quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Ataque à estátua de Ariano Suassuna e a cruzada contra a cultura

 


Essa canalha sabe as razões por que derrubam e depredam valores universais esculpidos em pedra no Recife. Pois como vândalos são bárbaros, que odeiam a cultura.

Por Urariano Mota

No Portal Vermelho

A imprensa na última segunda-feira (21) divulgou a notícia, mas não se deu conta do mal que tem diante dos olhos. 

“A estátua do escritor Ariano Suassuna, localizada na Rua da Aurora, área central do Recife, amanheceu depredada e caída após ato de vandalismo.

Em março deste ano, a estátua de Ariano Suassuna teve o nariz quebrado e a de João Cabral de Melo Neto teve o nariz e parte do queixo quebrados, além das placas de identificação pichadas”.

O que as notícias não dizem é que esse vandalismo é sintoma de uma cruzada contra a cultura, um assalto que vem do alto, ou melhor, que vem do mais baixo valor que está na presidência.  O desgoverno do Brasil hoje atrai e espalha uma onda contra tudo que representa educação e artes. Nestes dias, não há um só ato bárbaro que não seja inspirado e estimulado pelo bolsonarismo.

Destruir um patrimônio cultural é natural em bárbaros no governo que prevê um corte de 78% na verba destinada à cultura, em nível de orçamento. Mas em nível ideológico a pregação contra valores humanos é feita por todos escalões do seu ministério. Eles aconselham e incendeiam matas e florestas de árvores e de gentes. Alguma dúvida?  Alunos filmam professores nas salas de aula para denunciá-los, mulheres são espancadas nas ruas, negros sofrem racismo explícito, público, declarado, lideranças indígenas são mortas. E de tal modo estão à vontade, que não se envergonham de expressões fascistas de baixo calão:

“Atos antidemocráticos são meus ovos na goela de quem inventou isso!”

No conjunto dessa destruição, os vândalos desta segunda-feira podem não saber a dimensão do escritor Ariano Suassuna, que um dia falou em entrevista:

“Considero Canudos o mais importante episódio brasileiro. É quando Brasil urbano e privilegiado se lança contra o arraial popular. Agora, na literatura universal, Dom Quixote foi fundamental na minha vida e obra, porque Cervantes conseguiu expressar, como ninguém, os problemas do ser humano, a partir de circunstâncias locais”.

Esses bárbaros podem não alcançar O Cão sem plumas de João Cabral de Melo Neto, cuja estátua na Rua da Aurora também já foi mutilada:


“A cidade é passada pelo rio

como uma rua

é passada por um cachorro;

uma fruta

por uma espada.

 

O rio ora lembrava

a língua mansa de um cão,

ora o ventre triste de um cão,

ora o outro rio

de aquoso pano sujo

dos olhos de um cão.


Aquele rio

era como um cão sem plumas.

Nada sabia da chuva azul,

da fonte cor-de-rosa,

da água do copo de água,

da água de cântaro,

dos peixes de água,

da brisa na água….”

Mas essa canalha sabe as razões por que derrubam e depredam valores universais esculpidos em pedra no Recife. Pois como vândalos são bárbaros, que odeiam a cultura. E desse modo cometem atos contra a arte, a ciência e a civilização. Destroem símbolos porque desejam destruir o que representa a história. As trevas em primeiro lugar, o fascismo acima de tudo.  

Hoje, vendo a foto de Ariano Suassuna assim caído, as mãos para trás do escritor me pareceram estar amarradas, algemadas. De fato, na imagem e em outros atos, os bárbaros tentam derrubar a cultura, na escultura, para assim melhor o bolsonarismo andar à solta.  

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