe teria missão de “cunhar
critérios” para estabelecer quem receberia a bolsa. A proposição foi repudiada
sob a argumentação de que “não irão legitimar a retira direitos e a exclusão
dos próprios parentes”.
“Pedir para criar uma comissão para que quatro pessoas
resolvam o problema do Governo? Não aceitaremos. É uma maneira que o MEC está
arrumando de diminuir o acesso de indígenas e quilombolas no ensino superior”,
comentou Marcley Pataxó. Em carta, os estudantes caracterizam que proposta fere
os direitos dos povos. Acesse o documento aqui.
“O ministro nos trouxe até Brasília para ser frio, ríspido,
não se dispor a ouvir as demandas e saber das realidades. Veio só para dar a
decisão que já estava tomada e dizer que precisava sair para reunião com Temer.
Não veio para um diálogo, somente para uma imposição”, questiona Luana
Kumaruara, estudante de Antropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará
(Ufopa).
“Essa reunião mostra os retrocessos nos nossos direitos,
onde se tenta atacar uma política já garantida. Saímos frustrados com a
decisão. Essa política de ação afirmativa foi criada para atender uma
vulnerabilidade, como fazer distinção de quem é vulnerável ou não entre os
vulneráveis?”
A reunião estava marcada desde o Acampamento Terra Livre
(ATL), que ocorreu em Brasília de 23 a 27 de abril, quando estudantes indígenas
exigiram respostas pela não publicação do edital do Bolsa Permanência. A agenda
com o ministro ocorreu após pressão de indígenas e quilombolas em Brasília.
No dia 22, durante semana de mobilização, Vicente de Paula
Almeida Júnior, da Diretoria de Políticas e Programas de Educação Superior,
afirmou que o MEC aguardava aprovação orçamentária da Subsecretaria de
Planejamento do ministério para aprovar o programa e que o fim do auxílio seria
“boato para fazer terrorismo por intensão política”. Ontem, sustentaram que o
orçamento não será suficiente para garantir a continuidade do programa nos
moldes anteriores.
“Saímos daqui sem aceitar esse acordo desrespeitoso. Várias
regiões e delegações acharam um acordo humilhante. Não dá para aceitar que uma
conquista das nossas lideranças seja retirada. Não vamos aceitar nenhum
retrocesso nessas políticas”, assegurou a liderança indígena Kumaruara.
Para o coordenador Movimento Unido dos Povos e Organizações
Indígenas da Bahia (Mupoiba), Kâhu Pataxó, o MEC legitima o racismo sistemático
do Estado brasileiro contra os povos indígenas e quilombolas. “É uma dívida
histórica negada mais uma vez. Não aceitamos. Procuraremos outras formas para
resolver essas violências”, sustenta o acadêmico de direito.
“Nos oferecem 800 vagas para situação que temo vivido, com
estudantes sofrendo pressões por não saber onde irão dormir no próximo mês.
Além de enfrentarmos o racismo do ambiente universitário, a permanência é
afetada porque Estado Brasileiro não cumpre seu papel de dar condições
inclusivas”, relatou Kâhu.
Educação não é prioridade para Temer
No primeiro orçamento aprovado após a vigência da Emenda
Constitucional do Teto de Gastos (EC 95), que limita as despesas públicas à
inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos, o MEC teve um corte de 30%.
Em 2018, a Lei Orçamentária destinará R$ 109 bilhões para a
Educação e R$ 316 bilhões com o pagamento de juros da dívida, devido aos altos
juros. Síntese: o governo gaste com juros da dívida três vezes mais do que com
Educação. Os cortes na Bolsa Permanência são reflexos dessa política. Um
levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra
que “no planejamento do governo em 2018, o orçamento previsto é de apenas R$ 5
bilhões para universidades, enquanto em 2017 foi de R$ 8 bilhões e de R$ 15
bilhões em 2015”.
“Governo investe e compra deputados para aprovar leis.
Quando se fala em investir em educação, eles vêm com a desculpa orçamentária”,
lamenta Kâhu Pataxó. “Começaremos nossas jornadas de luta e esperamos do
ministério propostas que sejam mais palpáveis às realidades. Apresentar uma
proposta dessas é achar que somos ignorantes”.
Segundo o Inesc, “mesmo que a arrecadação cresça não haverá
aumento de recursos para a área da educação”, o que comprova um achatamento dos
gastos estatais com despesas sociais, como o programa Bolsa Permanência. O
mesmo estudo aponta que com a PEC do Congelamento dos gastos, ocorreu uma queda
de 19% da participação da Educação no bolo do Orçamento da União em 2017.
Criado em 2013, o Bolsa Permanência é uma ação que oferece
auxílio financeiro a estudantes indígenas e quilombolas matriculados em
instituições federais de ensino superior. Desde sua criação, o programa atendeu
7.370 indígenas, 2.666 quilombolas e 9.563 estudantes de baixa renda, que
deixaram de receber o auxílio em 2016. O valor destinado para a assistência
estudantil em 2018 corresponde a 137 milhões.
O Ministro da Educação
Indicado por Mendonça Filho (DEM-PE), ministro anterior que
deixou o cargo por cogitar disputar o governo do Pernambuco ou formar uma chapa
como vice, Rossieli Soares responde pelo MEC há um mês. Formado em Direito, com
especializações em direito ambiental e em processos de licitações e mestrado em
Gestão e Avaliação Educacional, Soares foi indicação política do Democratas
(DEM).
Quando indígenas e quilombolas acusaram atual governo de
promover cortes em programas sociais e políticas de educação, o ministro saiu
em defesa de Michel Temer. “Lembrem vocês que quem faliu o Brasil foi o outro
Governo”, defendeu rispidamente.
Entre os destaques da carreira do homem considerado nomeação
técnica para o ministério, em outubro de 2017, Rossieli foi condenado pelo
Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Amazonas a devolver R$ 1,4 milhões por
falta de comprovação de uso de recursos financeiros. Na época da
irregularidade, gestor respondia pelo Fundo Estadual de Incentivo ao
Cumprimento de Metas da Educação Básica.
Por Guilherme
Cavalli, no CIMI
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