sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

América Latina - Presidente eleito do Uruguai assume postura autoritária neoliberal

Luis Lacalle Pou falou basicamente sobre política externa e política econômica, um discurso repetido desde os anos 1970 pelos neoliberais, agora carreago de ameaças típicas da extrema direita. 


Ele disse, em entrevista ao jornal espanhol El País, que não vai seguir com o Mecanismo de Montevidéu, inciativa proposta por México e Uruguai, e apoiada pela então Bolívia do presidente deposto por um golpe Evo Morales e Comunidade do Caribe, composta de quatro etapas para mediar a ofensiva violenta da direita na Venezuela.

O presidente eleito, repetindo o surrado discurso autoritário forjado na Casa Branca, afirmou que vai “claramente condenar a ditadura de Maduro em todas as instâncias, e as formalidades vão ser as que ajudem na recuperação da democracia”. “Nossa visão é mais parecida com a que sustenta o Grupo de Lima (reunião de governos que apoia o golpismo dos Estados Unidos). Somar-me ou não a grupos não é umas das decisões que vamos tomar agora. Nós integramos as Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos, o Mercosul e outras entidades, e é dessas organizações que vamos escutar nossa voz”, disse Lacalle Pou.

Internamente, o presidente eleito faz ameaças ao governo cessante, da Frente Ampla, dizendo que “se eventualmente houver elementos que indiquem que possa haver ilícitos, vamos à Justiça”. E deixou claro que governará com a mídia. “E o bom é que nós vamos falar muito com a opinião pública por meio de vocês (mídia). Dando informação, que me parece que é o melhor. Um governo que não faça propaganda, mas que informe, que conte, que não esconda”, disse ele.

Na economia, Luis Lacalle Pou disse que o câmbio será flutuante, como no Brasil, regra essencial do neoliberalismo. “A regra geral vai a ser flutuar. Notoriamente a cesta de moedas flutua, flutuam as moedas argentina e brasileira”, afirmou. Disse também que já há uma equipe trabalhando há tempos numa proposta de “reforma” da Previdência.

Direita obscura

Lacalle Pou prometeu uma redução do Estado com "medidas de austeridade". Ele propõe “economizar” (outro termo típico do dicionário neoliberal, muito utilizado pelo ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Gudes, sofisma para transferir recursos públicos para o rentismo privado) US$ 900 milhões anuais.

Seu programa de governo critica a negativa da Frente Ampla de firmar um tratado de livre-comércio com o Chile e de não participar do Trade In Services Agreement (Tisa), que inclui EUA e vários países da Europa e da América Latina. O Partido Nacional prega "sair de encontro ao mundo", deixando de lado as “preferências ideológicas” – outro sofisma para adotar a ideologia do projeto neoliberal.

Gênese militar

A equipe de Lacalle Pou segue a tendência da direita obscura da região, com vários líderes direitistas católicos. O caso mais notável é o de Pablo Bartol, da Opus Dei, futuro titular do Ministério do Desenvolvimento Social (Mides). A pasta foi criada em 2004, no primeiro governo da Frente Ampla, para atender quem a crise de 2002 deixou na pobreza, um número que chegou a 30% (hoje é de 8%).

O Mides também começou a trabalhar em planos de inclusão para a população LGTBI, contra a violência de gênero e em oficinas de educação sexual. Bartol foi um dos primeiros ministros escolhidos por Lacalle Pou e isso se deve a sua experiência em um centro de estudos públicos, com financiamento privado e aberto apenas a homens, no bairro pobre de Casavalle.

Fabiana Goyeneche, diretora de Desenvolvimento Social do município de Montevidéu, membro da Frente Ampla e militante feminista de destaque, diz que há incerteza. "Embora Lacalle Pou tenha repetido que não revogará a agenda de direitos, pessoas que fazem parte da coalizão que ele lidera se manifestaram contra ela. No caso de Bartol, ele dirigiu uma instituição que só admite homens, pois acha que as mulheres podem distraí-los."

No Partido Nacional está também o deputado Álvaro Dastugue, que militou contra todas essas reformas. Ele acusou a Frente Ampla de promover uma "ideologia de gênero" que destrói os valores da família.

Para Carolina Cosse, senadora eleita pela Frente Ampla, a maior preocupação vem do Cabildo Abierto, uma nova força política liderada pelo ex-comandante do Exército Guido Manini Ríos. Um dos integrantes da legenda, o deputado Martín Sodano, declarou dias atrás à revista semanal Búsqueda sua discordância com o aborto.

"O novo governo receberá pressão. Por um lado, deve satisfazer uma coalizão com uma ideologia muito heterogênea. É preocupante imaginar quais serão os acordos com o Cabildo Abierto, um partido de gênese militar e associado à extrema direita que não disfarçou sua ideologia, sua doutrina de violência e ódio contra diferentes coletivos, em particular contra as mulheres", alerta Denisse Legrand, editora da seção Feminismos do jornal uruguaio La Diária.

Redução de abortos

A organização Mulher e Saúde Uruguai vem tentando estender a lei do aborto para que as mulheres que o fazem fora do prazo regulamentar (até a 12.ª semana de gravidez) não sejam acusadas de crime e para que as estrangeiras também possam ter acesso às interrupções. A perspectiva de Manini Ríos ser o próximo ministro da Saúde Pública, pasta que gerencia o orçamento para a interrupção voluntária da gravidez, preocupa esses grupos.

Nas fileiras do Partido Nacional, a senadora eleita Graciela Bianchi garante que as promessas serão cumpridas. "A posição de Luis é manter a agenda. O que vamos fazer é torná-la realidade. A maioria das leis não foi implementada, não há recursos previstos".

Na Igreja Católica, o cardeal e arcebispo de Montevidéu, Daniel Sturla, pede calma. "Nas reuniões com todos os candidatos, apresentamos nossa disponibilidade de cooperar em diferentes campos em que as instituições da Igreja têm experiência e, assim, contribuir para superar a fragmentação social." Uma iniciativa é o plano que busca facilitar o processo de adoção como política para reduzir o número de quase 10 mil abortos anuais.

Passos do pai

Luis Alberto Lacalle Herrera, pai de Lacalle Pou, foi o último líder do Partido Nacional a chegar à presidência, entre 1990 e 1995. Neoliberal radical, ele tinha uma agenda econômica caracterizada pela ideia de Estado mínimo e pelo autoritarismo político.

Eliminou os Conselhos de Salários - a negociação entre trabalhadores e empregadores para definir salários -, fez um corte significativo nos cargos públicos e encaminhou privatizações selvagens.

Com informações dos jornais El País e O Globo

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