Copiei de Gilberto Maringoni
Morreu Plínio de Arruda Sampaio.
Morreu pouco antes de uma derrota histórica da Seleção
brasileira.
Duas tristezas num dia só.
Plínio nasceu no exato dia em que assassinaram o presidente
da Paraíba – assim eram chamados os governadores -, no processo que deflagrou o
início da Revolução de 1930. Ao longo do tempo, sua vida política o aproximou
dos ideais de outro 26 de julho. Essa é também a data em que um grupo de
barbudos tentou tomar de assalto o quartel Moncada, em Santiago de Cuba, em
1953. O comandante da ação era um grandalhão falante, cujo nome ecoaria
mundialmente pelas seis décadas seguintes, Fidel Castro Rúiz.
Plínio tinha uma aparência de senador romano de filmes da
Metro. Testa alta, nariz proeminente e olhar seguro. A voz calma e límpida e os
gestos firmes não correspondiam à sua idade atual. Mesmo quando fazia um
discurso incisivo contra o agronegócio ou em defesa de uma ação mais
radicalizada por parte dos setores populares, parecia o mais moderado dos
homens. No fundo, poderia ser definido como um radical tranqüilo. “Se não
fizesse política, o câncer teria me levado”, ironizou ao se recuperar de um
tumor no estômago, há quase dez anos.
MILITANTE
“Ele era antes de tudo um militante”, sintetiza sua esposa,
Marieta Ribeiro de Azevedo Sampaio, com quem estava casado desde 1954, época em
que se formou em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. “Quando eu o
conheci, dois anos antes, ele já era um militante”.
Ligado à Igreja, Plínio deu seus primeiros passos na
política através da Juventude Universitária Católica, organização surgida a
partir da Ação Católica Brasileira. Em 1959, foi nomeado subchefe da Casa Civil
de Carvalho Pinto, governador do Estado. Ali coordenou o Plano de Ação, um
amplo programa de planejamento e de intervenção integrada de todas as esferas
do Estado no desenvolvimento. Ainda nos anos 1950, entrou para o Partido Democrata
Cristão (PDC), que tinha em André Franco Montoro (1916-1999) um de seus
principais líderes.
Façamos as contas: foram quase 84 anos de vida e 62 de
atividade política incessante. Plínio vinha de uma família de produtores de
café e fez uma trajetória raríssima. De posições inicialmente moderadas, ao
longo dos anos ele percorreu um caminho que o levou cada vez mais à esquerda.
“Eu vim da direita”, costuma brincar. É um exagero. Mas contam-se nos dedos os
ativistas com origem familiar abastada que transitaram rumo à esquerda
socialista. No Brasil, possivelmente o caso mais notável seja o de Caio Prado
Jr., com quem Plínio conviveu. O ex-Secretário Geral do Partido Comunista
Italiano (PCI), Enrico Berlinguer (1922-1984) é outro. Se formos aos mais notáveis,
vale lembrar que Friedrich Engels (1820-1895) era filho de um industrial inglês
e Fidel Castro tinha um pai latifundiário.
Eleito deputado federal em 1962, Plínio logo se tornaria
relator do plano de reforma agrária do governo João Goulart (1962-1964). A
antipatia dos setores mais conservadores da sociedade foi imediata.
GOLPE E EXÍLIO
Não deu outra: quando foi deflagrado o golpe de 1964, Plínio
estava na primeira lista de cassações, juntamente com Luiz Carlos Prestes, João
Goulart, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Francisco Julião, Darcy Ribeiro, Celso
Furtado e dezenas de outros.
No exílio, ele trabalhou na FAO (órgão da ONU que trata das
questões relativas à agricultura e à alimentação), em Santiago do Chile e, a
partir de 1970, nos Estados Unidos. Assessorou programas de reforma agrária em
quase duas dezenas de países da América Latina e da África.
O ex-deputado voltou ao Brasil antes da Anistia. Chegou em
1976 e tornou-se professor da Fundação Getulio Vargas, após ter concluído um
mestrado em Economia Agrícola na Universidade Cornell.
Tomou parte nas intensas lutas sociais que marcaram o final da ditadura. Ingressou primeiro no Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e logo saiu para fundar o Partido dos Trabalhadores, em 1980, após as formidáveis greves do ABC paulista, lideradas por Luís Inácio Lula da Silva.
PT E CONSTITUINTE
Eleito deputado constituinte, em 1986, Plínio bateu-se por
um projeto de reforma agrária que erradicasse o latifúndio. Com a paulatina
destruição do texto constitucional, realizada por mais de 60 emendas, nos anos
1990, ele mostrava certo desencantamento com os rumos da Carta de 1988. Em
palestra realizada há seis anos no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), em Brasília, o ex-parlamentar foi ácido: “O breve resumo histórico das
idas e vindas do processo de elaboração da Constituição Cidadã impõe a
conclusão de que o texto promulgado em de 1988 foi fruto de uma ilusão.
Baseava-se no falso pressuposto de que a nova ordem econômica e política
neoliberal, então hegemônica em todo o mundo capitalista desenvolvido, ainda
não havia fechado as portas para o prosseguimento de projetos de construção
nacional nos países de sua periferia”.
Dirigente petista, membro da coordenação da campanha Lula à
presidência em 1989, Plínio foi o principal formulador da política agrária do
partido por muitos anos. Foi líder da agremiação na Câmara e candidato a
governador pelo PT, em 1990. Tornou-se presidente da Associação Brasileira pela
Reforma Agrária (ABRA) e um dos mais importantes colaboradores do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Membro da corrente majoritária do PT, a
Articulação, aos poucos ele se tornou um aliado da esquerda partidária.
Paulatinamente desencantado com os rumos do PT, após a
eleição de Lula, em 2002, Plínio foi candidato à presidência da legenda em
2005. Sua maior contrariedade estava com a política econômica capitaneada por
Antonio Palocci e Henrique Meirelles, o que entendia ser uma continuidade da
orientação adotada durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
PSOL E CANDIDATURA
Em setembro daquele ano, juntamente com cerca de dois mil
militantes de todo o país, ele deixa a legenda que ajudou a fundar e filia-se
ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Em 2006, Plínio sai novamente candidato ao governo de São
Paulo. “Tivemos quase 450 mil votos com um orçamento de cerca de R$ 20 mil
reais. Os publicitários calculam, em campanha, que um voto custa, em média, de
R$ 10 a R$ 15. Multiplicados pelo número de sufrágios, temos esses dispêndios
milionários em campanhas. Pois gastamos cerca de R$ 0,04 por voto. Um
fenômeno!”, dizia ele.
Aos 80 anos, este intelectual da ação encarou uma de suas
mais árduas batalhas. Foi candidato à presidência da República pelo PSOL.
Viajou incansavelmente pelo País. Destacou-se em todos os debates televisivos,
enfrentando campanhas milionárias. Criticou frontalmente a política monetária
do Banco Central de juros altos e sobrevalorização cambial e a não efetivação
da reforma agrária.
Sempre que perguntado quais os melhores anos de sua longa
trajetória, Plínio repetia um bordão:
“São aqueles que ainda vou viver”.
No 8 de julho, um câncer o levou. De alma limpa e
seguramente com a sensação de ter vivido muito bem a vida.
Deixa viúva dona Marieta, seis filhos e 12 netos.
Pode-se concordar ou discordar das posições de Plínio. Mas
não se pode ignorar a admirável trajetória desse comunista que acreditava em
Deus, como ele mesmo se definia. (Gilberto Maringoni)
Via O Ornitorrinco
Via O Ornitorrinco
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