quarta-feira, 14 de outubro de 2020

De volta –Paulo Setúbal

 

Obra do artista plástico Mingo Jacob


Minha terra... Ai, com que abalo,

Com que sincera emoção,

Eu, dando rédea ao cavalo,

Margeio este fundo valo,

— Caminho do meu torrão!


Tudo, no ar, festa e brilho!

E é com a alma a vibrar,

Que eu corto as roças de milho,

Por este sinuoso trilho

Que à minha terra vai dar.

 

Ninhos... flores... que tesouro!

Que alegria vegetal!

À luz do sol, quente e louro,

Com seus penachos cor de ouro,

— Como é lindo o milharal!

 

Abelhas, asas espertas,

Num revoejo zumbidor,

poisam trêfegas, incertas,

Pelas corolas abertas

Das parasitas em flor...

 

Na mata, de quando em quando,

Soa o trilar dos nambus.

Os pintassilgos, em bando,

As frontes sonorizando,

Gorjeiam em plena luz!

 

E eu sigo... Vou enlevado

Nesta poesia sem fim.

Bem sinto, de lado a lado,

Que um trecho do meu passado

Em tudo ri para mim!

 

Quem há, aí, que compreenda

Minha brusca, alta emoção,

Ao ver, ao longe, a fazenda,

Com sua chata vivenda,

Surgir no azul do espigão?

 

Aqui, nesta boa roça,

São todos amigos meus.

Por isso, a cada choça,

Toda gente se alvoroça

Para vir dizer-me adeus.

 

É o Quincas! É o Zé Colaço!

O Juca Elias! Nhô João!

Todos eles, quando eu passo,

Num longo, num rude abraço,

Apertam-me ao coração!

 

E aquele? Céus! Nhô Claudino!

O olhar em pranto ele traz...

É um velho, meigo e franzino,

Que outrora me viu menino,

E que hoje me vê rapaz...

 

Chego... Que festa infinita!

Como eles me querem bem!

Até a pobre da nhá Rita,

Com seu vestido de chita,

Corre a abraçar-me também!

 

Dentro, sem mais demora,

Traz-me a crioula um café.

Ai! É a mesma sala de outrora,

Com a mesma Nossa Senhora

Ao lado de São José!

 

Aqui, em meio a isto tudo,

Eu - que ironia cruel! -

Tenho o desejo sanhudo

De espedaçar o canudo

Com a carta de bacharel,

 

E, na doçura que encerra

Esta simpleza daqui,

Viver de novo, na serra,

Entre as gentes desta terra,

A vida que eu já vivi...


Poema publicado em Alma Cabocla

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