quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Candidata à presidência defende pacto por justiça social no Paraguai

 

Protesto contra a fome e pela reforma agrária no Paraguai

Esperanza Martinez denuncia que o modelo político e econômico do Paraguai privilegia um pequeno grupo de pessoas. Quase 86% das terras cultiváveis estão nas mãos de somente 5% da população.

Por Leonardo Wexell Severo

No Portal Vermelho

O Paraguai terá eleição presidencial em abril de 2023. Em entrevista exclusiva, a candidata à presidência pela Frente Guasú-Ñemongeta, Esperanza Martínez, fala sobre as propostas para desenvolver o país.

Esperanza Martinez é médica, foi ministra da Saúde e do Bem-Estar Social do governo de Fernando Lugo, entre os anos de 2008 e 2012; em 2013 foi eleita senadora da República do Paraguai, presidente da Comissão da Fazenda e Orçamento do Senado em 2020 e 2021.

Esta é a parte 2 da entrevista exclusiva realizada com a candidata. Esperanza Martinez explica de forma mais detalhada a atual situação econômica do Paraguai e os desafios para superar as dificuldades.

Qual é a situação econômica do Paraguai hoje?

Nos encontramos numa situação econômica em que este governo que sai nos deixará de herança uma dívida pública absurda. Quando Lugo saiu da Presidência em 2012, a dívida pública do país era de 10,2% do PIB e, atualmente, estamos chegando a quase 37%, 38% do PIB.

Acredito que este é um tema relevante: o desafio de investir na dívida social, ao mesmo tempo em que teremos os serviços da dívida pública herdados. Some-se às dificuldades em termos do que restará da pandemia, do que vai se passar em termos de inflação, de alta do petróleo e do fenômeno Ucrânia. Mais do que problemas locais, há um contexto regional e internacional que, evidentemente, tornam mais complexo o enfrentamento da situação.

População paraguaia protestou contra a forma como o governo ligou com a pandemia, possibilitando alto número de infecções.


Como é viver em um país que exporta alimentos em meio à fome de seu próprio povo?

O modelo político e econômico do Paraguai privilegia um pequeno grupo de pessoas. Quase 86% das terras cultiváveis estão nas mãos de somente 5% da população, o que gera este modelo agroexportador, concentrador de riquezas, em que os grandes não pagam impostos proporcionais aos lucros que recebem e provocam um êxodo, uma migração interna, de muitos agricultores para as cidades, agravando a pobreza. Além disso, não há um projeto de desenvolvimento industrial e sequer semi-industrial, não há emprego.

Ao mesmo tempo, nossa agricultura familiar não recebe os recursos necessários à produção de alimentos, há muitos despejos de assentamentos, tanto de camponeses quanto de indígenas, algo desumano.

Como aconteceu em Curuguaty?

Como foi lastimosamente o exemplo de Curuguaty. Seguem os Curuguaty pelo Paraguai, seguem os camponeses encurralados, agora por uma nova lei que criminaliza e impõe de seis a dez anos de prisão, sem qualquer possibilidade de libertação, aumentando as penas de tal forma que a luta pela justiça social fica ainda mais difícil, tanto para agricultores como para indígenas.

Qual o significado da Pesquisa Permanente de Domicílios (EPH) do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a insegurança alimentar?

Este estudo do Instituto Nacional de Pesquisas revela que uma entre cada quatro famílias paraguaias (25%) foi afetada pela insegurança familiar moderada ou grave, deixando de comer uma ou mais vezes durante a semana ao longo de todo o ano passado. A pesquisa aponta como um dos importantes problemas de acesso à cesta básica o aumento generalizado dos preços e a inflação.

Ao mesmo tempo, sem um sistema de comercialização, de apoio técnico e creditício aos agricultores, e com as dificuldades de transporte – agravadas pela pandemia – temos um país que aumenta o contrabando, a importação de alimentos como o tomate e o pimentão verde. Resultado do nosso modelo extrativista, temos tido dois anos de seca. A isso se soma a crise climática, que só agravou a situação, pois afetou a quantidade e a qualidade da produção.

Candidata à presidência, Esperanza Martinez defende ampla unidade

Como a senhora vê a construção desta frente ampla com os setores produtivos?

A Frente Guasú-Ñemongeta é quem coloca estes temas que obrigatoriamente precisamos avançar. E acreditamos que precisamos iniciar o processo de transformação deste modelo realizando um grande cadastro nacional porque, neste momento, temos mais quantidade de terras em títulos do que reais, havendo sobreposição e falsificação de títulos, vendas, revendas e todo um esquema. Algo viciado, resultado da corrupção e da aliança que tiveram com a ditadura, chegando até governos mais recentes.

Em toda esta disputa existente em relação às terras da reforma agrária, uma minoria termina impondo o seu capital sobre o poder judiciário, acima dos interesses das organizações sociais, indígenas e camponesas.

Qual o papel da reforma agrária na transformação econômica do Paraguai?

Este é um tema estratégico, sobre o qual precisamos buscar uma saída, esclarecendo, colocando os pontos nos is. Afinal, são seis milhões de hectares de terras que chamamos mal-habidas [griladas], que são parte do informe da Comissão de Verdade e Justiça formada após a derrubada da ditadura. Temos os nomes, os montantes, os valores pagos, não é algo que se possa continuar jogando para debaixo do tapete.

Há questões referentes à reforma agrária e que deverão ser mais simples de enfrentar, como por exemplo o fato de termos hoje mais de três milhões de hectares sem donos, muitos entregues a assentamentos, mas que não se terminou de legalizar ou cujos títulos não foram repassados. Tudo isso é parte deste processo de corrupção.

Então é necessário fazer um pacto de justiça social, porque não haverá tranquilidade nem paz sem abordarmos esta questão de forma progressiva e acordada. Precisaremos também de um parlamento à altura e de mudanças no poder judicial que nos ajudem a avançar este processo.

O fato é que é um problema que não podemos desconhecer, porque há despejos, há agricultores presos e assassinados. Portanto, é algo que não se pode esconder e que necessitamos debater entre todos. E resolver.

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