quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Declaração Universal dos Direitos Humanos – 70 anos


Por Ana Guedes*

Escrever sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada no pós-segunda Guerra Mundial do século XX, pode parecer, numa visão aligeirada, um assunto muito distante dos dias de hoje. Afinal, muitos anos se passaram e tantas coisas aconteceram, tanto na configuração geopolítica mundial, quanto no quesito comunicação humana, além de tantos outros significativos acontecimentos nas mais amplas áreas. Entretanto, a questão da memória é essencial para a compreensão do processo histórico vivenciado pela humanidade. Nem é tanto tempo assim se voltarmos aos primórdios, o que, obviamente, não vamos fazer aqui.

Com o fim da segunda Guerra Mundial em 1945, inicia-se um novo ciclo englobando as diversas nações que estiveram envolvidas, direta ou indiretamente, no conhecido conflito. Passou a existir uma necessidade latente de uma reorganização no campo do resgate de valores humanos que a guerra tinha destroçado tão cruelmente. Busca-se, então, um caminho para se estabelecer a proteção universal dos Direitos Humanos. Isso ocorreu justamente há 70 anos quando foi adotada pela Organização das Nações Unidas o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que se constituem na Carta Internacional dos Direitos Humanos.

No mundo do pós-guerra, o realinhamento dos países foi quase de imediato, na busca de seus próprios interesses. Veio a Guerra Fria e novos desafios foram colocados. A Declaração segue como uma referência. Não era uma obrigatoriedade e nem todos signatários a acompanharam, particularmente aquelas nações de regimes autoritários e ditatoriais, como foi durante um período na América Latina. Muito pelo contrário. No Brasil, de 1964 a 1985, o que a Declaração defendia, passou ao largo das práticas de todo o tipo de perseguições políticas, velhas conhecidas como: prisões, torturas, assassinatos, desaparecimentos, exílios e inúmeras outras formas de atingir a resistência democrática que nunca deixou de existir. Mesmo nos momentos mais adversos. A vitória contra a ditadura militar é devida a inúmeros homens e mulheres que, das mais variadas formas, dedicaram suas vidas à luta por mudanças. As novas gerações precisam se apoderar da dimensão do que foi essa luta de 21 anos.

Retorno difícil à reconstrução democrática. Novos grandes desafios se apresentavam para o nosso povo. A eleição de Tancredo Neves e os desdobramentos posteriores foram permitindo, aos poucos, a retomada do Estado de Direito. Aos poucos, fomos retomando o espírito da Declaração de 1948, da qual o Brasil é signatário. Era um novo momento que exigia a união de todas as forças para a reconstrução democrática e isso foi acontecendo num processo de aprendizagem envolvendo muitas variáveis. A conquista da Anistia Política em 1979 foi abrindo caminho para que perseguidos políticos voltassem à luz do dia e engrossassem as fileiras. Foi uma conquista importante, sem dúvida.

Entretanto, veio muito limitada e não permitiu que os crimes da ditadura fossem julgados. Os chamados crimes conexos, contidos no texto do projeto aprovado pelo Congresso Nacional, eram perdoados tanto para os atingidos como também pelos que cometeram as atrocidades. Este quadro permanece até os dias atuais, a despeito de muita luta para revogação dessa decisão. O que se tem conseguido são denúncias públicas dos crimes cometidos que, a cada momento, ocupam a mídia, como por exemplo, o caso do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, a descoberta das valas clandestinas do cemitério de Perus em São Paulo e a Casa de Petrópolis, centro de torturas e assassinatos.

A Constituição Cidadã de 1988 representou um marco fundamental para a consolidação da democracia brasileira. Elaborada a partir de um amplo debate nacional, é o nosso mais importante instrumento de direitos, particularmente no momento político desfavorável à democracia, que vivemos hoje.

Com a vitória das forças populares nas eleições de 2002, abre-se um novo caminho para o avanço e consolidação democrática no país.

Antes mesmo, em 1995, foi promulgada a lei nº 9.140, que criou a Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos. Esta lei visava o esclarecimento das circunstancias das mortes por motivação política, tendo pesquisado, até o momento, mais de 400 casos.

Após a Declaração de 1948, umas séries de tratados internacionais de Direitos Humanos foram sendo adotados, tratando questões raciais, de mulheres, de crianças/adolescentes de LGBTT, de pessoas idosas, de deficientes, entre outros temas, ampliando e abrindo o debate em inúmeros países e avançando na conquista desses direitos.

A Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, realizada em 1993, reafirma o apoio internacional aos países menos desenvolvidos e indica a criação de Programas Nacionais de Direitos Humanos. No Brasil, temos três versões desses programas. Na XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em 2008, foi instituída a criação da Comissão Nacional da Verdade. Essa Comissão foi criada dois anos depois, após embates e restrições ao seu funcionamento por parte de forças retrógadas, que nunca deixaram de existir no país. O presidente Lula garantiu e a Comissão da Verdade gerou importantes relatórios. Pesquisou e realizou inúmeras audiências públicas, sistematizando os crimes cometidos pela ditadura militar no Brasil. Não evoluiu para o julgamento dos crimes cometidos, porque esse não era o seu papel, além da Lei da Anistia de 1979 não permitir. No Brasil, o conceito de Justiça de Transição, aplicado a países que saíram de regimes ditatoriais e que preconiza Memória, Verdade, Reparação e Justiça, ainda não se conquistou o julgamento dos crimes da ditadura. Quanto à reparação, é papel da Comissão Nacional de Anistia que já julgou, em torno de 72.000 requerimentos.

O Brasil avançou nas questões de políticas públicas, incluindo os Direitos Humanos, no período anterior ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff A partir do Golpe de 2016, se assistiu ao desmonte de direitos conquistados com muita luta, durante o processo de redemocratização.

Mas foi, principalmente, após os resultados eleitorais de 2018, que o quadro nacional teve uma reviravolta com perspectivas, que já se anunciam, de um governo autoritário, retrógrado, entreguista e de supressão de direitos. O anunciado fim do Ministério do Trabalho mostra o caráter desse futuro governo, junto a inúmeras outras iniciativas que ferem, profundamente, conquistas históricas do povo brasileiro.

Necessário se faz que os democratas brasileiros compreendam a gravidade do quadro e busquem a união de todas as forças contrárias ao que se avizinha. É preciso um grande despojamento para o alcance desse objetivo. É importante ressaltar que subestimamos a possibilidade de a extrema direita ganhar as eleições no Brasil. E ganhou. Isso demonstra, claramente, que não conseguimos enxergar, devidamente, o ovo da serpente que estava sendo gestado.

Na conjuntura mundial atual, tem se destacado, também, o crescimento de idéias atrasadas, retrógradas e até fascistas. Esta situação merece análise mais aprofundada. Os Estados Unidos são o maior exemplo disso. No mundo permanecem conflitos históricos como Israel e a Palestina, o eterno bloqueio à Cuba, os ataques à Venezuela, o drama de refugiados e imigrantes, estes, fugidos de países pobres que, no passado, foram sugados pelo colonialismo. Enfim, um novo pacto mundial faz-se necessário. É preciso assegurar aos povos oprimidos o direito à vida, ao atendimento de seus direitos básicos. E isso só com muita compreensão política do momento que vivemos e com propostas que apontem caminhos para que as massas populares venham a ser protagonistas da sua própria história.


 *Ana Guedes é membro do Comitê Estadual do PCdoB-Bahia e diretora do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia.

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