quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A bola da vez é a destruição do serviço público imparcial

"A entrada no serviço público por concurso público de conhecimentos e especialidades, junto com a estabilidade no emprego, são fundamentais para a defesa do cidadão e da cidadã".


Por José Carlos de Assis

O cidadão brasileiro só terá garantia de tratamento imparcial no serviço público, fora da influência do poder político-partidário dominante, até o fim da atual geração de servidores. Os funcionários das futuras gerações não terão estabilidade. É um recuo de décadas no processo de construção de uma burocracia pública imparcial. Esses ignorantes em ciência política que assaltaram os postos de mando no Brasil não conhecem aspectos elementares da ciência política. Raciocinam como economistas toscos, distantes de funções públicas.

A estabilidade no emprego não é privilégio de servidor. É uma garantia do cidadão. O servidor munido das prerrogativas de estabilidade pode dizer não ao político e mesmo a um mandatário que exige tratamento privilegiado num hospital, sem medo de ser demitido. É claro que alguns agem partidariamente. Essa, porém, não é a regra. A regra é a imparcialidade no tratamento de cidadãos e cidadãs. Se o servidor não cumpre essa regra, é um defeito dele ou mesmo uma irregularidade administrativa que pode ser punida com demissão.

Caso não tivesse direito a estabilidade, o promotor que investiga o caso Marielle já teria sido demitido. Aliás, a sociedade tem todo o direito de cobrar dele imparcialidade nas suas ações. Sobretudo no caso dos documentos de controle da portaria do condomínio onde mora Jair Bolsonaro, solapados da investigação pelo presidente da República com a evidente intenção de esconder provas e indícios de seu envolvimento no caso. Aqui a situação se inverte: se não cumprir o seu dever na recuperação da prova, o promotor deve ser demitido a bem do serviço público, depois do devido processo legal.

Por causa das críticas históricas e universais à burocracia, a sociedade tem grandes restrições ao serviço público. Em muitos casos tópicos e particulares ela tem razão. Mas esse é um mal que vem para o bem. Na Grécia clássica, a primeira democracia da história de dois mil e quinhentos anos atrás, o grande estratego Péricles, quando assumiu o poder pela ala democrática, instituiu o serviço público remunerado. A razão era que até então só ricos exerciam cargos públicos. Com isso, defendiam somente os seus interesses. A remuneração do servidor foi a fórmula encontrada para democratização efetiva do serviço público.

Uma burocracia pública funcional, especializada e hierarquizada foi fundamental para a consolidação do capitalismo e da democracia política a partir do início da Era Moderna. Max Weber fez um ensaio fascinante a respeito. Os Estados Unidos foram justamente um dos últimos países democráticos que trataram de criar uma burocracia supostamente imparcial, com o grave defeito de não terem um sistema de concursos. Até fins do século XIX vigorava o sistema de butim, pelo qual o presidente que entrava varria dos cargos públicos todos os servidores do partido adversário. Isso mudou em fins do século XIX, mas não muito.

A entrada no serviço público por concurso público de conhecimentos e especialidades, junto com a estabilidade no emprego, são fundamentais para a defesa do cidadão e da cidadã. Do contrário, introduziremos também aqui o sistema de butim, em prejuízo óbvio da população, e sobretudo da população pobre. Esta não tem meios para transformar os quadros públicos em joguetes dos partidos dominantes, como acontece hoje com Jair Bolsonaro, que tentou até mesmo enfiar um filho sabidamente incompetente em diplomacia no mais alto cargo do Itamaraty no exterior.

 *José Carlos de Assis é economista e jornalista.
Fonte: Monitor Mercantil

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