terça-feira, 25 de agosto de 2020

Festa da bicharada

 

Quando eu contava com 11 anos de idade, estudava no Colégio Princesa Izabel em Marilena - PR, meu amigo de sala de aula, o memorável e estimado Caubi Alves da Costa, me apresentou este cordel que contava a história de um porco embriagado e toda uma bagunça ocorrida no reino dos bichos, uma fábula em cordel com ótimas tonalidades de sarcasmo. Depois de adulto, consegui o livro pela editora Luzeiro e tomei conhecimento que a história é de autoria do paulista Arlindo Pinto de Souza - Aos leitores que a conhecem, vamos relembrar, aos que não, vejam que engraçado sem deixar de admirar a métrica das rimas e dos versos como condiz a literatura de cordel:

 

Quando bode era doutor

E cachorro advogado

Andava tudo direito

O mundo bem governado

A justiça muito reta

Ninguém vivia enganado!

 

O leão sempre foi rei

Casa com uma leoa

Jacaré seu secretário

Onça era uma grande pessoa

Mestre sapo professor

Na beira duma lagoa

 

Coelho chefe do mato

Peru era viajante

O galo, por ser tenor

Regia um café-cantante

Macaco bicho do rei

E urso rapaz amante

 

O porco era vagabundo

Passava o dia a beber

Por isso dele ninguém

Amigo queria ser

De toda festa que havia

Porco queria saber


Um dia, mestre coelho

Fez uma festa no mato

Foi cachorro e jacaré

Gente de mais aparato

Finalmente todo bicho:

Menos porco e mestre gato

 

Rato tocava flauta

Priquito no rabecão

Caititu no contrabaixo

Cururu no violão

Mucuim no clarinete

E tatu no bombardão

 

O pinto ia com os pratos

O carneiro com o tambor

Mosquito numa rabeca

Era quase professor

Mestre sapo, como chefe

Ia feito regedor

 

Quando o porco soube disso

Ficou muito injuriado

Disse ao gato: - "Vamos lá

Que eu garanto, por meu lado

Ou nós entramos na festa

Ou o baile está terminado"


O gato disse: - "Eu não vou

Porque acabo apanhando…"

O porco lhe respondeu:

- "Você bem que está mostrando

Ser um gato sem coragem…

Pois fique, que eu vou andando".

 

O porco, chegando lá

Queria o baile invadir

Jacaré veio e falou

Mandou o porco sair

Como não obedeceu

Foi preciso onça intervir

 

O urso logo zangou-se

Por a sua namorada

Que era uma anta bonita

E estava ali bem trajada

Por um porco vagabundo

Ser assim desrespeitada

 

Botaram porco pra rua

Mas ele tornou a entrar

Aí, já era demais

Impossível se aturar

Coelho puxou revólver

Para no porco atirar

 

O porco sacou da faca

Para matar ou morrer

Cotia teve um ataque

Paca queria correr

Galinha caiu sem fala

Durinha, sem se mexer

 

Raposa quase que morre

Mucura quebrou o braço

Lagartixa foi pisada

Quase ficou em pedaço

A cabra apanhou de pau

Se não corre, era bagaço

 

Barata correu pr’um canto

Não quis a vida perder

Preguiça estava num pau

Disse: - "Foi bom não descer…"

Canguru disse: - "O diabo

Quem não trata de correr…"

 

Girafa, como era grande

Estava tudo apreciando:

Quando viu, na sua costa

Arara estava trepando…

Ema disse: - "Eu vou me embora…"

Coruja saiu voando

 

Borboleta, há muito tempo

Já tinha se escapulido

Mosca fez sua viagem

Levou pium, seu marido

Garça disse: - "Vocês briguem

Mas não me suje o vestido…"

 

Aranha estava tremendo

E lesma morta de rir

Macaco olhou para um galho

Tratou logo de subir

Dizendo: -"Porco não trepa

Aqui nunca pode vir!"

 

Catraia gritava tanto

Que gritava à luz da lua

Minhoca não acertava

Para que lado era a rua

Curica ficou sem pena

Siriroca quase nua

 

Finalmente, a muito custo

Botaram porco pra fora…

Já tinha dado e apanhado

Por isso disse: - "É agora:

Antes que chegue a polícia

Vou tratando de ir-me embora!"

 

Com pouco veio o elefante

Que era, então, o delegado

Com camelo, seu colega

Oficial reformado

E, logo atrás o cavalo

No seu papel de soldado

 

Coelho aí contou tudo

Quanto tinha acontecido

Além disso, como ruim

O porco era conhecido

De forma que o elefante

Deu tudo por resolvido

 

Levou a queixa ao leão

Tal qual haviam lhe dado…

Aí foi expressa a ordem

De porco ser procurado

Mas por onde andava ele

Era o caso ignorado

 

No outro dia, a mucura

Também foi lá se queixar

Mostrou o braço pro rei

Que prometeu lhe vingar

Resolveram, então, ir todos

O tal porco procurar

 

Foram à casa do gato

Pois este era seu amigo

Gato dise: - "Este sujeito

Deu-me pancada e roubou-me

Deixou-me como mendigo"

 

Realmente, o gato estava

Com o corpo todo marcado

Não tinha nem um vintém

O baú estava arrombado

E o porco só lhe fez isso

Por não ter-lhe acompanhado

 

Levaram gato doente

À presença do leão

E o gato, gemendo muito

Pediu também punição…

Deste jeito, mestre porco

Estava mal de informação

 

Ganhava um conto de réis

Quem mestre porco pegasse

Teria um ano de folga

O soldado que o encontrasse

Fosse vivo ou fosse morto

O certo é que ao rei levasse

 

Andaram por mais de um mês

Sem saber-lhe o paradeiro

Até que, um dia, o acharam

Bêbado num atoleiro

Querendo dar no mucuim

Por não ser seu companheiro

 

O elefante e o cavalo

Deram a ordem do rei…

O porco lhes respondeu:

- "Eu aqui de nada sei

Eu, dentro da minha casa

Não sei o que diabo é lei"

 

O elefante, então disse:

- "Olhe, eu sou o delegado!

Aquilo que eu digo faz-se

Tem de ser bem respeitado…

Se você não for por bem

Mando levá-lo arrastado"

 

- "Eu irei (lhe disse o porco)

Mas só se for carregado…"

Não pôde dizer mais nada:

Já tinha sido amarrado

E para a casa do rei

Sem demora foi levado

 

Quando chegou, estava o leão

Sentado numa cadeira

(Ao lado estava a leoa

Sua fiel companheira)

Vendo o porco muito sujo

Falou-lhe desta maneira:

 

- "Porco imundo, qual a causa

De tu seres valentão?

Bem sabes que ser valente

Pertence ao teu rei leão!

Tenho de ti muitas queixas

Só de ruim informação"

 

Formou o leão um júri

Para o porco ser julgado

Foi quando este conheceu

Que o caldo estava entornado

A prova é que a seu favor

Nem porca tinha votado

 

Todos queriam que porco

Sofresse pena ruim…

Depois de tudo apurado

A contenda teve fim

Lavrou-se logo a sentença

Que foi deste jeito assim:

 

"Como justiça de rei

Sua majestade o leão

Manda fazer avisado

Que o porco, por valentão

Foi preso e está condenado

A trinta anos de prisão"

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