Addis Abeba - Maltratadas, violadas, mutiladas, silenciadas,
ignoradas..., milhares de mulheres na Etiópia enfrentam-se o desafio de mudar o
status quo que sempre lhes legou um papel inferior ou alçar a voz para
reafirmar seus direitos.
A imagem de Marta Abarra, uma jovem de amplo sorriso,
percorre portadas na imprensa: não é doutora, nem advogada, nem engenheira,
mas, segundo especialistas, poderia ser um dos símbolos do progresso na
Etiópia.
O trabalho de Abarra por mais de cinco anos na luta contra
um dos maiores desafios desta nação: a mutilação genital feminina (MGF), tem
dado resultados: em sua cafeteria no sul etíope reúne quase a diário a centenas
de garotas enfrentadas à remoção do clitóris.
Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), este
é o segundo país da África com maior taxa nesse mau, que afetou a 23,8 milhões
de meninas e está reconhecido como uma violação dos direitos humanos.
Por sua vez, a OMS indicou que sequelas como dor e
hemorragias prolongadas, infecções, infertilidade, choques e às vezes a morte
acompanham a essa prática.
O mais longo prazo, as meninas enfrentam uma vida de
desfiguração e uma série de afecções, que incluem complicações urinarias e com
o parto. Menstruação dolorosa, disfunção sexual e problemas psicológicos também
estão sócios.
A agência não governamental Oxfam Intermón (OI),
especializada em água e saneamento, introduz em seus projetos o componente de
gênero, promove a igualdade, a formação e a sensibilização para abolir as
agressões contra o sexo feminino: dos casamentos forçados à remoção.
'Em todos os programas, tentamos incorporar essa
perspectiva, o que nos permite assegurar que os projetos beneficiam por igual a
todos, e que elas terão pleno acesso e controle sobre os recursos e os
benefícios que contribuam às comunidades', apontou Imma Guixé, diretora de OI
na Etiópia.
Guixé sublinhou que ainda 'existem barreiras culturais,
religiosas e de outros tipos, especialmente no mundo rural, onde vive 85% da
população, que limitam o progresso equitativo'.
Uma das questões mais preocupantes é a mutilação,
praticamente erradicada nos centros urbanos como Addis Abeba, mas muito
estendida e aceitada no interior. Como na aldeia de Site, em Woleyta, onde
Belinesh, de 20 anos, relata o ritual ao que as submetem quando são pequenas:
'De madrugada, quatro mulheres levam você embaixo de uma árvore, apanham você
pelas costas, sujeitam você as pernas e a encarregada de fazê-lo corta você com
uma lâmina. Depois põem você na ferida querosene para frear a hemorragia e
manteiga que atua como barreira protetora'.
Ali, Almas Kassa narra sua experiência: 'Aos 13 anos
casaram-me com um homem que não queria, nem ele queria a mim. Maltratava-me
também. Mas ademais violava-me várias vezes ao dia. Ã'dio aos homens'.
'Não só não sentia prazer mas que me produzia uma imensa dor
e sangrado, continua. Praticaram-me a MGF. Compartilho marido com outras três
mulheres pobres. Tenho cinco filhos, três morreram antes de atingir os quatro
anos. Estou muito doente. Tenho aids. Acho que tem o colado meu marido, esse
que compartilho com três mulheres e umas quantas amantes mais.'
Os tipos I, II e III do MGF praticam-se dependendo da área
onde vivam e a idade à que se realiza. O objetivo é fazê-la dócil, que não
desfrute do sexo, que só seja uma máquina reprodutora.
Na realidade sofrem com as relações sexuais. Em umas zonas,
consiste em um corte da parte baixa do clitóris às adolescentes; em outras
regiões, como Oromía, extirpam a totalidade e a uma idade mais cedo, para os
cinco anos, em outras áreas retiram parte dos lábios menores e maiores.
Por exemplo, na região da Somália, também fecham a vagina
mediante sutura deixando só uma pequena abertura e quando se casam lhes
arrancam o fio.
O Código Penal do 2005 considera delito diferentes tipos de
violência de gênero. Para o caso de MGF fixa penas de prisão de um mínimo de
três meses ou multas a partir de 500 birrs (20 euros).
Para rapto, violação, forçar a uma menor a casar-se as
condenações superam os 15 anos.
17% das etíopes contestaram em uma pesquisa, citada por ONU
Mulher, que sua primeira experiência sexual foi obrigada.
'É uma prioridade o trabalho com o sexo feminino,
especialmente nas zonas rurais, já que consideramos são as populações expostas
a uma maior vulnerabilidade', sublinhou Abarra, a líder do clube de raparigas
sem mutilar.
Lamentou que 'a contribuição de seu setor ao
desenvolvimento, apesar de ser substancial, continua sendo invisível para as
autoridades e a sociedade'.
'Um exemplo claro temo-lo no âmbito agrícola -assinalou-
produzimos 80% dos alimentos destinados ao consumo doméstico ou aos mercados
locais mas a grande maioria não somos proprietárias da terra'.
Para o ativista Tesfaye Melaku, esta é uma sociedade
patriarcal e existem restrições morais e culturais sobre as mulheres e seu
comportamento.
Como em outros países africanos, o sexo e a sexualidade são
tabu. Aquela que discute de sexualidade abertamente poderia ser etiquetada de
imoral.
Ainda que a violência machista e a discriminação são
endémicas, os casos pelo geral não são denunciados devido à aceitação, a
vergonha, o medo ou a ignorância das proteções legais por parte da vítima.
Apesar de alguns avanços na prevenção, fica muito por fazer.
Os especialistas pontuou que não existe um programa contínuo de criação de
consciência sobre os impactos da MGF, já seja através de meios governamentais
ou privados.
A imprensa só participa nas notícias se há atividades
realizadas por outras agências. Tentam envolver-se se há um patrocinador ou ONG
que paga um espaço.
Inclusive, argumentou Melaku, os ministérios não têm um
programa contínuo de meios impressos ou eletrônicos para transmitir a mensagem
ao público para pôr fim ao problema.
A sua consideração, investir na educação é a melhor
estratégia para deter a propagação, ao menos na próxima geração.
*Correspondente de Prensa Latina na Etiópia.
Via – Prensa Latina
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