segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Os Mais Médicos e a crise humanitária

Lembram da falácia do "programa Mais Médicos tem 97,2% das vagas preenchidas" que rolou por aí uns tempos atrás, com ajuda de manchetes da imprensa sem o mínimo de tom crítico e com propaganda de penas de aluguel digitais de Bolsonaro tipo algumas contas do Twitter? Agora vamos pra vida real.

 Médicos cubanos ao voltarem ao seu país
Por Leandro Demori,
No The Intercept Brasil

Não eram vagas preenchidas, eram cadastros em um sistema. O prazo para que os médicos brasileiros se apresentassem de fato nos postos era sexta, dia 14. Cerca de 2,5 mil dos inscritos não deram as caras. Sumiram. Puf. O número de pessoas sem médico, neste momento, é incalculável. São milhões de brasileiros correndo risco de vida.

Dos doutores que apareceram, boa parte deles (40%) já trabalhavam na rede básica. Ou seja: eles estão "preenchendo" a vaga no Mais Médicos e deixando um buraco em outro posto de saúde, gerando um caos silencioso no sistema.

Um cálculo feito pelas secretarias municipais de saúde mostra que 2.844 médicos que se inscreveram no Mais Médicos estavam atendendo nos postos de saúde da família.

O governo prorrogou a data para o comparecimento dos faltantes até a semana que vem. Às vésperas do Natal, quantos desses que ainda não deram as caras (e que obviamente sabiam dos prazos) vocês acham que vão aparecer?

O próximo passo: abrir para médicos brasileiros formados no exterior. Como é pouco inteligente oferecer as mesmas vagas aos que já as recusaram, o governo deve aceitar médicos sem diploma válido, pois não há previsão de uma nova prova do Revalida.

O capitão reserva, durante a campanha, usou a prova do Revalida como pretexto para expulsar os médicos cubanos, dizendo que “nós não podemos botar gente de Cuba aqui sem o mínimo de comprovação". Agora estamos caminhando para que as pessoas sejam atendidas por brasileiros... sem diploma comprovado.

Entrando em 2019 com milhões de pessoas sem médicos e correndo risco de vida, teremos ainda outro problema: em março começam as residências médicas no Brasil. Boa parte dos brasileiros que assumiram postos no Mais Médicos devem desaparecer, já que não há punição. Sabem quantos médicos brasileiros desistiram do programa Mais Médicos entre 2013 e 2017? Metade. Na verdade, mais da metade: 54%.

É uma crise humanitária que não será resolvida tão cedo, e que o governo e seus arrobas de aluguel farão questão de esquecer ou tentar soterrar com falácias ou mentiras. Eles mentem, a gente desmente.

 Leandro Demori é jornalista e editor executivo de The Intercept Brasil.


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