Apesar da legislação brasileira já ser bastante conservadora,
nos últimos anos, dezenas de projetos de lei tentam restringir ainda mais o
direito ao aborto no Brasil, ou mesmo proibi-lo por completo.
Lula Marques/FotosPúblicas |
É o caso do PL 7.443/2006, de autoria do ex-deputado Eduardo
Cunha (MDB-RJ), que propõe tornar a prática crime hediondo. O projeto,
atualmente, aguarda o parecer do Relator na Comissão de Defesa dos Direitos da
Mulher (CMULHER) para ser votado.
Outro caso é o do PL 478/2007, conhecido como o Estatuto do
Nasciturno. O projeto foi denunciado pela advogada Ana Lúcia Keunecke,
integrante da DeFEMde Rede Feminista de Juristas, na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
No entanto, o PL continua em trâmite. E está pronto para ser
discutido na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara
dos Deputados.
A advogada alerta que o mais perigoso entre os projetos em
trâmite é a Proposta de Emenda à Constituição nº25/2015. Apresentada pelo
senador Magno Malta (PR-ES).
O documento já foi assinado por 27 senadores e aguarda
designação de relator na CCJC. A PEC pretende mudar a redação do artigo 5º da
Constituição Federal para todos são iguais perante a lei "desde a
concepção".
"Todos os dias tem uma legislação que tenta impedir a
mulher de abortar. Por exemplo: todos os projetos de lei que tratam sobre a
infância, tentam enfiar um artigo contra o aborto ou legislando contra o corpo
da mulher. Isso acontece semanalmente. Os movimentos sociais não têm força para
barrar isso. Mas, eu acredito que, se todos os setores se unissem, como
aconteceu na Argentina, teriam muita mais força e voz do que a parte que é
contra a vida das mulheres", explicou Keunecke.
Realidade social
A advogada Ana Lúcia Keunecke conta que a DeFEMde já
encaminhou inúmeras mulheres vítimas de estupro para o hospital Pérola
Byington, em São Paulo, o mais importante serviço de aborto legal do país.
"O aborto legal não funciona no Brasil. A maioria dos
estados não atende essas mulheres. Elas vêm de diversas partes do país por não
conseguir realizá-los em suas cidades. Mesmo assim, o Ministério da Saúde
expediu uma declaração, em 2016, dizendo que todos os hospitais do país estavam
aptos a realizar esse procedimento", disse Keunecke.
A advogada afirma que até mesmo as mulheres que sofrem
abortamento espontâneo são desrespeitadas no sistema de saúde brasileiro.
"Até que o profissional verifique se aquele aborto foi
provocado ou não pela mulher, ela é submetida à tortura. Ela não tem direito a
ver o feto, ele é descartado como material cirúrgico e a mãe fica na sala com
outras mulheres que acabaram de ter bebê. Mas quando ela faz um aborto
clandestino, o feto é considerado um sujeito de direito e aquela mulher, uma
criminosa. Então, não estamos falando da preservação da vida do feto ou não, e
sim de uma sociedade que criminaliza a mulher quando ela escolhe sobre seus
processos reprodutivos", apontou.
O coordenador do hospital Pérola Byington, o médico
Jefferson Drezett, acredita que, para além de posições a favor ou contra, a
descriminalização do aborto é uma necessidade.
"A proibição do aborto não tem nenhum efeito em reduzir
sua prática, mas tem mostrado um efeito muito grande na mortalidade de
mulheres. Não há como acreditar que a proibição pode trazer algum benefício à
sociedade brasileira. Proibir o aborto não demove das mulheres a necessidade de
recorrer ao procedimento. A questão é que hoje as mulheres não têm o direito de
decidir quais são as circunstâncias em que devem fazer essa escolha, o Estado
brasileiro decide isso", afirmou.
Ao longo de mais de duas décadas no serviço do hospital Pérola
Byington, Drezett já presenciou mais de 2.000 abortos legais, em situações que
chegam, frequentemente, ao extremo de uma gravidez infantil por estupro
incestuoso.
O médico destaca, entretanto, que os números do hospital
estão muito aquém da quantidade de mulheres que deveriam ser auxiliadas pelo
procedimento legal no país. Isto, devido à subnotificação de estupro e à falta
de conhecimento do serviço. Por esse motivo, o hospital se tornou referência na
realização do procedimento.
"No Pérola Byington o respeito sempre foi uma convicção
muito forte, uma maneira de como a gente entendia nosso papel. Nós temos
acúmulos de desrespeito aos direitos das mulheres em todas as instituições. O
Sistema Único de Saúde (SUS) tem um papel fundamental de organizar esse
atendimento. Mas a gente percebe um descaso enorme do poder público em lidar
com essas questões", disse o médico.
A opinião científica, de profissionais da área de saúde, e o
relato das advogadas, que representam mulheres vítimas das inúmeras violências que
envolvem o aborto clandestino, não comove os políticos brasileiros, pelo
contrário, a ofensiva conservadora tenta restringir cada vez mais o acesso ao
aborto legal.
Fonte: Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário