terça-feira, 27 de novembro de 2018

Brasil deixa de reduzir desigualdades pela primeira vez em 15 anos


Em 2017, o Brasil caiu da posição de 10º para 9º país mais desigual do planeta no ranking global de desigualdade de renda.



Por Liliam Campelo, do Brasil de Fato

O desemprego chegou na família da professora de inglês Suzane Moreira, de 29 anos. A renda diminuiu, o custo de vida aumentou e eles não tiveram que não abandonar a casa que estava sendo construída. A obra ficou pela metade.

Histórias como essa ilustram o fato de que, pela primeira vez em 15 anos, não houve no país a diminuição da desigualdade de renda no país, que permaneceu inalterada. É o que aponta o relatório anual “País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras”, lançado nesta segunda-feira (26). O documento foi produzido pela organização não governamental Oxfam Brasil.

Segundo o estudo, as mulheres e a população negra foram as mais afetadas. De acordo com os dados da Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma das fontes do relatório, as mulheres ganhavam 72% do que ganhavam os homens em 2016. Essa proporção caiu para 70% em 2017 — o primeiro retrocesso na renda delas, em relação aos homens, em 23 anos.

Já a distância salarial entre brancos e negros praticamente não se alterou em um ano. Em 2016, o rendimento médio de negros era de R$ 1.458,16, enquanto a população branca recebia, em média, R$ 2.567,81. Em 2017, a renda dos negros passou para R$ 1.545,30, e os rendimentos da população branca alcançaram R$ 2.942,21.

Esta é a segunda edição do relatório. A primeira versão, intitulada “A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileira”, foi lançada em 2017.O estudo analisa as desigualdades em três campo: de renda, de patrimônio e no acesso a serviços essenciais.

A primeira publicação do estudo concluiu que “os seis maiores bilionários do País juntos possuíam riqueza equivalente à da metade mais pobre da população”. E, na outra ponta, que o ano de 2017 começava com o registro de “mais de 16 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza”.

Com os dados atualizados, foi possível verificar que, entre os anos de 2016 e 2017, o Índice de Gini, que mede a desigualdade de renda domiciliar per capita, se manteve inalterado na redução da desigualdade. Ao contrário do que ocorria entre os anos de 2002 até 2016, quando se observou queda desses índices.

Efeitos do Teto dos Gastos

Com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95 em 2016, que congelou as despesas públicas em áreas sociais por 20 anos, o estudo aponta que o país retrocedeu 17 anos em volume de investimentos sociais no orçamento federal. O relatório alerta que, entre os anos de 1976 e 2015, a melhora do índice de Gini e a redução da pobreza estão diretamente relacionadas com oferta de serviços, que se expandiu no período.

O coordenador de Campanhas da Oxfam Rafael Georges, autor de ambos os relatórios, aponta que a estagnação da redução da desigualdade de renda entre 2016 e 2017 está relacionada com a crise econômica pela o país atravessa. E explica ainda que o fenômeno tem forte relação com a questão fiscal.

“Existe uma crise de confiança de investidores com o Brasil. O buraco fiscal faz com que investidores retraiam seus investimentos, já que o Brasil se tornou mais arriscado. Isso diminui a atividade econômica, o que impacta no aumento do desemprego”, avalia o pesquisador.

O relatório aponta ainda que, desde 2015, o número de pessoas em extrema pobreza aumentou no país pelo terceiro ano consecutivo, com aumento de 11% em apenas um ano. Em 2016, o número de pessoas sobrevivendo com uma renda de pouco mais de R$ 7,00, critério utilizado do Banco Mundial para classificar a situação de extrema pobreza, atingia 13,3 milhões; no ano seguinte, mais de 15 milhões se encontravam nesta situação.

Para Georges, o país não só paralisou como caminha para trás. Ele aponta que os mais impactados pela estagnação da desigualdade de renda são aqueles que se encontram na base da pirâmide, principalmente quem tem vínculos de emprego temporários, normalmente ligados a serviços ou na construção civil.

Vida sentida

A forte retração do setor foi sentida pela família de Suzane Moreira em 2016. A família da professora mora em Belém, capital do estado do Pará. Seu pai, José Roberto Gomes Correia, de 57 anos, trabalhou por 32 anos em uma empresa de engenharia de construção civil como técnico de enfermagem na área de segurança do trabalho. Ele foi demitido em 2016.

Com o pai e o irmão desempregado, a família de Suzane abandonar a reforma da casa. “Na época, eu sustentava a minha casa com a renda da escola particular em que eu dava aula e com o dinheiro do Projovem. Eu estava tentando construir a casa nova dos meus pais, para onde nós vamos nos mudar, mas não consegui finalizar a casa, então está meio que parada”, relata.

Ela havia aberto uma conta poupança para dar andamento à obra. A família conseguiu economizar R$20 mil, dinheiro da renda das aulas dadas na escola pública pelo Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) do Governo Federal, desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Belém. O contrato do programa, no entanto, não foi renovado.

O pai de Suzane voltou a trabalhar este ano, ainda está em período de experiência. Ela espera que a empresa registre a carteira de trabalho de José, para que a família retome os planos da construção da casa.

Atualmente, a professora de língua estrangeira continua dando aulas na escola de idiomas e, para complementar a renda, dá aulas particulares. contudo, a renda diminui, o que não está ligado ao fato de ser mulher, pois não há na escola homens professores e argumenta.

“No atual contexto em que me encontro, eu estou ganhando menos. Não pelo fato de ser mulher, mas porque a minha carga horária foi reduzida. Teve um impacto, digamos, na redução de gastos nas famílias dos meus alunos, até porque eu dou aula de língua inglesa no curso de idiomas voltado para crianças. Teve uma redução no número de alunos. Então, por isso, eu estou recebemos menos do que antes”, pontua.

Medidas

Em 2017, o Brasil caiu da posição de 10º para 9º país mais desigual do planeta no ranking global de desigualdade de renda. Mas, quando analisada a posição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre os anos de 2016 e 2017, o país permanece na 79ª posição do ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em um total de 189 países.

A renda foi o indicador que mais causou impacto negativo no IDH brasileiro, por conta do retrocesso, principalmente nas faixas menores. Para retomar o ritmo da redução da desigualdade na renda no país, o relatório sugere o aumento real do salário mínimo; a revogação da EC 95/2016, conhecida como o PEC do Teto de Gastos; e o combate à corrupção.

Outra medida urgente envolve a reforma tributária e a taxação de setores mais ricos, destaca o coordenador do relatório. “Os super ricos no Brasil, aqueles que compõem 1% mais ricos, a maior parte dos rendimentos deles não veem dos salários, que são retidos na fonte. Eles veem de lucros ou dividendos distribuídos que são isentos. Então, é necessário tributar lucros e dividendos, que é uma espécie de salários do super ricos que é isenta no Brasil hoje”, ressalta.

O coordenador também destaca a necessidade de equilibrar os tributos de bens e serviços, como a gasolina, alimentação e medicamentos. Na avaliação de Georges, a forma de tributo atual é injusta para aqueles que estão na base da pirâmide.

Fonte: Brasil de Fato
Via – Portal Vermelho

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