quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Bukowski previu em um poema o isolamento que a internet traria ao ser humano

Morto em 1994, o escritor norte-americano viu apenas o comecinho da era da informação, mas enxergou longe seu lado obscuro.


Do Pijama Surf

Junto com o entusiasmo que a internet provocou ao revolucionar as comunicações contemporâneas, outras perspectivas mais críticas (ou no mínimo céticas) apontaram um peculiar efeito dessa febre que tomava o mundo. Ao mesmo tempo que parecia muito sedutor enviar uma mensagem de um ponto a outro do planeta em questão de segundos, saber imediatamente o que acontecia em lugares antes considerados remotos, enviar e receber informações de todo gênero e espécie (imagens, áudio, vídeos etc.), por outro lado, de forma a princípio imperceptível, surgia um paradoxo: com tantos meios de comunicação ao alcance, o ser humano se mostrava cada vez mais isolado.

Nos últimos anos, esse efeito não se revelou uma quimera catastrofista de alguns agourentos, preocupados com o avanço tecnológico. Pelo contrário. As consequências do uso das redes sociais sobre o estado de espírito do homem já foram fartamente documentadas; outras áreas do conhecimento, como a sociologia e a filosofia, também se debruçaram sobre essa condição contraditória do ser humano contemporâneo, que pode falar com pessoas do mundo inteiro, mas é incapaz de trocar algumas palavras com pessoas com quem cruza no dia a dia; ou que tem acesso a mil fontes de informação, mas parece optar por permanecer na “doce” ignorância.

Entre essas pessoas que souberam duvidar das maravilhas da tecnologia moderna estava o escritor Charles Bukowski, talvez um dos personagens mais controvertidos da literatura estadunidense, mas, como bom poeta, também clarividente, sensível às necessidades autênticas do ser humano e às formas quase sempre equivocadas com que historicamente tentamos satisfazê-las.

Bukowski morreu em 1994, portanto testemunhou apenas o comecinho da era da informação que nos anos seguintes alcançaria seu ápice. Ainda assim teve tempo de escrever o poema this flag not waiting fondly, cujo trecho transcrevemos a seguir, primeiro no original e depois em tradução livre. O livro póstumo em que ele foi publicado, The Continual Condition, de 2009, reuniu alguns de seus poemas inéditos e ainda não foi traduzido no Brasil.

***

now it’s computers and more computers
and soon everybody will have one,
3-year-olds will have computers
and everybody will know everything
about everybody else
long before they meet them.
nobody will want to meet anybody
else ever again
and everybody will be
a recluse
like I am now.

***

hoje tudo são computadores e mais computadores
e logo todo mundo terá um,
as crianças de três anos terão computadores
e todo mundo saberá de tudo
sobre todo mundo
muito antes de se conhecerem.
ninguém vai querer encontrar ninguém
nunca mais novamente
e todo mundo será
um recluso
como eu sou agora.

Adaptado do site Pijama Surf

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