Era pouco mais de oito da noite do dia 4 de novembro de 1969
quando Carlos Marighella foi capturado e morto por agentes da ditadura militar,
a um mês de completar 58 anos. Nascido na Bahia, foi militante do Partido
Comunista, deputado federal, poeta e guerrilheiro.
Marighella já havia passado pela prisão e pela tortura
durante o governo de Getúlio Vargas. No ano anterior, em 1968, com a
instauração do Ato Institucional nº5 (AI-5), poderia ter escolhido o caminho de
muitos dos seus companheiros, o exílio, mas decidiu resistir. É o que conta o
autor da biografia mais conhecida de Marighella, “O guerrilheiro que incendiou
o mundo”, Mário Magalhães.
“A decisão do Marighella de resistir à ditadura, quando ele
poderia ter ido para o exílio, como muita gente boa fez legitimamente, foi
decisiva para esse sentimento em torno do Marighella e da memória dele, que faz
com que ele seja amado e odiado como não foi nem no tempo da ditadura. E é
evidente que assim como o Marighella é para quem o rejeita, combinando ideias e
ação dos valores que essas pessoas rejeitam, para quem gosta do Marighella, ele
é hoje uma inspiração permanente”.
Magalhães explica que, embora um dos livros mais conhecidos
do escritor e político baiano tenha sido o Minimanual do Guerrilheiro Urbano,
naquela época, Marighella planejava o início da luta armada no campo, prevendo
que o movimento seria sufocado se permanecesse nas cidades.
Outra estudiosa da vida de Marighella, sua sobrinha, Isa
Ferraz, foi buscar conhecer mais a fundo a história do tio para a produção do
documentário que leva o nome do guerrilheiro.“A minha relação com ele é de
sobrinha, mas também de alguém que quis entender porque uma pessoa tão
carinhosa, afetiva, que eu tinha tanta adoração como tio, era considerado como
o inimigo número um da ditadura militar e perseguido até a morte”.
Ferraz conta que no processo de pesquisa, se surpreendeu ao
descobrir o amplo apoio internacional recebido pelo tio. “Eu aprendi um monte
de coisas que eu nem imaginava. Por exemplo, o apoio dos artistas europeus à
luta armada do Marighella, como Jean-Paul Sartre, [Roberto] Rosselini mandou
dinheiro, o [Jean-Luc] Godard fez um filme… vários intelectuais
importantíssimos que eu tenho o maior respeito apoiaram e mandaram dinheiro,
recursos. Esse interesse internacional eu não sabia que era tão grande”.
Para a documentarista, a opção de Marighella pela luta
armada como forma de resistência ao regime militar se explica pelo contexto
internacional ao qual estava inserido. “Só dá para entender o Marighella e as
opções dele se olharmos para o contexto mundial e nacional. Quer dizer, o
Marighella vai para a luta armada no momento em que estava ocorrendo o conflito
na Argélia, os movimentos negros nos Estados Unidos, a guerra do Vietnã, a
Revolução Chinesa, a Revolução Cubana, quer dizer, era um contexto. Todas as
lutas identitárias começando a surgir, os movimentos estudantis, então era um
contexto mundial”.
Com uma trajetória recheada de fatos tão relevantes para a
história do Brasil e do mundo, Magalhães lamenta que a luta de Carlos
Marighella tenha ficado por tanto tempo à margem dos livros.
“Cada um tem o direito de achar o que quiser do Marighella.
Esse é um preceito democrático e de liberdade intelectual essencial. O problema
foi que certa historiografia brasileira tentou criminosamente eliminar o
Marighella da história nacional. E por muito tempo, esse projeto foi bem-sucedido,
apesar do bravíssimo esforço das pessoas que nunca deixaram de lembrar a
trajetória do Marighella”.
Mário saúda o fato de 49 anos depois, nome do líder estar
tão presente no imaginário do povo brasileiro. “Houve grandes militantes e
dirigentes comunistas na história do Brasil. Algo que destaca o Marighella é o
que está nas pichações das cidades pelo país afora: Marighella vive. O
Marighella não parece um personagem que morreu pouco depois das oito da noite,
na Alameda Casa Branca, no dia 4 de novembro de 1969. Ele vive hoje. O
Marighella hoje vive e perturba. Ele incomoda uns e estimula outros”.
Fonte: Brasil de Fato
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